Diversão e Arte

Zé Renato homenageia Paulinho da Viola em disco comemorativo de 40 anos

'Não deixa de ser um manifesto de amor em meio a tanta brutalidade que nos cerca', explica o músico sobre o álbum

Correio Braziliense
postado em 05/01/2020 06:01
O cantor Zé Renato
Ao longo da carreira, iniciada há 40 anos, como integrante do grupo vocal Boca Livre, Zé Renato tem se mostrado reverente a mestres MPB. Gravou discos para homenagear Sílvio Caldas (Arranha céu), Zé Keti (Natural do Rio de Janeiro), Noel Rosa e Chico Buarque (Filosofia), além de dividir o palco com Elton Medeiros e Mariana de Moraes, cantando sambas tradicionais.

Com O amor é um segredo, álbum recém-lançado, o cantor capixaba-carioca presta homenagem a Paulinho da Viola. Nesse projeto, ele reuniu nove composições e priorizou sambas pouco conhecidos, mas não menos belos: Cidade submersa, Foi demais, Lua, Sofrer, Só o tempo, Um caso e Vida. A exceção fica por conta dos populares Por um amor no Recife e Minhas madrugadas.

Outros aspectos que chamam a atenção neste projeto é o tom melancólico presente em praticamente todas as faixas; e a simplicidade como as músicas foram registradas, colocando em relevo a voz e o violão. As gravações, feitas no estúdio Luni Áudio, em Recife, em apenas um dia, em setembro último, tiveram a participação de Tostão Queiroga (percussão), Spock (sax-tenor) e Fabinho (trompete).

Saiba Mais

No texto de apresentação de O amor em segredo, João Cavalcanti, destacado cantor e compositor da nova geração, diz: “O novo trabalho de Zé Renato, produzido pelo próprio Zé em parceria com os irmãos Tostão e Lula Queiroga, expõe uma linguagem, uma genealogia, que compreende a tristeza e a desilusão, capaz de lapidar a beleza e a delicadeza, outrora naufragadas nas próprias feridas, mas que Paulinho e Zé Renato são capazes de emergir”.

 
Entrevista // Zé Renato 

Que relação você tem com a obra de Paulinho da Viola?

Eu cresci num ambiente onde a música brasileira sempre foi muito presente e Paulinho é um dos que faziam parte dessa trilha sonora. Meu pai foi jornalista e frequentador assíduo de importantes redutos da cultura carioca, como o Zicartola. Assim que comecei a aprender violão, acabei me tornando seu “violonista oficial” nas festas familiares e um dos sambas que ele mais gostava de cantar era exatamente Coisas do mundo minha nega, que concorreu na Bienal do Samba, foi a primeira música de Paulinho que conheci.


Vocês estiveram juntos em algum projeto ou evento?

Nunca cantamos juntos, mas já participei de shows em que ele se apresentou também.

Por que decidiu gravar um disco em homenagem a Paulinho?

Foi a partir de uma playlist que fiz no Spotify em que reouvi vários discos, sendo que algumas músicas, embora já as tivesse ouvido na época do lançamento, acabaram me soando quase como se fossem inéditas.


A escolha de músicas dele menos conhecidas se deveu a que?

Embora não tivesse planejado, o fato de escolher músicas menos conhecidas sem dúvida foi estimulante.


Num dos versos de Desde que o samba é samba, Caetano Veloso e Gilberto Gil cantam: “A tristeza é senhora/ Desde que o samba é samba é assim”. A escolha de sambas tristes de Paulinho, que predominam no O amor é um segredo tem a ver com esse aspecto?

Acho que a tristeza se faz presente em boa parte do cancioneiro brasileiro. Tenho uma predileção pelos sambas tristes, porque minha interpretação acaba fluindo com mais naturalidade.

Na seleção dos sambas para o repertório contou com auxílio, fez pesquisa ou já os conhecia?

A maioria eu já conhecia. O que conheci mais recentemente é Foi demais, parceria de Paulinho com Mauro Duarte.


A opção minimalista para a recriação desses sambas se deveu a que?

Talvez ao fato de reafirmar a minha concepção como violonista. O violão sempre foi o elemento básico e ponto de partida na minha relação com a música. É ele que acaba sendo o guia que auxilia não só na composição mas também nos caminhos que definem a linha de interpretação do que canto.


Gravar o disco no Recife obedeceu a alguma estratégia?

A minha relação com a música pernambucana começou no início dos anos 1980 quando conheci Lula Queiroga e Lenine, que moravam no Rio de Janeiro. Nos tornamos amigos e éramos da mesma turma. Época do início do Boca Livre. Mais tarde me tornei parceiro dos dois. A minha relação com a cidade e com eles acabou sendo mais próxima quando, há uns 15 anos, participei do bloco Quanta Ladeira. Era o encontro de vários artistas que se reuniam para cantar um repertório de paródias hilariantes. O bloco não existe mais. Foi quando conheci a Luni Produções, local onde gravei esse disco. A música pernambucana sempre esteve presente de alguma forma na minha história, desde o encontro com Naná (no disco Bicicleta em 80), às parcerias com Lula e Lenine e mais recentemente com Otto.

A capa, cheia de representatividade, foi uma escolha sua?

A ideia foi de Lula. Ele é que teve essa iluminação, sabendo traduzir com sensibilidade a sonoridade e o conteúdo poético do trabalho. A foto é de Juarez Ventura e o casal é o Sr. Paulo, motorista que presta serviços para a Luni, e sua esposa, Dona Carminha.

A parceria com Lula e Tostão Queiroga, na produção desse trabalho, obedeceu a que critério?

Principalmente a nossa identificação musical e pessoal. Eu só consigo trabalhar assim, ao lado de pessoas que reunem talento e amizade.


Gravar um disco de samba num momento em que a cultura popular brasileira é alvo de desprezo e até de perseguição, pode ser visto como um ato de resistência?

De certo modo, sim. Não deixa de ser um manifesto de amor em meio a tanta brutalidade que nos cerca.

O amor em segredo
CD de Zé Renato com nove faixas. Produção independente, com distribuição física e digital da Mills Records. Preço sugerido: R$ 24,90.

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