Diversão e Arte

Duas perguntas / André de Leones

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 17/12/2019 04:18

Que papel a literatura pode ter na descoberta da mortalidade?
Jamais. Isso talvez seja visto com estranhamento por alguns, a julgar pela maneira como certas obras literárias têm sido recebidas por aí. O livro ;Enfim, Capivaras;, de Luisa Geisler, foi banido de um evento literário em Nova Hartz-RS, por exemplo, por retratar de forma crível um bando de adolescentes. O ;linguajar; da obra seria ;inadequado;, como se adolescentes não falassem palavrões. Isso é absolutamente ridículo. Nosso país vive uma epidemia de desinteligência, da qual só sairá se investirmos em educação e cultura. A maioria dos jovens e adultos é incapaz de raciocinar ou mesmo de interpretar textos simples. Não por acaso, são esses mesmos indivíduos que andam por aí espalhando o ódio e a cizânia. Há uma relação direta entre a falta de educação (em todos os sentidos) e o caos político-social, de colorações autoritárias, que vivemos. A desinteligência e a falta de imaginação são formas de escravidão.

Como você se sente escrevendo para crianças em país cujo PISA constata que mais da metade dos estudantes de 15 anos, incluindo aí os da elite, não sabem ler nem escrever?
Não acho que isso seja por acaso. Leitura é algo fundamental para o desenvolvimento do senso crítico, para que se tenha uma noção mínima de si mesmo, do outro e do lugar histórico que ocupamos. Penso que a máquina pública brasileira sempre mirou o oposto disso, mesmo quando os investimentos em educação eram maiores, mas extremamente desorganizados e mal administrados. Ao estado brasileiro, interessa formar essa multidão de zumbis iletrados, os quais estão muito bem representados à direita e à esquerda ; no Brasil, não me canso de dizer, a estupidez é ambidestra. Deseducadas, as pessoas passam a se fiar em bizarrices neointegralistas como Bolsonaro ou populistas como Lula, viram terraplanistas, liberais de calças curtas, socialistas de boteco, fascistinhas de condomínio, apegam-se ao desconhecimento, à incultura, ao obscurantismo e aos piores preconceitos. Como eu me sinto escrevendo para crianças e adultos em tal contexto? Prefiro nem pensar muito a respeito, mas apenas me concentrar no meu trabalho e tentar realizá-lo da melhor forma possível.

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