Diversão e Arte

Candango discursa a favor das mulheres

Numa edição plural, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro trouxe à carga aclamação feminista, inconformismo político e, claro, polêmica

Correio Braziliense
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postado em 03/12/2019 04:18
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Com a experiência de 45 anos de atuação junto à coordenação do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o pesquisador de audiovisual Fernando Adolfo, figura celebrada na cidade, se mostra uma das pessoas mais capacitadas a filtrar acertos e enganos da organização do evento, encerrado no domingo (com reprise dos filmes vencedores), transcorrida a 52; edição. ;Entre altos e baixos, perfil e conceitos do festival foram mantidos. Segue polêmico e com teor político, ainda mais com tanta divisão da sociedade. O resultado ainda é positivo. Notei dificuldades. Num todo, o público pareceu menor à noite. Talvez isso demarque a insatisfação com a atuação da Secretaria de Cultura: um tipo de resistência. O Fundo de Apoio à Cultura, uma conquista de anos, se vê ameaçado; e é revoltante. O governo tem que repensar, não podemos retroceder nisso;, analisa Adolfo.

Bastante destacado entre os realizadores premiados pela festa ; numa exceção masculina, entre várias vencedoras de troféu Candango ; o paranaense Gil Baroni (de Alice Júnior), presença em muitos debates do Festival, atentou para a quebra de estigmas na tela do Cine Brasília, que acolheu o evento. ;Discussões foram promovidas, e as mulheres reivindicaram que diretores e roteiristas tivessem mais cuidado ao tratar de temas envolvendo corpos femininos em cena. Pesou o entendimento de como as mulheres esperam ser retratadas e que não fossem reproduzidas cenas de violência gratuita;, comentou. Na safra de curtas, Baroni, que trouxe um filme sobre uma trans, atentou para a delicadeza de olhar das mulheres, como realizadoras que deixam legado de ;histórias incríveis e que ressignificam o discurso do país patriarcal;. Gil diz que elas estão no centro das discussões, e isso é o presente.



Entre as mulheres inspiradoras, a diretora Maya Da-Rin (do filme A febre), grande vencedora do 52; Festival de Cinema, explicou o momento e as metas de condução que deveriam nortear o desenvolvimento do audiovisual. ;A participação do público segue ativa, no Cine Brasília. Isso é positivo demais. Mas, numa produção diversificada, apenas um quinto de realizadores (cineastas) é formado por mulheres. Ainda é muito pouco, no quadro de criação. Filmes potentes foram reconhecidos, então é importante que leis ou mecanismos tragam mais incentivo para as mulheres. A disparidade de produção entre os gêneros deve ser driblada, com medidas específicas;, acredita a cineasta.

Maya Da-Rin ainda destaca outro dado relevante: ;O Brasil tem mais de 200 povos indígenas e que falam mais de 150 línguas. Ver A febre ; com um protagonista índio ; chegar ao público é fundamental. O filme foi quase todo realizado em tucano (língua do povo Desana);. ;Achei uma escolha muito feliz da curadoria trazer filmes que criem espaços de reflexão sobre a questão indígena, sobre transexualidade, sobre sororidade;, comenta a diretora local Thais Borges, à frente de O tempo que resta, tido como o melhor, na visão do público. ;Saio do festival marcada pela primorosa direção da Maya Da-Rin em A febre, pela potência do discurso da Sabrina Fidalgo (Alfazema), pela delicadeza da Marília Nogueira (diretora de Angela), pela construção de afetividade feita por Ana Flávia Cavalcanti e da Júlia Zakia, em Rã, e pela recepção calorosa do público ao meu documentário. Veio com alegria a força das mulheres nesta edição do evento;, opina.



Também destacada na premiação, a diretora do curta Alfazema, Sabrina Fidalgo, deu o veredicto do evento. ;Foi muito representativo ter meu primeiro prêmio de direção, na vida! Achei, no todo, que o festival quase foi cooptado, mas trouxe as raízes de resistência do cinema de arte e dos filmes experimentais. Acho que tivemos interferências graves, de censura, de racismo e mesmo de episódios em filmes misóginos e equivocados. O júri, entretanto, se manteve ponderado e honesto;, diz.

Um elemento de louvor segue sendo o público de Brasília, na opinião do vencedor de prêmio especial do júri, Claudio Assis, que representou a equipe do longa Piedade. ;A divindade do cinema está aqui, nas pessoas e no espírito de perseverança. O público sente e respeita ; é um público magistral. Vaiam quando têm que vaiar e respeitam quando têm que respeitar;, avalia. Para Assis, o momento é crucial para o cinema. ;A gente tem que viver, tem que lutar, e o Festival de Brasília é o universo da resistência. Apresentamos filmes aqui para dizer a que viemos. A gente não pode abandonar a história;, pontuou.

Debates e recuos

Envolvido em debate controverso, o diretor Bruno Bini (de Loop) notou um saldo extremamente positivo no evento. ;A gente vem para um festival para contaminar e se contaminar. Influenciamos e fomos influenciados. Ouvi, absorvi e processei as críticas que resultaram num entendimento maior. Estava curioso de ver, especialmente com o público, como o longa ia bater. Estou feliz de ver como o filme foi recebido durante a sessão;, comentou Bini. Afunilado em perspectiva comercial, deslocado entre fitas de vanguarda e experimentação, Loop foi um dos exemplares que gerou debates em torno da exposição de feminicídio.





;O festival, acho, experimentou uma seleção mais diversa, com mescla de estilos. Com a guinada de seleção, o festival se arrisca. Mas é interessante para incorporar a diversidade;, opinou Bruno Bini. Já Volume morto também (ao lado de Loop) foi ignorado na premiação. ;Acredito que o filme suscite o debate de onde vieram os adultos (representados na fita) e para onde vamos, como sociedade. O objeto de discussão: um protagonista (uma criança que não aparece em cena) foi o menos discutido, em todos os embates de adultos no filme. A força do debate gerado é de uma criança existir na trama e ter sido completamente esquecida;, comentou o diretor Kauê Telloli.

A composição polarizada da sociedade repercutiu sobre a recepção a um documentário integrado ao evento: O mês que não terminou, de Francisco Bosco e Raul Mourão. ;Por polarização eu entendo antes a formação de lógicas de grupo, o entrincheiramento em perspectivas simplificadoras da realidade, que não suportam a complexidade e os furos nas idealizações;, sintetiza Francisco Bosco. Na projeção do filme, ele se viu ;xingado; de liberal, num filme que abriga, na fala, persistentes argumentos da tradição da esquerda. ;Há uma incapacidade de pensar a economia, a política e a sociedade de forma complexa, reconhecendo a pertinência de argumentos de campos antagônicos, é o motor da força centrífuga do debate público atual. Nesse contexto, de dimensão política, um filme como o meu não encontra o seu espaço;, conclui.

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