postado em 05/11/2019 04:08
[FOTO1]Cantor, instrumentista, compositor, pioneiro e ativista. Essas são apenas algumas palavras que podem ser usadas para definir o nigeriano Fela Kuti, que, se estivesse vivo, teria 81 anos. No Brasil o artista tem sido redescoberto, graças ao legado de um trabalho atemporal. No fim dos anos 1960 e início dos 1970, Kuti era visto como um pensador falando na música, que misturava o yorubá (grupo étnico linguístico africano) com ritmos americanos (como jazz, funk e soul), sobre questões atuais, como racismo, política e desigualdade social.
;Fela Kuti era tipo um profeta. Tudo que ele falou naquela época está acontecendo até agora, 22 anos depois, infelizmente. Tem várias coisas cantadas por ele que o mundo, o Brasil e a Nigéria estão passando;, destaca ;dowú Akínrúlí, músico conterrâneo de Fela Kuti que tem rodado o Brasil fazendo tributo ao artista.
O cineasta e pesquisador mineiro Joel Zito Araújo concorda. Para o diretor do documentário Meu amigo Fela, o nigeriano trazia uma ideologia que será eterna. ;Ele foi um guerreiro contra a colonização mental da África, pela união dos africanos da África e do mundo (com o movimento chamado Pan-africanista) e contra as desigualdades sociais e raciais. Creio que é isso que faz dele uma figura eterna, além de a música continuar moderna e jovem;, classifica.
Neste novembro, um mês após ao Fela day, festa que celebra Fela Kuti no dia do nascimento do artista com festividades pelo mundo, o nigeriano terá destaque no Brasil. A semana de tributos começa com show promovido pelo multi-instrumentista ;dowú Akínrúlí. O projeto nasceu em 2016 no Rio Grande do Sul. ;Lá na Nigéria tive a honra de tocar com o filho dele. Uma relação com o afrobeat na fonte. Então, desde que cheguei no Brasil, venho fazendo trabalhos nesse sentido, um tributo ao Fela Kuti, com essa linguagem do afrobeat;, afirma.
A apresentação será amanhã, às 21h, no Outro Calaf (Setor Bancário Sul). Para interpretar o legado de Fela Kuti, ;dowú Akínrúlí conta que há muita aplicação, tanto física quanto mental. ;Demanda muita dedicação para encarnar a energia que ele dava ao afrobeat, esse ritmo que colocava as falas tradicionais em yorubá nos instrumentos melódicos como sax, violão, baixo e guitarra... Tem esse sotaque específico que vem do povo yorubá, que também é minha língua-mãe;, explica.
Além de apresentar clássicos de Fela Kuti, o artista conterrâneo revela que aproveitará o momento no palco para contar a trajetória do ídolo. ;Não tem como tocar Fela Kuti sem falar da história dele. Quem for ao show vai poder conhecer um pouco da história dele, com muita dança, música e diversão. É um jeito de conhecer a cultura nigeriana e esse ritmo criado pela Fela Kuti, que, além de música, é um movimento cultural e político;, revela ;dowú Akínrúlí, que contará com músicos locais na banda formada por Guilherme da Luz, Matheus Ramos, Fernanda Vitória, Mariano Toniatti na percussão e no coro; Vitor Adonai (teclado); Lucas de Campos (baixo); Henrique Alvim (guitarra); André Costa (bateria); Paulo Black (trompete); Chico Oswald (sax) e Liliane Santos (trombone).
Resgate
Em 2011, o escritor e pesquisador cubano e amigo Carlos Moore lançou Fela: Esta vida puta. A biografia foi o que inspirou o cineasta Joel Zito Araújo a mergulhar na história de Fela Kuti no documentário Meu amigo Fela. ;Eu me interessei em fazer o filme após ler a biografia escrita por Carlos Moore, com o qual fui presenteado pelo autor quando nos conhecemos. Impressionado com os meus filmes A negação do Brasil e Filhas do vento, Carlos começou a dizer que eu ;era o cara; para fazer um filme sobre Fela;, lembra.
Assim surgiu o longa-metragem que chega, nesta quinta-feira, ao circuito comercial após passar por mais de 20 festivais internacionais e nacionais. ;A narrativa foi definida por mim. Carlos, desde o início, seria apenas o consultor do filme. Mas à medida que o fui conhecendo, percebendo nele o dom de ser um contador de histórias, foi crescendo a ideia de torná-lo o condutor do filme;, explica o cineasta.
Com uma hora e 34 minutos de duração, o filme é dividido em três momentos: a história de Fela contada com materiais de arquivo; os encontros de Carlos Moore com amigos do artista; e o grafismo das músicas e das capas dos álbuns de Fela Kuti. Entre os entrevistados está Sandra Isidore. Conhecida pelo movimento Panteras Negras, a norte-americana teve influência na aproximação de Fela Kuti do movimento black power.
De acordo com Joel Zito Araújo, trazer a narrativa do nigeriano para as telonas é uma forma de dar relevância ao discurso e à obra dele. ;Fela é um grande artista internacional, pouco conhecido no Brasil, talvez pela sua rebeldia e negativa em reduzir o tamanho de suas músicas ao padrão comercial de três minutos. O Brasil precisava conhecê-lo, além da legião de fãs que cresce anualmente em torno do Fela day. Mas a sua maior importância, é por ter sido um dos maiores nomes da África na segunda metade do século 20. Entre os artistas, o seu nome é um dos que vem primeiro;, completa.
Duas perguntas / Joel Zito Araújo
Tributo a Fela Kuti
Outro Calaf (SBS, Qd. 2, Lt. 5/6). Amanhã, às 21h. Com show de ;dowú Akínrúlí e banda. Entrada a R$ 20 (primeiro lote) e R$ 25 (segundo lote). Valores de meia-entrada. À venda em www.sympla.com.br. Não recomendado para menores de 18 anos.
Duas perguntas / Joel Zito Araújo
Como acha que será a recepção do público?
O filme participou de mais de 20 festivais internacionais neste ano de lançamento, recebendo os melhores prêmios ou sendo o filme de abertura de vários deles. Naqueles que estive presente, como Roterdã, É Tudo Verdade/Brasil e Fespaco de Burkina Faso, foram mais de cinco minutos de aplauso no final. Tudo isso me leva a crer que continuará sendo um sucesso entre aquelas pessoas que forem informadas sobre que filme é esse.
Por que acha que Fela Kuti fazia um discurso tão atual?
Porque ele fala de um dos países mais ricos do continente (a Nigéria), e também um dos mais desiguais do mundo. Que tem uma elite econômica, uma classe política e suas forças armadas com uma profunda mentalidade colonizada e subordinada, sem nenhum apreço pelo povo. Tem uma corrupção política de doer. De que país você acha que ele está falando? Lembra a ti alguma coisa?