Devana Babu*
postado em 15/10/2019 06:06
Molotov é uma bomba caseira, produzida com matéria-prima barata, cuja intenção é causar grande impacto. Ou, na paráfrase da poeta Lisa Alves, para descrever o selo com que ela, desde 2015, produz book trailers para autores e editoras independentes: "A Molotov é uma ;bomba caseira; do audiovisual, produzida com matéria prima barata e com objetivo de causar grandes efeitos. E que os livros se tornem moda!”, anuncia.
Tudo começou em 2015, quando Lisa se deparou, na internet, com o book trailer do livro Poemas Apócrifos de Paul Valéry, do autor-editor Márcio-André, morador de Barcelona. O vídeo começa com uma foto de Paul Valéry em seu escritório, entrecortado por frases que explicavam o contexto do livro. Em seguida, surge uma série de imagens de pessoas com a cara coberta por um pano, numa biblioteca ou num jardim, entrecortadas por comentários instigantes de grandes autores.
Lisa, que já trabalhava com videoarte e performance, vinha refletindo sobre como lançar seu livro de poemas, Arame farpado. Queria fazê-lo chegar a um público maior e se apaixonou pelo conceito. "Usei meu próprio livro como um laboratório, para ver se funcionava, se vendia. A partir disso, eu criei um selo", conta. "Foi a primeira vez que eu vi esse nome (book trailer). Busquei na internet, mas não tinha nada a ver com o trabalho que ele fez, artístico".
Ainda hoje, embora haja uma produção de book trailers no Brasil, raramente se encontra algo com uma pegada mais poética. A maioria dos vídeos, queixa-se Lisa, são apenas leituras de trechos da obra, feitas por celebridades. "Em essência, isso não é um booktrailer. O book trailer transporta as imagens do livro para o vídeo, criando uma narrativa e instigando a leitura", explica Lisa. O primeiro trailer que ela produziu, para o próprio livro, exemplifica bem isso.
No vídeo, gravado no quintal da casa da mãe, Lisa aparece com o rosto coberto, como se fosse uma prisioneira. "Tem essa coisa do muro, a simbologia da barreira física. Fiz isso na época do ISIS (Estado Islâmico). É uma referência", explica. A experiência foi tão bem-sucedida que, rapidamente, outros autores pediram para que ela fizesse trabalhos semelhantes. Lisa ressalta que o grande objetivo é vender os livros. "É um marketing. Estou lidando com um produto independente. Como vou vender isso?;, diz.
Vendendo salvações
Lisa mora no Rio de Janeiro desde 2017. Foi para a cidade para curar um luto, e nunca mais voltou a Brasília, a não ser em 2018, para buscar suas coisas. A editora conta que, hoje, vive e paga as contas com o trabalho do Selo. Sem trabalho fixo, e tendo terminado recentemente um frila no qual editou uma série que deve ir ao ar na tevê em breve, o único trabalho que ela tem fora do selo é uma produção de audioteaser de livros para a editora Penalux.
Apesar de não ser exatamente o projeto de vida da poeta, ela conta que o empreendimento tem sido bem-sucedido. "Já tem até fila de autores esperando o trailer ficar pronto, coisa que não tinha antes", descreve. Para produzir os vídeos, Lisa utiliza imagens de arquivo, com usos comerciais liberados, com as quais tenta construir uma narrativa original. Ela cobra apenas o preço de editora, não de produtora. É uma forma de baratear os custos e obter um ótimo resultado, como na descrição do selo.
A produção também tem um aspecto militante. Lisa acredita que é necessário usar as estratégias de publicidade para democratizar o acesso ao livro. "Vender livro é vender salvações. A arte é um produto. A gente está produzindo conteúdo, produtos culturais. Ou a gente entende que vai ter que bater isso com publicidade, ou a gente sempre vai perder para uma cerveja. Isso é muito comum: em lançamentos, se vende mais cervejas do que livros", declara.
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*Estagiário sob a supervisão de Nahima Maciel