Diversão e Arte

Espetáculo leva a voz de Carolina Maria de Jesus para o palco do Sesc

No monólogo 'Carolina Maria de Jesus, Diário de Bitita', a atriz Andréia Ribeiro resgata a memória e a literatura da escritora

ROBERTA PINHEIRO
Roberta Pinheiro
postado em 18/12/2019 09:40
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;Em uma das cenas finais, a personagem fala: ;sou uma cidadã negra brasileira e não posso ser apagada;. E, se depender de mim, não será. Ela me dá esse fôlego;, afirma a atriz Andréia Ribeiro. Há quatro anos, a carioca percorre o país interpretando e resgatando a memória, os textos, a música e a potência da escritora brasileira Carolina Maria de Jesus. O monólogo Carolina Maria de Jesus, Diário de Bitita, com direção de Ramon Botelho, desembarca hoje em Brasília em apresentação única no Teatro Sesc Silvio Barbato.

Ao todo, a equipe passou três anos mergulhada na obra de Carolina. ;Minha grande preocupação foi não deixar que a minha voz sobrepusesse a dela. A voz dela tinha que permanecer no texto teatral, então tem pouquíssimos elementos que eu coloquei, basicamente elementos de ligação. O público verá essencialmente a voz de Carolina que eu respeito imensamente e tomei muito cuidado para não modificar o que ela queria dizer;, detalha Botelho.

O diretor foi o responsável por adaptar duas obras da escritora - Quarto de Despejo (1960) e Diário de Bitita (1977) - e transformá-las em um monólogo interpretado por Andréia, no qual estão reunidos passado e presente. ;Ele conjuga dois tempos. Ela já adulta, em São Paulo, na favela do Canindé, com a Carolina menina em Sacramento, em Minas Gerais. A encenação, o tempo todo, junta esses dois pontos a partir de fluxos de memória e o que o público percebe é que tem uma mulher adulta, criando três filhos com muita dificuldade, vivendo toda a discriminação e que volta ao passado e descobre que era também muito dura. Só que na infância tinha afeto, tinha a família, que formaram essa mulher tão forte;, comenta Botelho.

Com trechos extraídos dos livros, o roteiro é literário como a escrita de Carolina. A narrativa é conduzida pelo encontro da personagem com objetos descartados no lixo. A boneca que relembra os filhos, os livros que a remetem à professora da infância. ;Minha maior função enquanto atriz é resgatar a voz de Carolina, uma mulher negra, pobre, favelada e que o Brasil não conhece, poucas universidades estudam. Isso é muito perigoso para a nossa autoestima. Ela é um farol. Quantas como ela, hoje, são silenciadas, existem nas periferias com tanto talento e não têm luz? Carolina é um incentivo para qualquer faixa etária e para qualquer brasileiro. Em meio à condições tão adversas, ela deixou uma obra tão brilhante;, afirma Andréia.

[SAIBAMAIS] A partir do espetáculo, a equipe quer destacar a resiliência de Carolina. Ao mesmo tempo, o diretor pontua: ;Não é uma questão de meritocracia. Ela é um alerta para que a gente olhe para as Carolinas do mundo e dê para elas os espaços a que têm direito, é um alerta iluminado de como a gente deve cuidar, olhar e dar oportunidade para todas as Carolinas do mundo;.

A escritora, que teve a obra traduzida para 16 idiomas em mais de 40 países, foi uma mulher à frente do seu tempo. Até hoje, sua escrita reverbera com intensidade. A questão da terra, da moradia, do racismo, do preconceito, da fome, da desigualdade. À sua maneira, Carolina tratou cada uma dessas questões ainda nos anos 1950. ;É impressionante como ela continua atual. O tempo todo fala sobre a dificuldade da vida, mas sobre a importância e o valor da educação. Reciclando papéis, ela reciclou a si mesma e a própria história. Apesar de a obra dela ainda esbarrar em certo preconceito, acho que ela tem uma força poética imensa. Não à toa é trabalhada em outras linguagens artísticas;, avalia o diretor.

Em três anos de vivência quase diária com Bitita, como Carolina era chamada na infância, tanto Ramon quanto Andréia levam consigo aprendizados da escritora. ;Ela foi um divisor de águas para mim. Cada dia tenho que me tornar uma pessoa melhor para tocar na obra dela, para ter a permissão de falar de coisas tão importantes. Em minha vida, também tenho mulheres fortes, minha avó e minha mãe, então, falar em Carolina me permite também homenagear a minha família e os meus ancestrais e me tornar uma pessoa melhor;, explica a intérprete da escritora.

Botelho encontrou no amor de Carolina as respostas para as transformações e a personalidade da brasileira. ;Foram os laços afetivos que deram para essa menina a certeza de que o aprendizado ia mudar a vida dela;, comenta o diretor sobre a relação de Bitita com uma professora do colégio em Sacramento e com o avô, que lhe contava as histórias da escravidão.

Para 2020, a equipe se prepara para levar Carolina Maria de Jesus, Diário de Bitit para a Alemanha em uma comemoração ao mês da mulher. ;O projeto vem em um momento em que precisamos falar sobre isso. Fazer teatro no Brasil é um ato de resistência e resiliência como é a Carolina;, afirma Andréia. ;A filha da Carolina viu o espetáculo, a neta dela viu, os bisnetos viram e eles adoraram. Esse aval e o apoio dessa família foram importantíssimos para nós. A nossa história é construída com o apoio de muitas pessoas e isso vai dando para o nosso trabalho a certeza de que você não consegue fazer teatro neste país se não for um trabalho de equipe e a soma de muitas forças;, finaliza o diretor.



Carolina Maria de Jesus, Diário de Bitita
No Teatro Sesc Silvio Barbato; SCS, Quadra 2, Edifício Presidente Dutra. Hoje, às 17h. Entrada franca. Não recomendado para menores de 14 anos.

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