Diversão e Arte

Entrevista com Moacyr Luz, uma das figuras mais emblemáticas do samba

Neste sábado (11/1), ele é o convidado especial do Samba da Gurariba, em Guariroba (Ceilândia Sul)

Correio Braziliense
postado em 11/01/2020 06:15
O Samba do Trabalhador, que comemora 15 anos, transformou-se em patrimônio cultural do Rio de Janeiro. A roda de samba que ocorre no Clube Renascença, no bairro do Andaraí — vizinho de Vila Isabel —, frequentada por cariocas, gente de todo o Brasil e também do exterior, foi noticiada até no The New York Times.

Idealizador, produtor e líder desse movimento, Moacyr Luz, ao criá-lo, não tinha maiores pretensões. Queria apenas promover o encontro informal de músicos que trabalham nos fins de semana e descansam na segunda-feira. Mas o sucesso foi tão grande que ganhou registro em cinco CDs e dois DVDs.

Fazendo samba, o mais recente, lançado pela Biscoito Fino, traz 16 faixas, sendo 12 inéditas. Entre elas, as que Moa compôs com parceiros, como Toninho Geraes (A cara do Brasil), Xande de Pilares (Das bandas de lá e dora de moda), Sereno (Eu sou batuqueiro), Wanderley Carvalho (Loucos de inspiração) e Zeca Pagodinho — a que dá título ao álbum. Entre as regravações estão os clássicos Ronco da cuíca (João Bosco e Aldir Blanc) e Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair e Jorge da Portela.

Moa (como o cantor e compositor é chamado pelos amigos) é acompanhado no Samba do Trabalhador por um grupo-base, formado por Gabriel Cavalcante (voz e cavaquinho), Nego Álvaro (voz e percussão), Alexandre Marmita (voz e cavaquinho) e os percussionistas Luiz Augusto Guimarães, Nilson Visual, Júnior de Oliveira e Daniel Neves. E ele sempre recebe convidados ilustres. No Fazendo samba, há a participação de João Bosco, Leci Brandão e Roberta Sá.

Embora não se caracterize como um projeto itinerante, o Samba do Trabalhador tem sido levado para várias partes do país. Em Brasília, ocorreu algumas vezes. Neste sábado (11/1), na volta à capital, na condição de convidado especial do Samba da Gurariba, em Guariroba (Ceilândia Sul), Moacyr Luz tem a companhia de Nego Álvaro, músico e cantor com dois discos lançados.

Criado em abril de 2016, o Samba da Guariba chega hoje à 45ª edição. Marcelo Café (morador da Ceilândia), Marcelo Sena, Fabinho Samba, Dudu Hermógenes, Cláudio Vagareza, Fiola Travassos, Renato dos Anjos e Diego dos Santos são alguns dos sambistas que têm participado dessa roda de samba. Pela primeira vez, traz um convidado que faz parte da história da MPB. “Para nós, é uma grande honra contar com um artista da importância de Moacyr Luz nesse projeto, que se tornou  tradição e que busca fortalecer o movimento cultural em nossa comunidade”, destaca Émerson Rodrigues, músico e um dos criadores do coletivo Samba da Guariba.


Samba da Guariba

Roda de samba com Moacyr Luz como convidado especial, sábado (11/1), a partir das 17h, em Guariroba (Ceilândia Sul). Entrada franca. Classificação indicativa livre.
 

Neste sábado, Moacyr tem a companhia de Nego Álvaro, músico e cantor com dois discos lançados

Entrevista / Moacyr Luz


Que formação musical você teve?

Posso dizer que sou autodidata. Morei cinco anos com o violonista Hélio Delmiro e estudei um ano na Pro-Arte. Foram os meus momentos de estudo.


O samba esteve presente desde sempre em sua vida?

O samba me pegou pelas beiradas, no cotidiano carioca. Eu tenho quase 300 músicas gravadas e, muitas delas, são canções cantadas por interpretes como Nana Caymmi, Maria Bethânia e Leni Andrade. Quando conheci a Beth Carvalho, meu passado de subúrbio veio à tona. Fui me chegando com toda a reverência necessária. Tenho sambas com Martinho da Vila, Sereno, Wilson das Neves e, mais recentemente, Zeca Pagodinho. Mas meu principal parceiro é Aldir Blanc.


Como surgiu a parceria com esse mestre das letras?

Fui morar, sem saber, no mesmo prédio de Aldir. Numa dessas noites da boemia tijucana, nos esbarramos. Toquei algumas músicas para ele até o dia clarear. Ofereci carona e descobrimos que éramos vizinhos. Morei no mesmo endereço por quase 25 anos, tinha um convívio diário com o Aldir e deu no que deu.


No CD Mandingueiro, houve o resgate da formação clássica das rodas de samba. Era um prenúncio do que viria a ocorrer depois em sua vida?

Ali, eu estava totalmente envolvido com o samba. Havia composto Saudades da Guanabara, com outro grande parceiro, Paulo Cesar Pinheiro. Fazia músicas com Luiz Carlos da Vila, tocava com com João Nogueira...


Entre seus parceiros estão bambas da importância de Martinho da Vila, Luiz Carlos da Vila, Nei Lopes, Wilson Moreira e Zeca Pagodinho. Que contribuição eles trouxeram para o seu trabalho?

O Luiz Carlos da Vila foi fundamental no amadurecimento do meu trabalho. Martinho, Nei Lopes, Wilson Moreira, Hermínio Bello de Carvalho e Zeca vieram depois. Trabalhar com todos eles foi igualmente importante.


E o poeta Paulo César Pinheiro, um outro parceiro?

Paulinho é um poeta da música brasileira. A sua produção como autor de letras de músicas e romances é incomparável. Tenho por ele grande admiração!


Carioca da gema, você deixa claro sua paixão pela tão maltratada Cidade Maravilhosa ao cantá-la em verso e prosa, na canção Saudades da Guanabara, no CD Samba da Cidade, no show Dobrando a Carioca — também registrado em disco — e no livro Botequim de bêbado não tem dono. Há explicação para tanto amor pelo Rio de Janeiro?

Pois é, foi essa cidade que me apresentou o samba, as agremiações, os botequins abarrotados de Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e Pixinguinha, enfim, o carioca


Nada, porém, supera o Samba do Trabalhador, que você criou, há anos, no Renascença, tradicional clube do Andaraí. Como surgiu a ideia dessa roda de samba, que faz tanto sucesso às segundas-feiras?

Segunda-feira é o dia de folga dos músicos que trabalham nos fins de semana. O que seria apenas uma tarde de encontros entre nós se transformou num fenômeno que resultou em cinco CDs e três DVDs... Uma longa e linda história.


O que, no seu entendimento, caracteriza essa roda de samba, perpetuada em discos?

Apostamos sempre no repertorio autoral, e isso acabou formando um  público envolvido com o nosso repertório.


O Samba do Trabalhador foi levado a várias cidades brasileiras, inclusive Brasília. Como tem sido a acolhida desse projeto fora do Rio?

Todo o Brasil nos visita no Rio de Janeiro. Quando retribuímos a visita, há laços de afinidade.


Leci Brandão, Roberta Sá e João Bosco marcam presença no Fazendo samba. Por que os quis nesse disco?

Tenho convivido com a Roberta Sá, e essa amizade virou uma participação em A cara do Brasil, uma das inéditas. A gente queria estabelecer a Leci como a herdeira de Dona Ivone Lara, baluarte do samba (no disco, ela canta o clássico Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair e Jorge da Portela). Com o João Bosco, eu sempre mantive um sentimento de reverência pela trajetória da parceria com o Aldir. É um privilégio tê-lo cantando e tocando violão em O ronco da cuíca.


A faixa-título é uma tabelinha sua com  Zeca Pagodinho. Como essa parceria se estabeleceu?

Isso é resultado de anos de convivência e muito respeito à importância desse craque da música popular brasileira.


Num tempo em que a cultura popular é desprezada e até  perseguida, o Samba do Trabalhador deve ser visto como um reduto de resistência?

Nós somos a favor da Constituição, a favor da cultura como o maior investimento que esse país pode fazer para o seu povo. Meu medo é a gente entrar num túnel do tempo e voltar à Idade da Pedra.


Em seu retorno à capital federal, você é o convidado especial do Samba da Guariba, que abnegados sambistas mantêm na Guariroba, Ceilândia. Como avalia a atuação dessas pessoas que, sem nenhum apoio, mantêm viva a cultura popular na periferia de Brasília?

O samba é a cara do Brasil. Vive na adversidade, quase sempre tratado como algo menor, valor barato, sem perceber que é nessa batucada que respira o brasileiro. Viva o Samba da Guariba!
 

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