Diversão e Arte

Representação questionada

postado em 25/11/2019 04:07
[FOTO1]





Quando se deu conta da forma extremamente estereotipada utilizada para a representação do negro na história das artes gráficas no Brasil, o publicitário paulistano Nobu Chinen decidiu ampliar o espectro da pesquisa que acabara de iniciar para um doutorado. Expandiu o universo e foi para além dos quadrinhos, gênero alvo da primeira hipótese, aquele de que, ao longo da história das HQs no Brasil, até o final do século, os negros sempre foram alvo de representações ofensivas. O resultado está em O negro nos quadrinhos do Brasil, editado pela Peirópolis, um denso e extenso estudo sobre o gênero.

Chinen começou a pesquisa querendo entender por que os negros apareciam sempre em funções subalternas e com traços exagerados na maior parte das HQs. Para entender melhor, foi até às caricaturas e charges do século 19 e acabou por recuar mais um pouco, até pintores como Albert Eckhout (século 17) e Johann Moritz Rugendas (século 19). ;Quando chego nas HQs, está estabelecido um certo padrão que é esse estereótipo baseado nos blackfaces. O estereótipo se impõe com o ator branco que pinta o rosto de negro, e acaba entrando no humor gráfico, nas HQs e nos desenhos animados. E isso se impõe no Brasil. Essa maneira ofensiva de representar os negros persiste até os anos 1960;, lamenta.

Chinen começou a pesquisa por uma abordagem cronológica que se inicia naquela que é considerada a primeira HQ brasileira. Publicada entre 1869 e 1870, Nhô Quim narrava a história de um sinhozinho enviado a uma temporada na corte carioca para esquecer um amor reprovado pelo pai. Dividida em nove capítulos, a história com desenhos de Angelo Agostini e publicada no Diário fluminense traz, segundo Chinen, o primeiro personagem negro das HQs brasileiras. Benedito, o criado do protagonista, surpreendentemente, não foi a primeira vítima do estereótipo.

Os traços de Agostini, um abolicionista e também autor de História do pai João, destinado a explicar a lei Áurea às crianças, não chegavam a exagerar traço algum. Foi apenas na década seguinte, com o personagem Giby, criado da família que formava o plot de uma tirinha na revista O tico-tico, que o estereótipo começou a aparecer. ;(...) Giby já possuía todas as características estereotipadas que viriam a marcar a maioria, se não a totalidade, das representações de negros nos quadrinhos e nas charges de modo geral;, constata Chinen.

Segundo o autor, até mesmo Henfil, apesar do engajamento social, teria carregado nos traços, já nos anos 1970, quando desenhava personagens negros. ;Uma das razões no caso do Henfil é que o traço dele era muito sintético, era mais fácil pra ele fazer uma solução gráfica identificável. E o que é o estereótipo? Algo que você comunica muito rápido, mas que pode ser muito ofensivo. Muita gente diz que na época era assim, mas não é uma justificativa plausível. Os desenhos menos ofensivos começam a aparecer somente no século 21, por conta de uma série de demandas, já não se aceita isso;, explica o pesquisador. ;É de 1990 para cá que começam as representações mais respeitosas, de artistas mais conscientes;, garante.

Um clássico
A história do advogado Atticus Finch, o herói da literatura americana que defende um negro acusado de estupro em um tribunal do sul dos Estados Unidos nos anos 1930, ganhou versão em quadrinhos de Fred Fordham. Narrado por Scout, a filha de um advogado de uma cidade do interior do Alabama, O sol é para todos se passa em 1933 e envereda por caminhos que vão desaguar na discussão sobre o impacto da discriminação racial na compreensão do mundo a partir da perspectiva de uma criança.

No romance escrito por Harper Lee e publicado originalmente em 1960, Atticus, pai de Scout e Jem, é um advogado que arrisca tudo para defender um negro injustamente acusado de um crime. Os traços de Fordham acompanham a ideia de clássico que marca a obra de Lee e a HQ retoma o texto original.




O negro nos quadrinhos do Brasil
De Nobu Chinen. Peirópolis, 340 páginas. R$ 72



O sol é para todos
De Harper Lee. Ilustrado por Fred Fordham. Tradução: Marina Vargas. José Olympio, 288 páginas. R$ 59,90






Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação