Diversão e Arte

Obra de Bach e sistema de saúde mental inspiram espetáculo de dança

Pianista, coreógrafa e artista plástico criaram espetáculo sobre transgressão

Nahima Maciel
postado em 10/10/2019 06:30
Com 30 pequenas e delicadas peças, o livro Variações Goldberg, escrito por Johann Sebastian Bach e publicado em meados do século 18, resultou de uma encomenda de um conde alemão. Insone, ele pediu ao compositor, à época já reconhecido e cultuado, para escrever peças que pudessem acompanhar as horas sem dormir. A história inspirou o pianista Gustavo Carvalho, a coreógrafa Jacqueline Gimenes e o artista plástico François Andes a criarem BWV 988: trinta possibilidades de transgressão, em cartaz a de amanhã a domingo no Teatro Plínio Marcos.
Cordas serviram de base para Jacqueline Gimenes criar a coreografia
O espetáculo nasceu de uma residência de dois períodos de duas semanas no Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea e no hospital psiquiátrico da Colônia Juliano Moreira. Durante o período, os artistas realizaram várias sessões de workshops nas quais contaram com intervenções e participações dos usuários do sistema de saúde mental. Foram sessões de troca de experiências e muito diálogo que municiaram os artistas com o material para criar o espetáculo.

A própria obra de Arthur Bispo do Rosário serviu de base para o trabalho. ;O espetáculo foi todo feito a partir das residências;, avisa Carvalho. ;A gente teve uma grande influência de todo o universo da obra do Bispo e toda a parte de cenário foi feita a partir das vivências, que serviu de impulso para a criação do cenário e do figurino.; A noite é o tema do espetáculo, e a vigília, o ponto de encontro com a loucura e os medos que assolam a mente desperta e cansada.

Como diz a lenda que as variações foram escritas para momentos de um insone, Carvalho quis partir dessa ideia para criar BWV 988: trinta possibilidades de transgressão. ;É um espetáculo que fala sobre a noite, a insônia como um espaço-tempo que abre inúmeras possibilidades, inúmeras portas para angústias, pulsões, fantasmas, desejos. É um momento da noite no qual sentimos uma solidão e percebemos que, muitas vezes, o que mais nos assusta é se confrontar consigo próprio;, explica o pianista.

A ideia de transgressão explícita no título também permeia todo o espetáculo. Seria o que o pianista chama de momento de confronto entre as angústias que acompanham o ser humano. ;E quais são as possibilidades de atravessar, de transgredir e conseguir enfrentar e ultrapassar isso;, diz. Durante a residência, o contato com os usuários do sistema de saúde mental foi crucial para a concepção do espetáculo e várias propostas e intervenções dos participantes foram incorporadas ao espetáculo. ;Tivemos uma grande imersão", avisa Jacqueline. As vivências e os desenhos realizados por François a partir de fotografias da coreógrafa serviram de base para ela imaginar a coreografia. ;Quando vi os desenhos que ele estava propondo rapidamente fiz uma imersão em relação à natureza e fui pra praça em frente a minha casa. Lá, comecei a fazer umas fotos lá e começou a vir esse personagem que tem essa ambiguidade, essa relação com bichos, com a força da natureza e com os sonhos;, conta.

A música de Bach não é novidade para a coreógrafa e bailarina. Durante os mais de 10 anos em que dançou com o Grupo Corpo, Jacqueline esteve em contato com a música do compositor alemão pelo menos duas vezes. Uma delas com o espetáculo Bach e outra com 6 instantes de solidão, solo coreografado por Rodrigo Pederneiras, do Corpo, e desenvolvido a partir da Suíte n; 2 para violoncelo, de Bach. No caso das Variações Goldberg, Jacqueline decidiu por criar uma coreografia que ;atravessasse; a música. ;Gostaria que a obra representasse uma coisa mais visceral e mais dessa questão onírica do que uma dança propriamente. É dança, tem movimento, mas para tem esse impacto da transgressão;, garante.

Na integração entre a coreografia, a música e o cenário, a ideia de transgressão funcionou como guia. ;A gente queria ter a transgressão como forma do processo criativo, tudo foi construído de maneira muito híbrida;, explica Carvalho. Para dar forma ao conceito, François trouxe uma série de objetos cênicos que funcionam como obstáculos para os movimentos de Jacqueline, que precisa empreender uma constante metamorfose e transfiguração para dar conta do espaço cênico. ;Também estamos falando de um cenário em constante metamorfose, construído e desconstruído durante todo o espetáculo;, avisa o pianista. Das 30 variações escritas por Bach, Carvalho selecionou 25 porque era preciso encaixar o espetáculo em um tempo suportável pela bailarina.


BWV 988: Trinta possibilidades de transgressão
De Gustavo Carvalho, Jacqueline Gimenes e François Andes. Amanhã e sábado, às 19h30, e domingo, às 15h e às 18h, no Teatro Plínio Marcos (Eixo Monumental ; Setor de Divulgação Cultural). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos

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