Nahima Maciel
postado em 17/10/2019 06:30
Quando pensa em circo, o artista Rafael Silveira passa longe do picadeiro e vai buscar nos gabinetes de curiosidades, uma prática muito comum nos séculos 16 e 17, a ideia que norteia boa parte do trabalho apresentado em Circonjecturas. Naquela época, as grandes navegações proporcionaram encontros entre povos que mudaram as configurações do mundo. Os gabinetes de curiosidades tornaram-se um hábito bastante eurocêntrico: exploradores europeus levavam de volta para suas terras objetos reunidos durante as viagens. O circo moderno, na visão de Silveira, nada mais é que uma consequência dessa prática. ;O circo, de certa forma, era uma versão ampliada, exagerada desse tipo de aglomerado, era uma representação do universo;, explica.
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O termo Circonjecturas é uma fusão das duas ideias que pautam a criação artística desse curitibano de 41 anos. ;Circo não no sentido que estamos acostumados, mas no sentido de uma versão ampliada do antigo gabinete de curiosidades, das coleções privadas, de coisas curiosas, exóticas e científicas. Eu estou no plano das conjecturas e das ideias, e essa exposição é quase um gabinete de curiosidades do mundo das ideias;, avisa. Com curadoria de Baixo Ribeiro, a exposição faz um passeio por boa parte da produção de Silveira e reúne de desenhos e pinturas, a instalações, algumas bem imersivas, outras interativas, além de esculturas, arte cinética e até uma incursão têxtil com uma série de bordados. É, ele avisa, um universo complexo e não apenas uma reunião de obras.
Esse universo tem origem no que Silveira chama de ponto comum entre o mundo das ideias e o material: a intimidade do pensamento. ;A gente tem o plano material, que é o aqui e o agora, e o plano das ideias, que está entre uma orelha e a outra;, explica. ;Esses universos convivem o tempo todo com a gente. Convido o público a uma imersão num universo mais onírico, porque tudo que está no plano material parte de nossas escolhas. Nessa intimidade onde a ideia se forma, é onde converso com o público.;
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Nessa conversa, ele avisa, não há temas, mas reflexões sobre a condição humana. Para isso, as obras podem servir de metáforas ou suportes. Na escultura Sorvete, por exemplo, ele quer falar de efemeridade. ;Uso o sorvete como um ícone da urgência. Tudo na condição humana é efêmero, o tempo corre pelas mãos como um sorvete que derrete. É quase uma questão filosófica da tragédia humana, mas a abordagem que faço é lúdica;, explica. No Corredor das ilusões, Silveira propõe uma travessia por uma espécie de portal entre dimensões reais e oníricas com olhos e óculos que observam o público. ;É um portal dimensional, a pessoa vem do ambiente externo da cidade, passa pelo corredor para entrar num portal e num universo onírico;, garante.
Técnicas
As obras, ele acredita, podem provocar efeitos hipnóticos, por isso a cinética é um dos recursos explorados. As peças híbridas, nas quais mistura diversas técnicas, são fruto de uma visão interdisciplinar necessária para encarar a contemporaneidade. ;Meu trabalho flutua entre as disciplinas porque é uma característica da arte contemporânea não se ater a essa questão disciplinar. O novo é criado a partir dessas fusões. Embora tenha influências e referências de vários períodos históricos e estéticos, a interdisciplinaridade permeia todas as obras;, avisa.
Cada trabalho de Silveira é acompanhado de uma alegoria específica e de uma narrativa. Um monstro tem na boca teclas de piano que podem ser tocadas pelo público. A imagem remete a desenhos animados antigos nos quais os personagens aparecem com dentes de teclas depois de receberem um piano na cabeça. Silveira quis falar dos fardos carregados diariamente e da postura diante das dificuldades: ;A gente não controla o que acontece ao nosso redor, mas controla a nossa reação. Independentemente do momento que estamos vivendo, escolhemos como reagimos;.
Na pintura Exaustão, um monstro formado por dezenas de pequenos monstrinhos fala da hiperconectividade e do excesso de informação que exaure o homem do século 21. Com o ;ponto-cruz-credo;, ele constrói o que chama de desenhos tridimensionais: tecido e bordado tomam forma como fruto da convivência com a mulher, a artista têxtil Flávia Itiberê, que trouxe para o trabalho referências da moda.
Penduradas e sob uma iluminação especial, as esculturas formam sombras que projetam desenhos gráficos, uma referência à origem do próprio artista, cuja formação e principal atuação profissional vêm do designer gráfico e da ilustração. As diferentes linguagens utilizadas por Silveira trazem para a galeria uma estética muito ligada ao universo da publicidade e à cultura pop. A combinação, segundo o curador Baixo Ribeiro, seria responsável pelo sucesso de público: Circonjecturas foi vista por mais de 100 mil pessoas em Curitiba e mais de 30 mil em São Paulo.
Circonjecturas
Visitação até 15 de dezembro, de terça a domingo, das 9h às 21h, na Caixa Cultural de Brasília (Setor Bancário Sul, quadra 4, lotes 3/4). Classificação indicativa livre. Entrada gratuita.