Correio Braziliense
postado em 19/01/2020 06:10
O Brasil tomou conhecimento de Fernando Brant em 1968 quando Travessia, composta por ele e Milton Nascimento e interpretada pelo parceiro, classificou-se em segundo lugar no Festival Internacional da Canção. A música, inspirada em Grande Sertão: Veredas, obra literária clássica de João Guimarães Rosa, transformou-se num marco na carreira dos dois artistas.
Um dos pilares do Clube da Esquina, coautor de canções antológicas, Brant, falecido em 12 de junho de 2015, aos 68 anos, deixou um valioso legado para a MPB. Parte desse patrimônio cultural ganhou registro em Vendedor de sonhos, álbum recém-lançado, com a participação de intérpretes diversos.
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Vendedor de sonhos reúne 20 composições. Algumas delas, consagradas pelo público, ganharam novas versões nas vozes de Milton Nascimento (O medo de amar é o medo de ser livre), Beto Guedes (San Vicente), Toninho Horta (Travessia), Djavan (Milagre dos Peixes), Dori Caymmi (Sentinela), Samuel Rosa (Paisagem da Janela), Joyce Moreno (Saudade dos Aviões da Panair), Roberta Sá (Ponta de Areia) e Fernanda Takay (Veveco, Panelas e Canelas).
Outras, igualmente importantes, mas que não obtiveram uma popularidade maior, foram recriadas por Lô Borges (Durango Kid), Mônica Salmaso (O que foi feito devera), Nina Becker (Outubro), Paula Santoro (Amor amigo), Seu Jorge (Saídas e Bandeiras),Wander Lee (Canoa Canoa), Tadeu Franco (Beco do Mota), Zé Renato (Vida), Boca Livre (Credo), Flávio Venturini e Marina Machado (Vendedor de sonhos).
Mensagem de esperança
Intérprete de Vida, Zé Renato lembra de Fernando Brant com saudade. “Tive o privilégio de conviver com o Fernando Brant, um dos maiores letristas brasileiros de todos os tempos. Fernando era uma pessoa muito simples, brilhante, que tinha o Brasil na sua poesia. Ele tinha sempre uma mensagem de esperança”.
O cantor, um dos fundadores do Boca Livre — igualmente presente nesse trabalho — acrescenta: “Para mim, a imagem que ficou é a de uma pessoa que tinha felicidade no olhar e uma simplicidade muito grande no trato com as pessoas. Essa simplicidade nunca me fez esquecer que eu estava ao lado de uma dos poetas mais interessantes da história da música brasileira. Gravei algumas canções do Fernando com o Boca Livre, como Ponta de areia e Caxangá. Fernando faz muita falta, especialmente neste momento que estamos vivendo no Brasil”.
Tavinho Moura, que em Vendedor de Sonhos canta Maria Três Filhos, também foi parceiro de Brant. Juntos fizeram, por exemplo, Gente que vem de Lisboa, Paixão e fé e Veveco, Panelas e Canelas. “Tive uma longa e intensa convivência com Fernando, a quem conheci em 1969. Além de parceiros, fomos vizinhos e, mais do que isso, grandes e fraternos amigos”, ressalta.
Durante 25 anos, os dois dividiram o palco com o show Conspiração dos poetas, no qual as canções que cantavam eram entremeadas por bate-papos, poesias e histórias vividas por ambos. “Fazíamos uma espécie de recital poético-musical, que nos levava a ter total interação com a plateia. Viajamos por todo o Brasil e estivemos também na França. Brasília foi a cidade onde mais nos apresentamos. Durante vários anos, participamos da programação de aniversário do Feitiço Mineiro”, lembra.
Ele conta que Brant gostava muito de Maria Três Filhos. Fernando se inspirou para fazer a letra dessa música numa senhora que trabalhava na casa de Dona Iolanda, a mãe dele. Quando Robertinho sugeriu que eu gravasse essa canção, fiquei muito feliz. Na mesma hora, me recordei de como a letra foi criada e do carinho que o meu querido amigo se referia a ela”.
Vendedor de sonhos
CD em tributo a Fernando Brant, produzido por Robertinho Brant, com 20 faixas interpretadas por diversos cantores. Lançamento: gravadora Biscoito Fino. Preço augerido: R$ 38,90.
Entrevista / Robertinho Brant
Quando e por que decidiu realizar este projeto?
Resolvi fazê-lo em 2013, e comecei a gravá-lo em 2014. Queria fazer um disco pra comemorar os 50 anos de carreira do Fernando (Brant) e aconteceria em 2017.
Quanto tempo levou para definir o repertório, contactar os intérpretes e concluir a produção?
Aproximadamente quatro anos. Mais um ano de negociação com a Biscoito Fino e assinatura das autorizações dos artistas e gravadoras.
Houve dificuldade para selecionar as canções, diante da vasta obra do Brant?
Difícil por um lado, mas muito prazeroso, por outro, pela qualidade da obra.
A escolha das músicas para fazer o registro foi dos próprios intérpretes?
Não. Todas as escolhas foram minhas, tanto das músicas quanto dos artistas que iriam cantá-las. A única música em que escolhi com o Fernando o artista que iria cantá-la foi Saudade dos Aviões da Panair, que ficou com a Joyce Moreno.
Que dificuldade enfrentou para criar os arranjos?
Busquei manter a essência e a genética das músicas intactas e ao mesmo tempo renová-las. Além disso, conseguir dar unidade ao disco, mesmo sabendo e considerando que estava arranjando para artistas diferentes. Portanto, tinha que pensar também na característica de cada um.
Como vê importância dos parceiros — responsáveis pelas melodias — no trabalho do poeta?
Eles foram fundamentais! Fernando fez mais de 90% das suas letras em cima de melodias. Raramente escrevia uma letra para algum parceiro musicar. Portanto, essas melodias que o inspiravam e o desafiavam a descobrir e revelar o que elas queriam dizer.
No seu entendimento, qual é o legado de Fernando Brant para a música popular brasileira?
Seu legado é gigantesco! Sua poesia é absolutamente atual e necessária para o Brasil e para a sociedade brasileira. Fernando foi um cronista do sonho brasileiro e faz parte, com seus parceiros do Clube da Esquina, da gênese da revolução que a MPB representou para cultura brasileira.
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