Diversão e Arte

Os desafios de fazer comédia no Brasil atual movem Luís Lobianco

Em entrevista ao Correio, Lobianco sublinha: "Minorias já são sacrificadas. Rir agrega e é a melhor maneira de inserir pessoas"

 
 
Luís Lobianco é muitos em um só: o ator e humorista vai do drama à comédia nos trabalhos. Aos 38 anos, transita entre teatro, cinema e televisão. Na semana passada, estreou primeiro programa humorístico na TV aberta: ele será o repórter Aloísio Alves em Fora de hora, às terças, na Rede Globo. Agora, prepara-se para dar a vida a Cafu, na segunda temporada de Férias em família, no ar a partir de fevereiro no Multishow.
 
Perguntado pelo Correio sobre como é dar vida a tantos papéis em diferentes veículos, o ator não hesita. “Para mim, é fundamental. Eu me sinto vivo quando faço coisas diferentes, testo limites diferentes. Não me interessa ficar engessado num formato ou gênero. Gosto de ser desafiado de diferentes formas e em diferentes veículos”, explica. No bate-papo, o comediante faz um paralelo da carreira — ele deslanchou no tablado pela primeira vez em 1994 — e sobre o humor politicamente correto. 
 
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“Eu acho que a gente tem que ser respeitado quando está com o microfone na mão. Tem o limite do bom gosto e do bom senso que é preciso respeitar. Não pode apontar dedo para as minorias, que já são sacrificadas. Rir é a melhor maneira de inserir pessoas. O riso é agregador. Durante muito tempo, existia humor misógino, machista, racista, homofóbico e a gente tinha a cultura de rir disso’, relembra o artista. 
 
Entrevista/ Luís Lobianco

Qual a proposta do Fora de hora?

A gente está muito ansioso e feliz, porque é um programa com formato totalmente novo. A proposta de humor da Globo mudou, tem se arriscado mais. É a primeira vez que está sendo usada a linguagem do telejornalismo num programa de humor.

O que pode adiantar ao público sobre o repórter Aloísio Alves? 
 
Aloísio Alves tem tudo o que um repórter não pode ter e você vai concordar comigo (risos). Ele é absolutamente inseguro, fica muito nervoso em frente às câmeras. Ele não tem muito talento e ninguém sabe porque ele está ali. Quando ele entra no ar, vira uma situação absolutamente constrangedora. Os apresentadores fazem bullying com ele…  (risos) Quanto mais ele se enrola, mais ele sua, treme e engasga no vídeo. Ele é o repórter errado, na hora errada.

Como foi a construção do personagem? 
 
O processo acabou sendo muito intuitivo. Como é também muito novo, o formato, a linguagem, fui buscar referências. Tem muita compilação na internet de erros de reportagem, besteira, palavra errada, o repórter esquecer o texto… Construí o Aloísio querendo ser aceito, não numa postura reativa, mas para conquistar a empatia do público.

O programa tem relação com o momento atual e a política?

Eu acho que tem tudo a ver. A gente tem se questionado muito sobre a velocidade e a fonte da informação. É um momento em que não dá mais para acreditar em tudo o que se lê, precisamos ter senso crítico. Com as redes sociais, você passa a ser responsável também pelo que está sendo reproduzido. Como o humor vem do absurdo, acho que esse formato chega na melhor hora. O brasileiro ri muito do que está sendo dito naquele momento. Quando você encaixa isso numa esquete, num stand-up, é sucesso na hora. É da natureza do brasileiro gostar de notícia, de assistir ao jornal. A gente parte da realidade para o absurdo, para criar humor por humor e até situações nonsense. A política é ponto de partida para dar vazão para o humor.

Além do personagem fixo, cada ator se desdobra em outros papéis. Como está sendo pra você?

É a parte mais legal. A gente vai além do personagem. Eu, por exemplo, interpreto vários convidados da área cultural. Tem que achar uma voz, um jeito de pensar para cada um. Para mim, isso é diversão pura. O elenco está presente o tempo todo, é uma espécie de teatro com grande estrutura da Globo.
 
No mês que vem, você estreia a segunda temporada do seriado Férias em Família, no Multishow. Dessa vez, a Espanha é o cenário. O que o público pode esperar?
 
Portugal é um país próximo, o brasileiro está acostumado. Aconteceu muito identificação entre o lugar e o público. Espanha já é um território um pouco mais desconhecido para nós. A gente conhece Madri, Barcelona… Mas, na série, a gente começa por Andaluzia, no interior, e vai até a Catalunha (foram três meses de gravação). É humor, é dramaturgia, mas é quase um programa de viagens também. A segunda temporada é bem diferente da primeira.
 
Por que é tão diferente?
 
São outras cores, outras situações. Na anterior, Cafu é o pai da família que não quer viajar, tem os hábitos dele e faz tudo sempre igual. Com a ida a Portugal, passa a ser desafiado todo dia, conta com imprevistos e perrengues que toda viagem tem. Isso o transforma tanto que, na segunda, é ele que quer ficar. Daí ele renasce, se apaixona e conhece coisas diferentes. No último episódio da primeira temporada, acham o dinheiro que estava no forro do casaco da tia e, com ele, continuam a viagem, dessa vez para a Espanha. Foi trabalhoso, cansativo, intenso, mas maravilhoso. Num set normal, você fica ali com a equipe por 12 horas. Na série, não. A gente terminava de gravar, ia para a hospedagem e, no outro dia, tomava café-da-manhã com a pessoa. Por isso, tem que ter sabedoria, entender o espaço do outro, os hábitos, o tempo… 

Você acha que transitar entre emissoras de tevê, YouTube e plataformas de streaming é bom para o ator?
 
É um fenômeno atual que favorece o artista. Acho que essa junção das plataformas é o ideal. A experiência, agora, pode ser vivida em qualquer hora, em qualquer veículo. Valentins, por exemplo, algumas crianças só estão vendo agora e graças ao streaming, acham até que estou gravando a série no momento. Isso gera um catálogo de coisas que pode ser acessada a qualquer momento.
 
Inclusive, você vem falando muito sobre família nos últimos trabalhos. Tem relação também com a vida pessoal?
 
Eu acho que não é uma coisa calculada, proposital. A gente acaba falando de assuntos recorrentes mais pela necessidade do público de estar por dentro do que uma coisa que o artista pensou. A gente vive momentos de muita polarização, de conflito de ideias e sentimentos. Acho que os assuntos que têm de promover empatia são muito bem recebidos. Meu personagem na novela (Clóvis Falcão, em Segundo sol) era o mais devotado à família e acho que isso envolvia, tocava as pessoas e elas vinham falar comigo. O berço familiar é muito importante para a gente. No Multishow, a gente queria falar de uma família mais geral, não papai, mamãe, filhinho. A gente queria falar da família que é possível, mostrar a família pela ótica da diversidade. O Cafu é central: cria a filha adolescente — que não vê a mãe — junto com a irmã. Os dois foram criados pela tia, que tem filho adotivo… A gente quer mostrar que a família possível é onde tem afeto. Em comunidades carentes, por exemplo, todo mundo é mãe de todo mundo.

Você começou a carreira em 1994. De lá para cá, já são nove anos. O que mudou nesse tempo?
 
De 1994 a 2012, eu só fiz teatro, até porque o mercado era muito diferente de entrar e de ser enxergado. Eu vivia ensaiando, mas não havia retorno de alcance e de público. Estava sem esperança. Isso mudou em 2012, quando eu entrei para o Porta dos Fundos. Meu trabalho ganhou mais alcance e passei a ser ser chamado para a televisão. Minha relação com o público também mudou. Já são oito anos fazendo TV e cinema direto. O tempo me trouxe um amadurecimento de escolhas, decidir papéis e ver a relevância do trabalho. Nunca penso que cheguei lá. Sou um operário da arte, tenho muitos desejos e sonhos ainda.

Como você percebe a carreira de ator hoje em dia? Tem algo que você já fez e, hoje, faria diferente?
 
Não tenho arrependimentos. Tive a sorte de participar de elencos muito legais. Tudo que eu vejo na tevê me dá orgulho. Acho que estou mais seletivo, tem papel que não faço mais porque já fiz, então estou buscando outras coisas, como ter tempo de descanso, estudo, viajar. Isso é muito importante para o artista. Hoje, aos 38 anos, consigo ter mais calma.

Qual o papel que você mais gostou de fazer até hoje? E qual é o seu sonho interpretar?
 
Essa é uma pergunta difícil. Personagem é igual filho, fico com medo de escolher um e o outro ficar com ciúme. Tem tanto estudo e dedicação por trás de cada um. Acho que o Randolfo de Valentins (2017). Não por ser meu preferido, mas é que o trabalho com responsabilidade com crianças te dá uma coisa, te coloca em outro patamar. Até aquele trabalho eu era visto como parte do Porta dos fundos, aí os pais passaram me enxergar de outra forma, com respeito diferente. Todo mundo que me aborda fala como é bom ter produções brasileiras que não sejam apelativas, mas interessantes. O Clóvis na novela também foi muito popular, ganhei prêmio. Sempre vai ter um lugar especial no meu coração. 

Tem algo seu que leva para seus personagens? E algo deles que você guarda para si?
 
De mim, eu levo tudo, porque, para mim, é sempre mais produtivo quando trabalho objetivamente. Se me perco em criar um universo, sempre busco coisas concretas: vou ouvir coisas, estudar e ver filmes. Do Clóvis, herdei o choro, por exemplo. Interpretar personagens diferentes conta muito para a inteligência emocional, porque você lida com coisas que na nossa vida passa por cima.
 
Quais são suas inspirações artísticas?
 
A gente vive num país muito rico culturalmente. Acho que Dercy Gonçalves, os artistas da TV Pirata, artistas da noite do Rio de Janeiro. Quando fiz faculdade de teatro em 2000, ia para lá com a turma me divertir com artistas drag, de rua. Muitos ainda estão aí, trabalhando e tem capacidade de comunicação e de superação.

O que você pensa sobre o humor politicamente correto?

 
Eu acho que a gente tem que ser respeitado quando está com o microfone na mão. É óbvio que, essencialmente, o humor é anarquista. A risada vem do inesperado e do imprevisível. Tem o limite do bom gosto e do bom senso que tem que respeitar. Não pode apontar dedo para as minorias, que já são sacrificadas. Rir é a melhor maneira de inserir pessoas. O riso é agregador. Durante muito tempo, existia humor misógino, machista, racista, homofóbico e a gente tinha a cultura de rir disso. Nunca passei por situações humilhantes como a maioria das pessoas. Sou privilegiado, de classe média, sempre fui aceito em casa, pude estudar em escola de teatro… Tenho o privilégio também de ter o microfone na mão. De certa forma, falo por elas também, tenho que pensar nisso. Piada não depende de preconceito, tem que vir da inteligência e do humor.

*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco.