Diversão e Arte

Precisamos falar disso

A partir do questionamento do filho, Denise Camargo desenvolve projeto sobre a cor da pele e a questão da raça

postado em 09/12/2019 04:37
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Quando você ouve a expressão ;cor de pele;, o que você pensa? A partir dessa pergunta, a artista, doutora em artes e pesquisadora Denise Camargo dava início a um diálogo, muitas vezes, difícil, porém necessário. Uma conversa que, para ela, também exigiu um olhar atento, cuidadoso e um tempo de maturação.

Há 15 anos, o filho de Denise, Diego Abetayo, na época com 4 anos, chegou em casa da escola e pediu para a mãe, com as mãos unidas como se fizesse uma prece: ;Mãe, eu queria ser cor de pele;. De imediato, a artista ficou surpresa, sem reação. ;Ao contrário de mim, ele sempre se autorepresentou com lápis marrom, e ali eu vi que tinha acontecido algo na escola no nível da representação, na construção identitária;, relembra. Ao visitar a professora de Diego, a artista encontrou, justamente na sala de artes, o motivo do pedido: o lápis de cor que, entre tantas cores, tons e nuances, é conhecido como ;cor de pele;. ;Mas, não é da cor da pele de ninguém;, acrescenta a artista.

Mulher negra, professora e fotógrafa, Denise trabalhava com imagem e autorrepresentação, tanto como temáticas artísticas, como em sala de aula. ;Mas, precisei de todo esse tempo, porque é um tempo que se amadureceu para se falar desse tema no nosso país. Foi um percurso que acompanhei enquanto mulher negra, educadora, como cidadã. Foi um desafio até poder andar com o cabelo que eu tenho, uma longa gestação de uma condição também social que me permitiu falar disso nesse momento e perceber que ainda é uma discussão;, comenta.

Desde novembro até 14 de dezembro, o Sesc Presidente Dutra, no Setor Comercial Sul, recebe o projeto De Cor da Pele. Além de uma exposição fotográfica e de fotos sinéticas, como denomina a artista, Denise tem percorrido escolas e galerias do Distrito Federal conversando com alunos e professores e oferecendo oficinas sobre racismo e identidade. ;Precisamos falar sobre isso, ainda mais entre os educadores. Precisamos falar de nós para falar dos educandos. É um lugar de dificuldades para os negros e para os brancos;, avalia a artista, que já tem ações agendadas, dando continuidade ao projeto para o ano que vem.

Com uma linha autobiográfica, De Cor da Pele traz a imagem de mães que foram ouvidas por Denise e, em seguida, retratadas em fotografias e vídeos. Nas imagens coloridas, aquelas mulheres montam uma paleta de cores; em preto e branco, a fotógrafa dissolve a ideia da própria cor. ;Precisamos considerar que a cor da pele, cientificamente, é apenas um código genético. Foi uma intenção mais conceitual;, detalha.

Os vídeos nasceram dos depoimentos captados por Denise. A cada encontro, as narrativas surgiram e emocionaram artista e obra. ;A reação de cada uma delas com a pergunta que iniciava a conversa me surpreendeu. Uma abaixou a cabeça por cinco minutos. Fiquei atônita. Percebi que havia tocado na ferida. Em seguida, ela chorou muito;, lembra. Em gestos emblemáticos, Denise concretizou emoções, lembranças, negações, preocupações, resistência. ;Passei a me preocupar com, além do que estavam me contando, mas com o movimento;, completa.

Os encontros revelaram situações de injúria racial, inclusive, relatos do filho de Denise que ela desconhecia. ;Foi um momento muito forte para os dois. Ele começou a me contar histórias dele que nunca tinha me contado e a história do lápis consolidou para ele um lugar de identidade negra;, conta.

Para a artista, ainda que o país esteja dando passos para trás, sobretudo, no que tange os direitos conquistados, determinados avanços não tem volta. ;Essa consciência identitária, por exemplo, não tem volta. Eu era a única negra em todo o meu ano como aluna de Jornalismo na USP. Hoje, tenho muitos alunos negros em sala de aula. Podem cancelar as ações, negar que o racismo existe, mas nós conseguimos conquistar um estado de resistência que não tem mais como retroceder. Contudo, ainda temos que continuar falando sobre isso;, pontua.


"Foi um percurso até poder andar com o cabelo que eu tenho,
uma longa gestação
de uma condição social que me permitiu falar disso"
Denise Camargo,
fotógrafa


De Cor da Pele
Visitação até 14 de dezembro. No SESC ; Presidente Dutra (Setor Comercial Sul, Quadra 2, bloco C). De segunda a sexta, das 9h às 21h. Entrada: gratuita e acessível para cadeirantes. Classificação indicativa: Livre

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