Ricardo Daehn
postado em 16/10/2019 07:00
Numa decisão temporária, o fotógrafo e repórter Mateus Vidigal, 27 anos, que crava a primeira exposição individual com Utopia Distopia: Despertar para o sonho, a ser aberta amanhã, às 19h (na Aliança Francesa), conta que pôs de lado a narrativa jornalística. Com pendor para os contos, ele deixa claro o desejo de perseguir a escrita, entretanto. Inclinado para conceitos contemporâneos que tratam de ;fotografia expandida;, Vidigal explica parte do conteúdo associado às imagens: ;A exposição tem uma série de sonhos que transformei em palavras e fiz disso material literário. Acredito que palavras possam ressignificar imagens e vice-versa;.
Entre as inspirações, com declarada sede por registros absolutamente distintos aos que faz, Mateus tenta expandir o campo das fotografias ; ainda assim, confessa a admiração por profissionais como Alexey Titarenko, Raymond Depardon e Rosangela Rennó. Manifestações sociais, desde protestos a paradas LGBTQI%2b, e imagens feitas em apresentações musicais dão o mote de Despertar para o sonho. Ao todo, trata-se de 85 fotografias (com tamanhos entre 15 x 21cm e 60 x 84cm), além de projeções gráficas. A maioria foi feita em Brasília, exceto dois autorretratos feitos em Portugal.
;Ainda que o fio condutor da exposição seja o sonho, a carga política das fotografias é bem explícita. As imagens dão conta de um cenário bastante distópico, mas simultaneamente bastante real e tangível. Acho que vivemos, sim, uma distopia;, comenta o fotógrafo brasiliense, morador do Guará.
Um caminho único, que desemboque em sonho, e venha puxado pela força motriz da utopia, dá norte a Mateus Vidigal. ;Não há outro caminho que não seja o sonhar, acho. O sonho é, e sempre deve ser, livre ; como o pensamento. O dia que não forem mais; acabou. Não acho que cenários distópicos sejam essenciais para a produção da boa arte, mas, certamente, oferecem um estímulo considerável para o sonhar, para o disruptivo, para a revolta e para a revolução. Utopia é micropolítica também. É sonhar junto;, comenta o artista.
Com poucas fotografias coloridas, Utopia Distopia: Despertar para o sonho acusa a preferência estética pelo uso de preto e branco, alinhado à admiração das obras de determinados artistas. ;No preto e branco, consigo hierarquizar melhor os elementos dos registros. Acho que a cor precisa se justificar, numa composição. Mais recentemente, tenho me forçado a enfrentar mudanças na minha zona de conforto associada ao preto e branco;, comenta Vidigal.
O fotógrafo acusa assumida produção de imagens pautada pela ;busca de afetos;, desvinculado da perseguição do real, do que seja dado como verdade. Nessa perspectiva, saúda a iniciativa da Aliança Francesa ; ;entre episódios claros de censura acontecendo no país; ; que abre editais de fomento cultural que alargam oportunidades. ;Como disse Belchior: ;o que é que pode fazer o homem comum neste presente instante? Senão sangrar, tentar inaugurar a vida comovida, inteiramente livre e triunfante?;;, avalia.
Num processo de libertação de vícios e amarras fotográficas, a exposição abre trânsito para dados imaginários e doses de devaneio. Trechos de músicas trazem pitadas de racionalidade para a organização do material. Entre respaldos técnicos, Mateus contou com dissertação de mestrado, como bolsista da UnB. Um intercâmbio em Portugal, em 2014, aguçou o interesse pela fotografia, brotado na faculdade e que desemboca na busca de uma estética própria. Ao transitar muito por protestos e manifestações sociais e culturais, Mateus, naturalmente, projetou muito desses campos na arte. Pilares de uma estrada pavimentada por sonhos e realizações. ;Na vida, eu valorizo liberdade, democracia, cultura e ensino público de qualidade e gratuito;, conclui.
Utopia Distopia: Despertar para o sonho
Aliança Francesa (SEPS 708/907, Lt. A). Abertura amanhã, às 19h. Até 17 de novembro, visitação de segunda a sexta, das 11h às 19h.