Correio Braziliense
postado em 09/01/2020 04:18
Banda surgida no boom do rock em Basília na década de1980, a Plebe Rude sempre foi referência do movimento punk na capital federal. Diferentemente das contemporâneas Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Capital Inicial, que obtiveram a consagração popular, a Plebe, sem fazer concessões, teve uma trajetória paralela ao mainstream. Mesmo assim, músicas como Até quando esperar, Censura e Proteção fazem parte do imaginário de muita gente.
A obra da Plebe está registrada em 10 discos, sendo sete de estúdio e três gravados ao vivo. O que se tornou mais conhecido foi O concreto já rachou, de 1985. O mais recente, Evolução – Volume 1, disponível nas plataformas digitais, traz 14 músicas. Três delas, Evolução, A mesma mensagem e Descobrimento da América foram registradas em lyric vídeos; já Nova Fronteira ganhou vídeoclipe. Na faixa título, o ex-jogador de futebol e atual comentarista esportivo Casagrande, fá da banda, faz participação especial.
O álbum físico chega em breve às lojas; enquanto o lançamento do Evolução 2 está previsto para março. Os dois discos integram um projeto ambicioso, que tem como terceira vértice um musical, a ser dirigido pelo encenador Jarbas Homem de Mello. A fase de pré-produção do espetáculo já foi iniciada, mas ainda não há data prevista para ser levado ao palco.
Philippe Seabra, principal compositor, vocalista e cantor da Plebe Rude, é um dos remanescentes da formação original da banda. O outro é o baixista André X. A eles se juntaram posteriormente o guitarrista/vocalista Clemente Nascimento e o baterista Marcelo Capucci. Entusiasta do Evolução, Seabra falou com o Correio o projeto que faz uma reflexão sobre os tempos de agora, marcados pela intolerância. Para ele, músicas datadas, como Censura e Proteção, são assustadoramente atuais. “É a comprovação de que o Brasil mudou pouco desde que começamos. E isso é uma tragédia”.
Quase 40 anos depois do surgimento da Plebe Rude, que avaliação faz da trajetória da banda?
No meio do ano faremos 39 anos de banda. O que sempre moveu a Plebe foi a urgência. Muita coisa mudou no Brasil, mas nem sempre para o melhor. A necessidade de ter música contundente e consciente sempre foi a nossa prioridade e na falta de algo assim no mainstream brasileiro faz ainda mais urgente a mensagem da Plebe. Quem sou eu para avaliar a banda, isso deixamos literalmente para a história. Mas se tiver que usar uma palavra, esta seria coerência.
Que período da trajetória da Plebe foi mais marcante, na sua visão?
São tantas histórias e tantos anos de banda que nem saberia por onde começar, mas creio que a entrada do Clemente há 15 anos (2004) é que fez a Plebe viável como conjunto. Tentamos retomar a formação original em 1999, mas todos os problemas de intransigência voltaram. Somente cinco anos depois é que vimos a Plebe ser uma banda de novo e voltamos a ter prazer em tocar.
Qual é a proposta de Evolução, o novo projeto?
Evolução não é de hoje. Eu e o André, baixista e co-fundador da banda, temos a música Evolução há 30 anos sem saber exatamente o que fazer com ela. Tinha muito teclado, a letra era uma história e tinha um tom irreverente (apesar de contundente), o contrário da pegada mais séria da Plebe. Como não entrou no repertório da Plebe, mostrei para o Evandro Mesquita caso tivessem interesse em utilizá-la, mas ele não sentiu que era a cara da Blitz, uma maneira gentil de dizer que não gostou. Então ficou arquivada esse tempo todo. Quase 30 anos!
Quanto tempo foi gasto entre a criação das músicas e a entrada em estúdio?
Foram quatro meses de pré-produção e ensaio, mais oito meses de gravação no meu estúdio Daybreak aqui em Brasília. Afinal, são 28 músicas inéditas, duas com mais de 10 minutos cada, e várias orquestradas. Deu muito trabalho, mas como técnico de gravação e produtor, considero um projeto muito divertido. Como eu e o André há algum tempo tínhamos uma ideia de algum musical infantil, Evolução caiu como uma luva. Antes, a ideia era de fazer músicas impactantes sobre o universo infantil, mas com uma mensagem forte que poderia ser aplicada a um senso político-social mais amplo, mas sem ser militante ou didático. A Plebe nunca foi militante, e muito menos simplista.
Evolução traz que tipo de reflexão?
É uma reflexão sobre a humanidade e sua incapacidade de aprender pelos erros. Não tem como fugir do comentário sobre o atual momento da humanidade, e do Brasil. Mas como resumimos mais de 200 mil anos de história em 28 músicas, há uma ponta de esperança. Esse momento que estamos vivendo é um grão de areia no arco do tempo e logo passará, sendo visto e julgado pela história como apenas lapso, uma aberração na linha evolutiva para a eventual prevalência do bom senso, do respeito e da convivência no país. Mas a eterna vigilância é sempre necessária para que o bem e a justiça ganhem.
Como surgiu a possibilidade de Jarbas Homem de Mello para dirigir o espetáculo?
Ao terminar as demos das canções, pratica que nunca faço, pois prefiro ensaios a demos, eram tantas músicas não sabíamos exatamente o que fazer com aquilo tudo. Conhecia um ator de Brasília, o Fabio Yoshihara que atuava em musicais da Broadway Brasil, em São Paulo. Liguei para ele e procurei saber como funcionava o meio teatral. Em meia hora o Fávio me pôs em contato com o Jarbas Homem de Mello que, quase instantaneamente, topou dirigir. Logo de cara, ele ajudou a dar mais leveza ao musical, pedindo mais “luz” em algumas músicas e que salientássemos as coisas positivas e conquistas que o homem conseguiu na sua trajetória. Daí, surgiram Vitória” (do Volume 2) e a música mais alegre do espetáculo (e da historia da Plebe) e Um belo dia em Florença, que fala sobre o Renascimento, um momento mágico da humanidade. O Jarbas tinha razão. O lado positivo da saga do homem no planeta tinha que ser celebrado. Até então nos estávamos sendo inconscientemente influenciados — ainda mais sendo de Brasília — pela absurda guinada a direita que o Brasil deu recentemente, mostrando o lado feio, agressivo e intolerante do brasileiro.
O volume 2 de Evolução será lançado quando?
O lançamento será depois do carnaval. A canção épica ( todo musical precisa de um final arrebatador) que encerra o espetáculo se chama O pêndulo da história, que passa dos 10 minutos de duração. O pêndulo vai e vem no balançar natural de sua cadência, as vezes tendendo à hesitação, ficando suspenso em uma das extremidades, como tem ficado nos últimos 15 anos no Brasil. Mas, seguindo as leis da física e do universo o pêndulo eventualmente volta. Infelizmente, foi para o outro extremo. “A terra é plana”, “não há racismo no Brasil”, “rock leva ao aborto e satanismo”, “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Nem para procriador ele serve mais”… Esse nível de ignorância, intolerância e extremismo simplesmente não se sustenta. A Plebe sempre promoveu o debate por meio de suas músicas. Como pai e cidadão, fico aflito com essa polarização, que só se agrava. E pior, capitaneado por um governo que diz que ama o Brasil, mas que detesta brasileiro e toda sua pluralidade. E assim, esse abismo entre a intolerância e bom senso só aumenta.
Lançado inicialmente nas plataformas digitais, quando o álbum chega ao mercado no formato físico?
O álbum físico de Evolução chega ainda nesse verão, mas isso é meio novo para a gente. Nos somos da era do vinil, porém sempre nos adaptamos aos novos formatos. Mas ainda é estranho não ter nada físico na mão já no lançamento. Brasil afora os fãs cobram muito isso. Mas é inegável a força de poder apertar um botão e ter o disco imediatamente disponível em todas as plataformas nos quatro cantos do mundo. Eventualmente, além do CD duplo, queremos lançá-lo em vinil, num disco duplo (triplo quem sabe), se não conseguirmos encaixar suas quase duas horas de música no espaço limitado de um disco de vinil. Fora a arte da capa, as letras quilométricas… é muita informação. São vinte e oito canções a serem ouvidas em ordem cronológica.
Há previsão para estreia do musical?
São três etapas que teremos com o projeto Evolução: o disco, o show e o espetáculo. O volume um acabou de sair, e agora estamos em turnê com o show, que começou há duas semanas em São José dos Campos, SP. E não foi à toa que começou no polo tecnológico do Brasil. É um musical que põe as pessoas para pensar, um show da Plebe com um bloco no meio reservado para várias faixas do volume 1. O mesmo ocorrerá com o lançamento do volume 2 nos próximos meses. Já o espetáculo é um processo bem mais elaborado. O Jarbas quer 15 bailarinos/cantores em cena, a Plebe no palco, 150 peças de figurino com 10 trocas durante o espetáculo. Ah, ele quer pessoas penduradas no teto também. Como havia dito, um espetáculo é um processo mais elaborado, mas já está em fase de captação e planejamento.
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