Diversão e Arte

Bastidores da política é tema de livro do jornalista Luís Costa Pinto

'Trapaça - saga política no universo paralelo brasileiro' é o primeiro de uma série de quatro

Severino Francisco
postado em 23/11/2019 06:30

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Aos 23 anos, o pernambucano Luís Costa Pinto era quase um foca do jornalismo quando publicou, na revista Veja, uma entrevista explosiva de Pedro Collor, irmão mais novo de Fernando Collor, que levaria à implosão do governo e ao impeachment do então presidente. Em Trapaça ; Saga política no universo paralelo brasileiro (Ed. Geração Editorial), ele revisita a turbulência daqueles tempos numa narrativa de histórias que se entrelaçam em ritmo de thriller.

Lula, como é chamado pelos amigos, autografa o primeiro volume da série, na próxima terça-feira, às 19h, na confeitaria Daniel Briand (104 Norte). Ele foi editor-executivo do Correio e trabalhou nas redações dos mais importantes jornais e revistas do país. Em 2002, passou a atuar como consultor e coordenador de campanhas políticas.

Ao revisitar a história do impeachment de Collor, ele detectou várias conexões com o momento atual e resolveu escrever uma série mais ampla sobre a história política do país. O primeiro volume é sobre o impeachment de Collor. No segundo, ele mostrará como o desprestigiado presidente Itamar Franco surpreendeu o país e contribuiu para a travessia bem-sucedida da transição democrática e do Plano Real.

O terceiro revelará os bastidores da eleição de Lula em 2002 e a derrota de Ciro Gomes. No último, o autor narra a trajetória de Eduardo Campos e mostra que a morte pode ter tirado do país um líder que mudaria os rumos da política nacional.

Luís enfatiza que não pretende contar a história da política brasileira; o seu projeto é narrar histórias dos bastidores da política brasileira. Que, no entanto, são reveladoras, pois, segundo ele, a política em Brasília é feita de pequenas e grandes trapaças, as perdoáveis e as imperdoáveis, as sem consequência e as de graves consequências para o país. O livro tem prefácios de Renato Janine Ribeiro e Chico Sá.

Nesta entrevista, Luís fala sobre as conexões entre os governos de Collor e de Bolsonaro, os bastidores do impeachment de Collor e a relevância da imprensa para a democracia.

Por que escrever um livro de memórias sobre o impeachment de Collor precisamente neste momento da história política brasileira? No que o seu livro ajuda a compreender a história política mais recente do Brasil?

Bom, eu tinha essa história com esse corte temporal na cabeça já há alguns anos e me faltava tempo. No começo deste ano, fazendo uma série de análises de projeção sobre como as coisas vão andar para frente na economia e nos cenários políticos, percebi que existiam diversos pontos de intercessão entre aquele momento e o atual. Fragilidade política da articulação do governo, traição dos princípios democráticos e vulnerabilidade dos indicadores econômicos. Resolvi fazer um mapa mental do que aconteceu atrás e do que está acontecendo agora. Fui reunindo material. Veja: são cinco meses de mudanças abruptas entre maio e setembro de 1992. Em maio, o governo de Collor era forte, resistente, havia incluído o PFL na articulação política, respirava, ninguém previa o que ia acontecer. Em setembro, ele caiu com o impeachement.

Por que escolheu nomear com o título Trapaça uma série que vai da queda de Fernando Collor à ascensão de Bolsonaro?

Porque na política em Brasília, na vida pessoal, profissional e no jornalismo, vivemos trapaças do destino, da história e da falta de caráter pessoal ou profissional. Não é um livro de história; é um livro de histórias. Existem grandes e pequenas trapaças, compreensíveis, perdoáveis e imperdoáveis.


Poderia dar um exemplo?

Deixei-me ser usado como álibi ou cupido na relação da Tereza e do Pedro Collor para me aproximar mais e ficar perto quando ele quiser conceder uma entrevista. Trapaça é o que o Collor fez com o eleitorado dele. Isso é uma trapaça. E outra: contar a história de como, durante todo ano 1993 e 1994, sem segurança em relação ao Plano Real, o PSDB despachou o Tarso Jereissati para se tornar o melhor amigo do Lula. A ideia era fazer do Tarso o vice do Lula. Só que o real foi para a rua, deu muito certo, Fernando Henrique se tornou candidato impossível de ser derrotado e o PSDB refluiu. Ali se deu o rompimento do Ciro Gomes com o Tarso. A história do dia a dia da política é construída com pequenas e grandes trapaças. Isso é do jogo.

Você teve a intenção de revelar fatos novos importantes para além dos já divulgados e conhecidos?

Não, o livro não traz nenhuma novidade factual histórica. Mas tem o entrelaçamento de muitas histórias que se encadeiam em um thriller político ou jornalístico. E há uma preocupação com a trama, o ritmo e a forma.

Como Pedro Collor resolveu conceder a entrevista bombástica que implodiu com o governo Collor?

Não foi o Pedro que bateu na porta e resolveu falar à Veja. Durante um ano e meio, cultivei o Pedro como uma fonte de informação. Eu trabalhava na sucursal de Recife. Alagoas também era a minha área. A relação com Fernando Collor foi se deteriorando. No momento em que explodiu, queria estar ao lado do Pedro. O detonador foi o fato de o Paulo César Faria pretender fazer investimentos na área da comunicação. Ele bateu de frente com Pedro Collor, que dirigia a Gazeta de Alagoas. Havia o pano de fundo das relações conturbadas com o irmão, o ciúme da Tereza e o ciúme político. Talvez Pedro se visse como o verdadeiro herdeiro do veio político do pai. Queria ser o grande condutor dos lobbies. No início, a intenção era detonar o Paulo César Faria, mas preservar o Collor. No entanto, ele perdeu o controle do processo e desencadeou uma crise política do governo de Fernando Collor.

Quais as semelhanças e diferenças entre o impeachment de Fernando Collor e o de Dilma Rousseff?

Aí, eu remeto para o prefácio do Renato Janine. O impeachment do Collor uniu o Brasil, o da Dilma, dividiu o Brasil. O de Collor foi o catalizador de um projeto nacional: somos uma democracia. Houve a preocupação de cassar, dentro do respeito estrito da lei. A Dilma foi fruto de um ataque às instituições, extremamente questionável. Na esteira do impeachment da Dilma, se tornou ainda mais agudo o ataque e o desrespeito às instituições. Resultou na eleição de um presidente que se contrapõe à Constituição. A Constituição de 1988 expressa os anseios da sociedade brasileira.

Como percebeu o papel do jornalismo nos dois casos?

Eu tomei o cuidado de não fazer essa avaliação no livro para evitar uma tese. O livro retrata um momento da imprensa brasileira, entre a imprensa boêmia dos anos 1950, a militante dos anos 1960 e 1970, e o que se tem hoje, em minha opinião: uma imprensa refém dos departamentos de RH, dos departamentos de publicidade. E, naquele momento, vivemos um hiato em que a imprensa tinha relevância institucional, política e uma independência muito maior. E tem uma coisa sutil aí.

O que é?

No livro, mostro que existia uma cúpula de redação, as decisões editorias da Veja são tomadas por um comando que aceita correr riscos. É muito diferente e interessante. Tinha um senso de avaliação mais aguçado. Em 1992, fica claro que houve uma reflexão sobre o papel do que seria publicado em um momento crucial da história brasileira. Isso não funcionou durante 2016. A imprensa falhou muito neste aspecto.

A imprensa perdeu muito do prestígio no novo contexto das tecnologias de comunicação. Mas o senhor considera que ela ainda é relevante para a democracia?

Eu acho o jornalismo basilar para a democracia. Não existe democracia sem jornalismo independente e profissional. Quem produz, o que, e como, a gente vai ter que descobrir. Existem experiências interessantes, mas que ainda não têm sustentação econômica. Precisamos descobrir uma forma de fazer jornalismo independente.

Embora o livro não tenha a intenção de ser ensaístico, que conclusão se tira em uma análise comparativa dos parlamentares do impeachment de Collor e os atuais?

No final do livro, as pessoas fazem uma reflexão sobre o momento em que nós passamos, com o impeachment que uniu o Brasil. Mostra a postura extremamente responsável que os parlamentares tiveram naquela crise. Quando termina a leitura, é impossível deixar de fazer uma reflexão como é esse Congresso que a gente tem hoje e como era o anterior. É quase automático para quem lê o livro chegar à conclusão de que vive em um país diferente, que piorou.

O ex-presidente Fernando Collor concedeu, recentemente, entrevista ao Correio na qual comenta o governo de Bolsonaro e afirma que já viu este filme da falta de articulação política e que ele termina em impeachment. O senhor concorda?

Plenamente. O Collor foi preciso quando viu isso. Viu como é fácil derrubar um governo que não tem interlocução no parlamento. O governo Bolsonaro não existe no Congresso. Só consegue estar de pé e colocar as teses dele porque tem o Rodrigo Maia na presidência da Câmara. Se não fosse o Rodrigo Maia, o governo tinha caído há muito tempo. Collor caiu por uma absoluta inapetência de articulação política.

Estamos mergulhados em um tempo de desesperança. O senhor vê algum sinal de otimismo no horizonte?

Eu vejo isso que você está narrando, desesperança, não percebo um horizonte calmo. Não sou otimista com o futuro do país. A gente já quebrou diversas barreiras da prudência institucional e democrática. E não vejo o governo Bolsonaro chegando ao fim. Ele não tem essa aptidão para a democracia. Ou seja: concordo com o Collor, já vimos esse filme.

Trapaça ; Saga política no universo paralelo brasileiro Volume 1/Collor

De Luís Costa Pinto/Geração Editorial, 295 páginas. Preço: R$ 54. Lançamento na terça-feira (26/11), às 18:30, no café Daniel Briand (104 Norte)

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