Diversão e Arte

Puccini à brasileira

Ópera de um dos maiores compositores italianos do gênero ganhou adaptação para a realidade do Brasil

postado em 19/10/2019 04:07
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Giacomo Puccini gostava muito de histórias de amor com aspecto épico. A célebre cantora de ópera que se apaixona por um pintor, a gueixa abandonada pelo oficial americano de passagem pelo império do Sol Nascente e a princesa chinesa que resiste ao casamento ficaram imortalizados em Tosca, Madame Butterfly e Turandot. Reis, princesas, oficiais e artistas costumavam ser o material de trabalho de Puccini, mas foi em um campo completamente diferente que ele construiu Il Tabarro, a primeira de uma trilogia de óperas intitulada Il Trittico e escrita nos primeiros anos do século 20.

No palco, cantores encenam uma história de amor que passa longe de príncipes e nobres. Um pouco por isso o maestro Ricardo Sousa-Castro e o produtor Hugo Lemos escolheram a obra para a montagem em cartaz até amanhã no Teatro Plínio Marcos, da Funarte. ;É uma obra que apresenta muito da maturidade do compositor, trazendo as tendências mais modernas do século 20;, avisa o maestro. Um contraponto às óperas tradicionais e românticas que Puccini costumava escrever,

Il Tabarro estreou em 1918, no Metropolitan Opera, de Nova York, e foi recebida com alguma estranheza. ;Ele faz muitas alterações rítmicas, com harmonias diferentes e dissonâncias bem típicas do século 20, polirritmia e politonalidade. São coisas bem diferentes, que estavam sendo experimentadas no início do século 20;, avisa Sousa-Castro. Concebida para ser apresentada em um único ato, a ópera é fruto de uma tentativa do compositor de incorporar as tendências musicais modernas que começavam a surgir na música erudita. Puccini junta, em Il Tabarro, a tradição da ópera romântica com as novas tendências do século 20.

O escritor Giuseppe Adami buscou na peça La Houppelande, do francês Didier Gold, o mote para o libreto sobre o romance entre um estivador e a mulher do dono de um barco. A história original se passa em um porto e boa parte dos personagens são estivadores que trabalham nos barcos. Na versão brasiliense, a história é protagonizada por caminhoneiros. Giorgetta é casada com Michele, proprietária de um caminhão de carga, mas ama e mantém um caso com Luigi, um dos empregados do marido. Ciúmes, violência, traição e paixão pontuam o drama que acaba em tragédia, como boa parte das óperas.

No palco, a soprano Janette Dornellas vive Giorgetta e o tenor goiano Hélenes Lopes será Luigi. Michele ficou a cargo do barítono paulista Rodolfo Giuliani. ;Nunca cantei nem imaginei que ia cantar esse papel;, conta Janette. ;É um papel muito dramático e com temática atual.;


Dramas

A soprano também vê uma certa atualidade na maneira como Puccini trata a história. Giorgetta é casada com um homem mais velho e, depois de perder o filho, entra em depressão e acaba se envolvendo com um dos empregados do marido. O resultado é um assassinato. ;A temática é atual porque, hoje em dia, se fala mais disso, as coisas são mais públicas, as pessoas estão trazendo esses dramas familiares, não estão mais escondendo, e a mulher hoje tem instrumentos para se defender, como o movimento feminista, a lei Maria da Penha e grupos de defesa;, diz Janette.

Para Hélenes, viver Luigi foi um desafio. ;É um papel complexo, vocalmente difícil, pela escrita e pela textura, requer uma voz mais densa e normalmente é feita por tenores dramáticos. Também tem uma carga emocional muito grande, que deve ser transportada para música. A voz precisa corresponder. É um baita desafio;, revela o tenor, ao lembrar que Il Tabarro é pouco representada por conta, em parte, do desafio vocal representado pela partitura. ;O elenco tem que estar muito conciso é não é todo mundo que consegue cantar;, avisa.

Trazer a história para a contemporaneidade brasileira foi um caminho natural para o maestro e para o produtor Hugo Lemos. Além de os figurinos serem mais baratos, a estratégia ajuda a provocar a empatia do público. ;É uma história que poderia acontecer em qualquer momento;. repara. Il Tabarro faz parte de um movimento conhecido como verismo, tendência seguida pelos artistas do início do século 20 de colocar pessoas comuns como protagonistas das histórias. ;Os personagens são pessoas normais. Geralmente, as óperas estavam associadas a deuses, reis, mas Puccini quebra isso e começa a contar histórias de pessoas comuns;, conta Sousa-Castro, que utilizou uma partitura com versão reduzida da orquestra.



IL TABARRO
Ópera de Giacomo Puccini, com a Orquestra Metropolitana de Brasília e Rodolfo Giuliani, Janette Dornellas e Hélenes Lopes. Regente: Ricardo Sousa-Castro. Hoje, às 20h, e amanhã, às 16h e às 19h, no Teatro Plínio Marcos (Complexo Cultural da Funarte ; Eixo Monumental ; Setor de Divulgação Cultural). Ingressos: R$ 20,00 e R$ 10,00 (meia). Classificação indicativa: 12 anos

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