Entrevista// André Luiz Oliveira
A Índia tem grande importância nas festividades do 6; Cinema Transcendência? Qual a sua conexão com o país?
A primeira vez que tive lá foi em 1977. Ao longo dos anos, voltei cinco vezes, sempre motivado pela música ou pelo cinema. O tema do festival, este ano, está muito ligado à música. O aspecto da Índia se apresenta nos shows do evento, que terá músicos expressivos na difusão e na sonoridade. Há um fundo histórico no evento, diante do falecimento do baiano João Gilberto. É muito significativo o desaparecimento de um artista desta magnitude. Eu vejo um diálogo muito sutil entre a música nordestina e presença forte da música indiana. Pesquisei isso na universidade de Calicute (no estado de Kerala). Existe conexão, sim. Aqui, no Brasil, não tínhamos frutas, não tínhamos cachorros, não tínhamos bois. Tudo veio da Índia. Aprendi isso tudo com o professor Victor Leonardi, da UnB, que é autor do livro Os navegantes e o sonho. Há uma relação a ser desvendada entre Brasil e Índia, que é umbilical e nos traz reflexos. Foi limitada a importância, dado o eurocentrismo e o vigor das culturas indígena e africanas. Já em 1.500, nas ladeiras de Salvador, se falava a língua concani (fundamental em Goa).
Por que tanto interesse pela difusão dos sons indianos?
Há o aspecto especial de a música, na Índia, trazer à tona questões centrais associadas a divindades. Lá, há quase um monopólio de difusão espiritual. Na rua, há milhões de imagens de deuses. É um país que respira espiritualidade. Noto uma identificação minha com esse tipo de sintonia. A música está muito conectada com a espiritualidade. Lá, existe um sistema de aprendizado, o nada yoga, que alinha ioga e música. A música é uma ferramenta para se atingir uma comunicação com o divino. Um continente que vibra com a modalidade de expressão musical é intrigante. Nisso, se alcança um estágio muito próximo com o que consideram divino. Isso me fascina desde os 18 anos. Usei sitar, que me capturou, me golpeou, no meu primeiro curta que fiz: usei a música do George Harrisson, Whithin you without you, em Doce amargo (1967). Também em A lenda do Ubirajara (1975), para contrariar antropólogos dogmáticos, optei pela liberdade artística, com uso de Ravi Shankar, e trouxe uma raga (elemento da música clássica indiana) muito bonita, em Louco por cinema, em que toquei, ao final do filme.
O seu longa Meteorango foi festejado em exibição em Salvador e estará em projeção no Museu de Arte Moderna. Estará em Cinema Transcendência. Como o revê?
Ele ainda é um filme que incomoda, é algo perene. Incomoda até a mim. Passados 50 anos, ainda me surpreendo com minhas limitações e virtudes que estão impressas. Eu era machista, racista, filho de uma família de classe mádia baiana, provinciana. Tinha preconceito e homofobia. Éramos também jovens, na minha geração, inconformados com o que acontecia ao país. Veio a grande repressão e a revolta muito incontida ; refletíamos o desconforto desta herança. Junto com o incômodo, vem a alegria da exorcização dos elementos que não ousava admitir.
Qual o impacto de João Gilberto na trajetória de Os Novos Baianos?
Os Novos Baianos era um grupo de rock, que teve músicas originais usadas em Meteorango Kid. Eles, com a presença de João Gilberto, deram uma cambalhota e reencarnaram. Tocaram Brasil Pandeiro, começaram a entender o Brasil de outra forma. Não preciso falar da dimensão artística, planetária, mundial de João. Ele interveio de forma amorosa, sutil, artística e espiritual num grupo alucinado de rock. Os caras viraram Os Novos Baianos, de fato, recheados de qualidades. Eles têm uma vibração em algum tipo de jovens que é muito forte. Moraes Moreira foi quem melhor absorveu a intervenção de João. As composições dele mudaram da água para o vinho. Ele já contou histórias incríveis no longa Os filhos de João ; Admirável mundo novo baiano. Mas, pessoalmente no festival, Moraes vai enriquecer a discussão, vai falar, tocar, contar de como quis largar o violão, ao ver o patamar de João Gilberto na frente dele. Moraes diz: "Isso não é para mim, não. É para profissional" (risos).
No festival haverá exibição de Iaô (1976) do Geraldo Sarno, cineasta ligado ao campo popular e ao candomblé. Qual o ganho para o espectador, em época de descrenças?