Diversão e Arte

Paixão pelo cavaquinho

Instrumentista e pesquisador faz show e lança livro de partituras, CD e clipes didáticos para a internet

postado em 25/09/2019 04:13
Henrique Cazes tomou para si a missão de valorizar o cavaquinho, instrumento de origem portuguesa, símbolo dos conjuntos regionais, que se dedicam à execução do choro, gênero musical tido como a gênese da música popular brasileira. Há quatro décadas, além de utilizá-lo com virtuosismo em suas apresentações e para compor, ele escreveu o livro Escola Moderna de Cavaquinho, de 1988; e mais recentemente criou a coleção Música nova para cavaquinho.

Amanhã e sexta-feira, às 21h, em shows no Espaço Cultural do Choro, Cazes aproveita para lançar em Brasília este novo projeto que, segundo ele, tem como objetivo ;revelar e potencializar os recursos do cavaquinho como instrumento solista;. A coleção inclui livro de partituras com todas as obras, CD em que registrou parte delas; e clipes para a internet, sob o título de 12 estudos para cavaquinho solo, com imagens didáticas.

Tem mais: após concluir o mestrado na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com um trabalho sobre rodas de choro, Cazes tornou-se professor da instituição, onde implantou o pioneiro bacharelado em cavaquinho, que ;preenche uma lacuna na formação de um contingente de instrumentistas e lança um olhar sobre o instrumento, ao unir a abordagem contemporânea com as tradições musicais do choro e do samba;.

Inquieto, o instrumentista começa a se ocupar com um outro projeto, que lhe traz muita satisfação: a comemoração do centenário de Waldir Azevedo, que ocorre em 2023. Ao Correio, Cazes adiantou com exclusividade, que a celebração ocorrerá em Brasília, onde o ;rei do cavaquinho; viveu entre 1970 e 1980. ;Aí, ele foi muito reverenciado, ao contrário do Rio de Janeiro, que sempre colocou Jacob do Bandolim em primeiro plano;.



Henrique Cazes
Show do cavaquinista e compositor no lançamento da coleção Música nova para cavaquinho, com a participação de Félix Júnior (violão 7 cordas) e Júnior Viegas (percussão), amanhã e sexta-feira, às 21h, no Espaço Cultural do Choro (Eixo Monumental, ao lado do Centro de Convenções Ulysses Guimarães). Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia para estudante). Não recomendado para menores de 14 anos. Informações: 3224-0559.




Vem de quando sua paixão pelo cavaquinho?
Vem desde quando, ainda criança, decidi a aprender tocar o instrumento. Mas se acentuou em 1982, quando, numa conversa com Radamés Gnattali, ele me pediu para gravar uma fita cassete com coisas que gostasse de fazer no cavaquinho. À época, fazia parte do grupo Coisa Nossa e fiquei orgulhoso com a solicitação, porque vinha do maestro, por quem tinha grande admiração. Ele queria ideias que serviriam para compor uma peça intitulada Introdução e choro para cavaquinho e cordas. Gravada a dita, ele ouviu e gostou de uma série de arpejos na tonalidade de mi menor e fez a sugestão: ;Isso aí pode ser um estudo para cavaquinho.


Você levou a ideia a diante?
Sim. Escrevi Estudo n; 1 e registrei a primeira parte num LP denominado Henrique Cazes, lançado em 1988. A parte final foi publicada no método Escola moderna de cavaquinho. A partir daí, passei a garimpar ideias, ao longo dos anos, para escrever os demais estudos. Em 2001, cheguei a completar a primeira versão dos 12 Estudos, mas não os publiquei, pois senti falta de algo.


Quando voltou ao Estudos?
A partir de 2013, a convivência com meus alunos do bacharelado em cavaquinho, na UFRJ, fez-me ver que o que faltava era ambiente, interlocução. O trabalho na universidade trouxe ainda a convivência diária com a afinação ré-sol-si-ré, que incorporou mais abrangência e diversidade à coleção. O desafio enfrentado foi o de conjugar o interesse técnico das obras com atrativos estéticos, fazendo com que a coleção ultrapassasse a dimensão didática.


Como foram compostas as peças?
Todas as peças foram compostas no cavaquinho, buscando a cada momento obter mais do instrumento, nos planos sonoro, harmônico e de expressividade. O formato final escolhido para a coleção foi de um livro com todo o material; o CD ,com parte dele e ênfase nos choros e valsas; e ainda 12 clipes para a internet, com os 12 Estudos para Cavaquinho Solo, apresentados em imagens que ajudarão aqueles que os quiserem executar.


Quem participou das gravações?
Convidei músicos com quem tenho tocado nos últimos anos, como Omar Cavalheiro (contrabaixo) e Beto Cazes (percussão), com destaque para o jovem violonista João Camarero, com uma maturidade improvável antes dos 30 anos de idade. Há alguns convidados especiais, entre eles o pianista Cristovão Bastos e o acordeonista Marcos Nimrichter.


Em que circunstância conheceu o mestre Waldir Azevedo, um dos seus ídolos?
O Waldir já morava em Brasília e veio ao Rio, em 1976, para participar do projeto Seis e Meia, ao lado da cantora Carmem Costa, no Teatro João Caetano. Eu estava começando minha carreira musical, e me emocionei muito, ao vê-lo, pela primeira vez, tocar ao vivo. Foram duas vezes na mesma temporada. Na primeira, o assisti de longe. Na segunda, levei um binóculo. Mas, depois do show, infelizmente, não consegui falar com ele.


Então, nunca foi apresentado a ele?
Não. Curioso é que, na infância o vi de perto algumas vezes, pois Waldir ia visitar a mãe, num apartamento na Dias da Cruz, rua em que a minha família também morava, no bairro do Meier. Meu pai dizia para mim: ;Este é o Waldir Azevedo, do cavaquinho;. Quando comecei a tocar o instrumento, Waldir se transformou numa figura mitológica para mim. Comprei vários LPs dele e ficava tirando as músicas.


O que sentiu ao gravar o disco Tocando Waldir?
Foi a realização de um show, registrar 12 composições do Waldir, com arranjos livres que criei, em meu segundo disco, lançado em 1990. Havia alguns choros menos conhecidos, mas também os clássicos Carioquinha e Pedacinhos do Céu, além do baião Delicado, com uma introdução longa. Um ano depois fui convidado para participar de um tributo ao mestre, no Teatro Nacional, e fiquei impressionado como a obra do Waldir é cultuada pelos brasilienses. Naquela noite, fiquei feliz também por conhecer Hamilton Costa, que integrou o regional do Waldir em Brasília e era um grande arranjador.


Foi a admiração que o levou a escrever uma biografia de Waldir?
Como conhecia bem a obra dele, fui convidado para escrever uma pequena biografia do Waldir para a coleção da Folha de São Paulo, em 2010. Pretendo ampliá-la para lançar nas comemorações do centenário do mestre em 2023. Pretendo também produzir um grande show para celebrar a data e apresentá-lo em Brasília, onde ele é venerado.

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