Diversão e Arte

Elas dão o sangue nas telonas

Ao lado da performance arrasadora de Renée Zellweger, para o mito Judy Garland, no filme Judy - Muito além do arco-íris; a atriz brasiliense Maeve Jinkings, no longa Açúcar, também encara um papel emblemático

Correio Braziliense
postado em 30/01/2020 04:08
Com uma indicação ao Oscar bastante badalada, a atriz Renée Zellweger dá vida nova à atriz Judy Garland, morta em 1968

Laringite, inflamação e fadiga antiga nas cordas vocais poderiam ter afastado, definitivamente, a atriz Renée Zellweger do percurso de reviver, na telona, inglórios dias para uma estrela em decadência, no filme Judy: Muito além do arco-íris. Ultrapassar uma série de fragilidades estreita a vivência de Zellweger junto ao ícone Judy Garland, a celebrada atriz de O mágico de Oz. A interpretação dada à música By myself, sob a perspectiva da atriz, que despontou nas telas, em 1996, com Jerry Maguire (ao lado de Tom Cruise), é projetada como um dos pontos-chaves do longa que está na corrida pelo  Oscar. À frente de todas as atrizes indicadas, Zellweger aparece como favorita.

O diretor Rupert Goold, em entrevista ao Los Angeles Times, demarcou o impacto da tal cena: “Aquilo era sobre Renée se apresentando como cantora, e todos sendo convencidos por ela — como num microcosmo de todas as apresentações de Judy Garland. Houve fusão de psicologia, tensão, massiva crise interior e um incrível desempenho exterior profundo”.

Recobrar e renovar são rimas que cabem no desenrolar do longa-metragem abastecido pela voz de uma estrela solitária, que encara uma turnê meia-boca, em temporada britânica, passado o auge em Hollywood.

Há uma cena em Judy que, discretamente, acusa a atmosfera densa e algo lúgubre a ser encarada pela protagonista: num contraponto à dourada estrada de tijolos de O mágico de Oz, a já envelhecida atriz atravessa uma ruela mal iluminada e umedecida, anexa ao nightclub em que se apresentou.

É dali, por sinal, que desponta um casal gay (vivido pelos atores Andy Nyman e Daniel Cerqueira), capaz de se mostrar tão vital para Judy quanto a presença do empresário Bernard Delfont, interpretado pelo irlandês Michael Gambon (o Albus Dumbledore de Harry Potter).

No filme, a caracterização do penteado e da maquiagem de Zellweger impressionam tanto quanto um (bem-vindo) desvio de rota da trama central: bem antes das indicações ao Oscar, por filmes como Julgamento em Nuremberg e Nasce uma estrela (etapas que não aparecem na fita), Judy (interpretada pela jovem Darci Shaw) aparece como produto e emblema da MGM, ao lado de Mickey Rooney (Gus Barry).

Autêntica

Longe da imposição de projetos artísticos que circundaram Garland, Zellweger esclareceu à imprensa mundial diferenças relacionadas à diva, morta um ano antes do nascimento de Zellweger, em 1969. “Ela esteve numa era totalmente diferente. As mulheres da minha geração têm muito mais autonomia e capacidade de participar da carreira; examinam para onde vão, e você ainda pode conversar se algo lhe incomoda”, disse.

Proteção familiar e ciclos fortes de amizade rendem a rede de proteção social para a estrela, hoje, aos 50 anos, que, na telona, foi notabilizada ao interpretar a sensual Roxy do musical Chicago e a desleixada coadjuvante de Cold Mountain (capaz de lhe render um Oscar, há 16 anos).

Ainda no paralelo, a popular atriz texana (nascida de pai suíço e mãe norueguesa), demarca que as atrizes, na época de Judy, não eram totalmente livres. “Se comentassem contrariedades, as circunstâncias não mudariam. Felizmente, eu nunca segui o caminho das drogas”, observou, entre as divergências de padrão de vida.

Baseado em peça de Peter Quilter, o filme dá relativo destaque ao personagem de Rufus Sewell, Sidney Luft, figura de para entre a sucessão de maridos que Judy teve. “Pesquisei e trabalhei o suficiente para que minha breve aparição na tela fizesse justiça a Judy e também rendesse ao personagem uma participação honesta, pois li muito sobre ele. Ele teve boas e más qualidades, a exemplo de Judy, e algumas delas passaram batidas na história”, disse o ator.

Para além das dependências químicas, associadas ao dia a dia no showbiz, Judy Garland acumulou a tragédia pessoal da perda de custódia dos filhos Lorna e Joe (vale lembrar que Liza Minelli já era independente).

Uma cascata de prêmios sustenta o êxito da mais nova investida da mesma atriz da franquia Bridget Jones, que andava desaparecida. Zellweger faturou, com Judy, além do Globo de Ouro e do Prêmio do Sindicato dos Atores, o Hollywood Film Awards, o National Board of Review e uma variedade de troféus concedidos por círculos de críticos de Las Vegas, Iowa, Atlanta e Houston. Tendo por base o amor à profissão, Zellweger atribui o “sucesso” como algo a ser particularizado. “Para mim, ter sucesso foi quando disse a mim mesmo: ‘Não posso mais continuar trabalhando como garçonete, vou ganhar a vida como atriz’”.


Nem tão doce

Estrelado pela brasiliense Maeve Jinkings, o longa-metragem Açúcar estreia hoje na capital, provocando uma reflexão em torno de questões estruturais da sociedade brasileira. Pela segunda vez, Maeve trabalhou com os cineastas e roteiristas Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, isso, depois de faturar, no elenco de Amor, plástico e barulho (2013), o prêmio Candango de melhor atriz, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Açúcar mostra uma realidade perturbadora para a protagonista Bethânia, que retorna ao complexo de herança familiar, situado na Zona da Mata pernambucana, ao redor do Engenho Wanderley. Para além das questões econômicas ocasionadas pela exploração da cana de açúcar, o filme investe em percepções individuais de Bethânia, desencaixada da nova morada.




Três perguntas / Maeve Jinkings


A arte potencializa, em que medida, as discussões pertinentes de Açúcar e que alcançam esferas do poder feminino e de um racismo perpetuado na sociedade?
A arte interessa porque faz perguntas, perguntar é lançar luz. E se fazemos isso da perspectiva de mulheres não brancas, como são Bethânia e Alessandra, estamos então debatendo o que há de mais urgente na organização do poder.


Você trabalhou com Renata Pinheiro e Sergio Oliveira antes. Qual o ganho de reafirmar uma parceria, e que pontos particularmente eles acessam e instigam na atriz Maeve?
Temos um vocabulário imagético comum e nos conhecemos há muitos anos. Penso que isso pula muitas etapas de diálogo. Talvez possa entender melhor o que desejam de mim ou ainda como posso colaborar de acordo com a estética deles. Renata e Serginho são muito generosos e interessados no que seus parceiros têm a dizer, e isso me estimula muito! É um forte sinal de confiança e por isso temos prazer em trabalhar juntos.


Qual a cena mais difícil no filme?
Difícil responder isso, sem trazer spoilers. Acredito que as cenas mais difíceis foram no ápice da curva dramática de Bethânia, quando ela começa a perceber que não pode mais sustentar a fábula de ser a senhora de engenho da Casa Grande. Ela desmonta. É sempre difícil viver a dor profunda de uma personagem, especialmente alguém como Bethânia que claramente não deseja a mudança.




Outros lançamentos


Os órfãos
• Terror de Floria Sigimondi revela o convívio desequilibrado entre uma governanta inglesa e os dois sobrinhos de seu patrão.


Bad Boys para sempre
• De Adil El Arbi e Bilall Fallah. Com Will Smith e Martin Lawrence, dá continuidade à franquia em que policiais fecham o cerco contra traficantes.


Com amor, Van Gogh — O sonho impossível
•  O filme polonês atual documenta os bastidores da animação de Dorota Kobiela e Hugh Welchman que concorreu ao Oscar.


Testemunha invisível
• Suspense italiano tem Riccardo Scamarcio como protagonista. Ele vive o empresário milanês Adriano, acusado de assassinato.
 
 
 
 
 

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