postado em 24/11/2019 04:08
[FOTO1]Nos anos 1980, bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Capital Inicial estiveram à frente do movimento que fez Brasília ser vista como uma cidade onde, musicalmente, se falava a língua do rock. Muitas tentativas foram feitas para a manutenção desse ;idioma;, mas só uma década depois, com o surgimento dos Raimundos, isso pôde ser percebido.
Demorou bastante para que os roqueiros brasilienses voltassem a viver sensação semelhante. A responsável pelo retorno desse sentimento foi a Scalene, que recolocou a capital no mapa do rock brasileiro. Os 10 anos da trajetória protagonizada por Gustavo Bertoni (voz e guitarra), Tomás Bertoni (guitarra e teclado), Lucas Furtado (baixo) e Phillipe Nogueira (bateria) estão sendo celebrados com o lançamento do álbum Respiro em show hoje, às 18h, na Cervejaria Criolina, no Setor de Oficinas Sul.
A conquista de um expressivo número de fãs pelo Scalene na capital e em outras cidades do país se deu pouco a pouco, por meio de quatro EPs, quatro CDs de estúdio, um ao vivo e um DVD. Muito contribuiu para a popularização da banda a destacada participação, em 2015, no programa de tevê Superstar, que a fez conhecida nacionalmente.
Foi naquele ano que a banda fortaleceu sua imagem na cena roqueira, ao assinar contrato com o selo slap da gravadora Som Livre, lançar o CD Éter, participar dos festivais Lollapalooza, em São Paulo e do Sout by Soutwear em Austin, no Texas (EUA), e conquistar o Grammy Latino. Dois anos depois, já na condição de estrela do rock nacional, fez show no palco principal do Rock in Rio e chegou ao mercado e às plataformas digitais com o CD Magnetite.
Solicitação para show, em diferentes regiões, manteve a agenda do Scalene sempre cheia de compromissos nos últimos dois anos. Mesmo assim, o grupo encontrou tempo para gravar Respiro, o quarto álbum de estúdio, que traz 14 faixas ; todas com a assinatura do vocalista Gustavo Bertoni ;, entre elas Assombra, Ciclo senil, Esse berro esse grito, Furta-cor, Ilha no céu, Tabuleiro e Vai ver, que abre o repertório.
Com Respiro, a banda deu uma guinada radical, deixando-se influenciar pela MPB (mais especificamente por movimentos como a Bossa Nova e o Clube da Esquina). Para tanto, teve como convidados cantor Ney Matogrosso, a cantora Xênia França e os músicos Hamilton de Holanda, Beto Mejia, Bianca Vieira, Mariana Gomes, Mirella Righini. O álbum tem direção artística de Marcus Preto (ligado a trabalhos recentes de Gal Costa, Tom Zé e Nando Reis) e produção de Diego Marx.
Scalene
Show de lançamento do álbum Respiro, hoje, às 18h, na Cervejaria Criolina (Setor de Oficinas Sul), com abertura da banda Ellefante. Ingressos: a partir de R$ 30 (meia entrada). Link para compra: bit/respirodomingoembrasília. Não recomendado para menores de 18 anos.
Entrevista / Gustavo Bertoni
Embora o Scalene tenha surgido em 2009, foi a partir da participação no reality show Superstar que a banda se tornou conhecida nacionalmente. Que avaliação você faz desses 10 anos de carreira?
Tem sido uma jornada incrível. Nós começamos muito novos e entramos na vida adulta com o Scalene como projeto de vida. A vida na arte é muito subjetiva e rica e, mesmo com todos seus desafios, é um privilégio poder viver disso. Temos muito orgulho de nossas conquistas e trajetória.
Até que ponto bandas como Queens of the Stone Age, Radiohead e Interpol exerceram influência no trabalho de vocês?
Queens, um pouco. Radiohead, muito. Falam que eu pareço com o vocalista da Interpol, mas nunca foi influência. Nós escutamos e pesquisamos muitas referências, em diversos estilos, é difícil resumir. Começamos muito atrelados ao post-hardcore e, aos poucos, fomos integrando vários estilos como o stoner, post-rock, R... e agora, mais que nunca, a MPB. Radiohead acaba muito nos influenciando por serem uma banda que experimenta bastante de álbum em álbum, algo que curtimos fazer também.
Cromático, o álbum de estreia, deve ser visto como definidor do trabalho que a banda pretendia realizar?
Cromático representa o que éramos naquela época. Jovens roqueiros fazendo o rock que escutávamos e gostávamos de tocar. Ele não faz parte do repertório, mas é um EP competente considerando os moleques que éramos na época.
O Real/Surreal, na sua avaliação já representava, uma linha evolutiva da proposta da banda?
O Real/Surreal representa o início da nossa busca por uma identidade. Um disco duplo, com canções que vão de um folk intimista a um stoner rock pesado, de um post-rock atmosférico a riffs metaleiros. São dezoito faixas amarradas por um conceito, a caminha do ;sonhador;.
Em 2015, além da participação no Superstar, o Scalene lançou o Éter e participou dos festivais Lollapalooza Brasil, e South by Southwear em Austin, no Texas (EUA), e conquistou o Grammy Latino. Aquele foi o ano da afirmação da banda?
O ano de 2015 foi certamente quando as coisas mudaram. Vínhamos ganhando espaço na cena independente desde 2013, tocando fora de Brasília, entrando no circuito dos festivais, começando a ser falado pela mídia especializada, expandindo nosso networking. Essa expansão nos levou ao Lolla e chamou atenção da produção do Superstar. O programa nos rendeu uma grande visibilidade e o contrato com a Som Livre. Lançamos, estrategicamente, o álbum Éter durante o programa. Ele é nosso primeiro CD que consideramos sólido do começo ao fim, e levamos um Grammy com ele. A partir daí, o Scalene se firmou como uma das principais bandas de rock da geração. Não são minhas palavras. (risos)
O DVD gravado durante show no Estádio Nacional Mané Garrincha em 2016 foi determinante para fixar a imagem da Scalene como uma banda de Brasília, que se destaca na cena do rock nacional?
Para nós, fazia todo sentido gravar em Brasília. O apoio da cidade durante os anos, tantos amigos e colegas da música por aqui. Pessoas que fizeram parte da trajetória. Temos orgulho de sermos de Brasília e somos muito gratos por tudo que a cidade já nos proporcionou. Mas nossa mentalidade sempre foi ser uma banda do Brasil, construir público em várias cidades. Desenvolvemos uma relação muito intensa com outras cidades , como São Paulo, Rio, Recife, Salvador. Não se constrói carreira ficando em casa.
Que importância tem o slap, selo da Som Livre, pelo qual os discos da banda ; inclusive o Magnetite, de 2017, têm sido lançados?
Temos uma ótima relação com a slap. Entramos lá desconfiados em 2015. Nós tínhamos uma mentalidade muito underground e ouvíamos histórias não muito agradáveis sobre gravadoras. Mas aos poucos foi se quebrando isso e hoje temos grandes amigos lá. Temos liberdade artística total e uma equipe extraordinária pra nos ajudar com a gravação, planejamento e marketing dos lançamentos.
No mesmo ano, houve o show no palco principal do Rock in Rio. Que representatividade teve essa exposição?
Foi um grande marco. Tocamos em um dos maiores e importantes palcos da história da música. Produção e estrutura impecáveis. E fomos muito bem recebidos pelo público. A preparação pra esse show iniciou um movimento novo e nosso show só tem melhorado desde então. Não foi meu melhor vocalmente por questões técnicas, então tenho mais uma ótima desculpa pra voltar (risos).
Porque Respiro é ;uma experiência totalmente nova;, no seu entendimento?
Não deixa de ser pesado, mas as músicas convidam para uma troca de energia diferente. Agora, como quarteto no palco, aderimos os fones de ouvido com metrônomo e samples, o que também muda a paisagem sonora. É uma fase que tem sido desafiadora pra gente e é legal propor isso para os fãs que já vão aos shows há anos.
As letras desse disco estão fortes e reflexivas, além de arranjos que fazem esquecer o rock e lembrar o arrojo da MPB, com acordes e timbres enxutos e potentes. O que mudou na banda?
Acho que fazer um disco não roqueiro foi a coisa mais roqueira que poderíamos fazer agora. Rock sempre foi sobre questionar as coisas, desafiar os padrões, provocar. Fazer um disco que já sabemos fazer e o público já espera nos pareceu careta. Queríamos também experimentar dentro desse universo brasileiro e acústico, pra poder construir um show novo. Vivemos um momento caótico no Brasil, um Respiro pra enxergar as coisas com mais clareza é necessário.