Diversão e Arte

O bloco da audácia

Ney Matogrosso apresenta show no Centro de Convenções Ulysses Guimarães com repertório de canções clássicas gravadas no último CD e DVD

postado em 08/12/2019 04:17
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Ousado, libertário, transgressor são características que Ney Matogrosso cultua desde que se lançou na carreira artística iniciada no começo da década de 1970, como vocalista do Secos & Molhados, depois de morar em Brasília, que, segundo ele, lhe abriu os olhos para o mundo. Com o grupo seminal, sem esmorecer, encarou de frente os anos de chumbo, durante a vigência da ditadura militar.

Esses traços da personalidade o cantor exibe em Bloco na rua, que traz de volta à capital, para apresentação hoje, às 20h, no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. No show, mesmo sem discurso verbalizado, ele, implicitamente deixa claro sua visão comportamental por meio da performance cênica ; com coreografias provocadoras ; e da interpretação de canções como A maçã (Raul Seixas e Paulo Coelho), Coração civil (Milton Nascimento e Fernando Brant) e Inominável (Dan Nakagawa).

Ney retomou a turnê depois do lançamento do CD e DVD, que traz o registro do espetáculo. O conteúdo já está disponível nas plataformas digitais e chega às lojas no formato físico em janeiro próximo. Por optar pela valorização do aspecto visual, com abordagem cinematográfica, as gravações foram feitas num teatro em São Paulo, sem a participação de plateia. A direção é de Felipe Nepomuceno.

Ao contrário de Atento aos sinais, o show anterior, que o manteve na estrada por cinco anos, no qual interpretava um repertório de canções pouco conhecidas, inclusive várias inéditas; em Bloco na rua, o cantor criou um roteiro recheado de clássicos da MPB ; alguns deles ele interpreta pela primeira vez. Assim, o público pode apreciar, por exemplo, Como 2 e 2 (Caetano Veloso), Jardim da Babilônia (Rita Lee e Le Marcucci), Pavão mysterioso (Ednardo), O Beco (Herbert Viana e Bi Ribeiro), além de Sangue Latino (Secos & Molhados) e a versão de Chico Buarque para Yolanda, do compositor cubano Pablo Milanés.

Mas o cantor incluiu no set list também músicas menos conhecidas, entre elas, Já sei (Alzira Espíndola, Alice Ruiz e Itamar Assumpção), Postal do amor (Fagner, Fausto Nilo e Ricardo Bezera) e Ponta do lápis (Clodo e Rodger Rogerio). As duas últimas foram pinçadas do disco que gravou em duo com Fagner, num compacto duplo, em 1975.

Usando figurino criado pelo estilista Lino Villaventura, Ney tem em cena a companhia da banda, com quem se apresenta há mais de cinco anos, formada por Sacha Amback (teclados, arranjos e direção musical), Dunga (baixo), Marcos Suzano e Felipe Roseno (percussão), Maurício Negão (guitarra), Aquiles Moraes (trompete) e Everson Moraes (trombone).


Bloco na Rua
Show de Ney Matogrosso e banda. Centro de Convenções Ulysses Guimarães (EixoMonumental). Hoje, às 20h. Ingressos: R$ 240 (poltrona superior),R$ 320 (poltrona especial), R$ 380 (poltrona vip), R$ 440 (poltrona gold), R$ 600 (poltrona premium). Os 200 primeiros assinantes do Correio têm desconto de 60% na inteira. Pontos de venda: G2 do Brasília Shopping e Koni (Taguatinga Shopping). Não recomendado para menores de 14 anos.


Entrevista// Ney Matogrosso

Em quase um ano na estrada, por onde passou com a turnê do Bloco na rua?
Já estive em praticamente todas as regiões do país. Como viajo com toda a estrutura ceno-técnica do show, só não fui ainda ao Norte. Em São Paulo, me apresentei cinco vezes, inclusive no interior. Em Salvador, foram três apresentações, duas no Teatro Castro Alves e uma na Concha Acústica. Fiz Porto Alegre e Curitiba também três vezes. A Brasília retorno pela terceira vez. Há convites para voltar a vários outros lugares.

Na Europa, você fez o show em quais países?
A Portugal minhas idas têm sido recorrentes. Desde 1983, levo minhas turnês para aquele país. Costumo me apresentar em Lisboa e no Porto e já cantei também na Ilha da Madeira e em cidades menores. Os portugueses conhecem bem meu trabalho e me recebem de forma calorosa. A Londres fui pela primeira vez. Apresentei-me no Shepherd;s Bush Empire, tradicional teatro com capacidade para 2 mil pessoas, por onde já passaram grandes nomes da música inglesa. Tive ótima acolhida. Minha produção foi contatada para que eu volte a fazer o show lá, em outra oportunidade.

Que momentos desse show levam as pessoas a reagirem com mais entusiasmo?
É impressionante a reação das pessoas, desde que entro em cena. Quando canto a primeira música, as pessoas já estão lá em cima. Mas há um momento que supera os demais. É a sequência das canções Yolanda, Tua cantiga (ambas da obra de Chico Buarque) e Maçã. Há uma gritaria ensurdecedora.

Há uma explicação para Maçã, de Raul Seixas e Paulo Coelho, provocar essa reação?
Acredito que é pelo fato de Maçã ser uma canção libertária, que prega relações livres. Muita gente de identifica com ela imediatamente.

Qual critério utilizou para construir o roteiro do espetáculo?
Não foi uma coisa fácil. Criei 10 roteiros até chegar o que prevaleceu. Quis cantar músicas que gosto, mas que ainda não havia incluído no repertório dos meus shows. Algumas até já havia gravado. Eu quero é botar meu bloco na rua, do Sérgio Sampaio, entrou em todos os roteiros e dela saiu o título do show.

Quis trazer um conteúdo político para esse espetáculo?
Há quem veja isso, embora não tenha pensado nesse aspecto quando o concebi há quatro anos. Mas fica parecendo que ele foi feito para agora. É como muita gente vê.

Embora não tenha essa intenção, como artista e cidadão,
como avalia os tempos
que vivemos atualmente?
Vivemos um grande retrocesso sob vários aspectos. Há um desgoverno, com muito vai e a ausência de rumo. Na área da cultura, então, estamos voltando à Idade Média. Há pessoas escolhidas para ocupar cargos sem a mínima qualificação. Parece que o objetivo é fazer tudo ao contrário.

Chico Buarque, um dos compositores que você canta no Bloco na rua, vai receber o Prêmio Camões em Lisboa, sem a assinatura no certificado, pelo presidente
da República do Brasil. Que análise faz do fato?
Nada atinge o Chico. Ele está acima de tudo isso. É um artista que, como compositor e escritor, só engradece o país inclusive internacionalmente; e que tem todo o direito de se posicionar politicamente, mesmo que desagrade há alguns.

Antes de Primavera nos dentes, com a história do Secos & Molhados, escrito por Miguel de Almeida, saiu o livro com suas memórias, em colaboração com Ramón Nunes Mello. Essas obras se mostraram fiéis aos acontecimentos de sua vida e trajetória artística?
No caso do livro sobre o Secos & Molhados seria impossível ser totalmente fiel, até porque são quatro versões: a minha, a dos outros integrantes do grupo e do diretor artístico Moracy do Vall. Em alguns momentos, o Miguel teve que optar por uma ou outra versão, sem tomar partido. Quanto às memórias, tudo o que está ali reunido, veio de entrevistas que dei ao longo dos anos, além das conversas com o Ramón, que organizou tudo. É fielmente um livro de minhas memórias.

Em Respiro, o quarto disco da banda brasiliense Scalene, você faz duo com o vocalista Gustavo Bertoni em Esse berro. Tomar parte em discos de outros artistas é algo que lhe traz satisfação?
Recebo muitos convites neste sentido. Sempre que tenho tempo e depois de analisar proposta, costumo aceitar. Em relação a Esse berro considero uma canção muito interessante, dentro do contexto de uma banda de rock, no caso o Scalene, grupo que já conhecia e já gostava antes da gravação da música. Mais recentemente participei do disco do Baco Exu do Blues e adorei. Embora seja uma rapper, ele mistura rap com coco e axé e, artisticamente, tudo é bem situado.

Até que ponto Brasília foi importante na transformação
do Ney de Sousa
Pereira em Ney Matogrosso?
A importância foi total. Na década de 1970, Brasília era efervescente culturalmente. Aí, abri os olhos para o mundo. Cantei e fiz teatro pela primeira vez, participei de todos aqueles acontecimentos que foram me situando até o meu resultado artístico. Sinto sempre uma grande alegria quando volto a Brasília, mesmo nos dias de hoje.

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