Diversão e Arte

Bloco de carnaval quer chamar a atenção sobre cuidadores de idosos

Bloco Filhas da Mãe sairá pela primeira vez no carnaval de Brasília e pretende chamar a atenção sobre cuidadores que trabalham com idosos com demência e Alzheimer

Correio Braziliense
postado em 01/02/2020 07:00
Coletivo Filhas da Mãe promove marchinha de carnaval, que tem como proposta a conscientização do autocuidado entre pessoas que ajudam a tratar pacientes com demência e Alzheimer“Eu te cuido, tu me cuidas.” Esses são os versos que vão compor o refrão do hino carnavalesco de um dos blocos que serão inaugurados, este ano, em Brasília: o Filhas da Mãe. Conduzido por mulheres que cuidam, ou já cuidaram, de mães com Alzheimer ou demência, a proposta da marchinha é levar para a rua um pouco da rotina de quem enfrenta desafios como parente de alguém nessa situação.

Criado pela psicanalista Cosette Castro, 58 anos, e a aposentada Ana Castro, 64, o bloco, que sairá em cortejo de carnaval com aproximadamente 50 cuidadores, também tem como objetivo dar leveza à rotina dos cuidadores dos doentes. A aposentada Ana Castro explica que, para a festa, foi criada uma música que retratasse a realidade do cuidador familiar: “Muitos se valem dela para a comunicação com os parentes. A memória musical é uma das últimas coisas a serem perdidas”, acredita. “O refrão ‘eu te cuido, tu me cuidas’ resume nossos objetivos. E não fica ultrapassado após o carnaval”, afirma.

Para a psicanalista Cosette Castro, o bloco é uma oportunidade de promover a conscientização em comunhão com a diversão. “Queríamos cantar algo nosso, que desse uma ideia do que acontece com a doença e do que as cuidadoras familiares passam”, diz. A idealizadora do projeto sugere, ainda, que a festa é uma oportunidade de os cuidadores se divertirem e espairecerem. “Acredito que a dança renova o corpo e a alma, solta o riso e possibilita a brincadeira. Precisamos de espaços para relaxar e pensar na vida sem doença, fazer projetos”, acrescenta.
 
Bloco busca melhorar a qualidade de vida dos cuidadores de pessoas enfermas 

A ideia partiu do trabalho do coletivo Filhas da Mãe, que dá suporte a pessoas que cuidam de familiares que possuem Alzheimer ou demência. Criado em 2019, o projeto surgiu da experiência particular de Cosette Castro e Ana Castro com suas respectivas mães, ambas diagnosticadas com Alzheimer. “É uma forma de retribuir todo o carinho que recebi quando minha mãe esteve hospitalizada”, compartilha Cosette.

Fragilidade

A psicanalista conta que, atualmente, a mãe está em uma instituição de longa permanência para idosos, e foi uma maneira de manter a saúde em dia. “Foi uma decisão difícil, mas necessária por sua própria fragilidade e para garantir a minha saúde física e mental também”, lamenta. “Visito minha mãe, gerencio e faço compras de medicações a material de higiene. A situação se inverteu. Hoje, eu cuido dela”, relata.

A aposentada Ana Castro lembra que, durante os 14 anos que passou como cuidadora da mãe, teve o apoio de muitas colegas e, com elas, pôde lidar com a situação. “Aprendemos juntas, porque não há manual. Cada doente é de um jeito”, destaca. Apesar de sua mãe não estar mais viva, Ana enaltece que hoje pretende passar os ensinamentos e ser apoio para outras mulheres, reflexo do que viveu no passado. “Constatei que fiz inúmeras amigas na condição de cuidadora e que, a elas, devo muito. Vivemos uma luta solitária. É nos grupos de apoio que encontramos acolhimento, pois a maioria dos membros da família se omite”, ressalta.

Segundo as autoras, hoje, o coletivo conta com 15 frequentadoras e busca instigar a participação de toda a família nos cuidados. “As mulheres são historicamente educadas para cuidar. E, caso se neguem a fazer, são acusadas de egoísmo, de pensarem só em si”, diz Cosette. Ela explica que a participação de toda a família no processo é importante. “São doenças que tomam cada vez mais tempo da cuidadora familiar e, com isso, deixam de viver sua vida pessoal. Isso reduz a autoestima e pode causar adoecimento mental”, completa.

Autocuidado

A professora em processos de desenvolvimento humano e saúde do Centro Universitário Iesb, Caroline Salles, explica que nesses casos, é comum que haja interrupção de projetos. “É preciso entender que quando abdico da minha vida, para cuidar da vida do outro, eu perco, muitas vezes, meu plano de vida. É como se a pessoa não tivesse direito de ter sua própria autonomia”, realça.

Segundo Caroline, além da independência perdida, pode haver a cronificação de problemas de saúde — mentais e físicos. “Há o desequilíbrio da saúde mental, pois são pessoas que podem ter uma tendência à depressão, já que o plano pessoal dessa pessoa é deixado de lado. Além da ansiedade, pois ficam na expectativa do que pode acontecer”, alega.

De acordo com a especialista, é preciso promover espaços de escuta e acolhimento para ajudar essas cuidadoras. “É importante cultivar amizades. Muitas vezes, a falta da rede de apoio e o isolamento podem ser fatores que predispõem a depressão”, acredita. Além disso, a professora adverte sobre a importância do autocuidado. “Não é só uma questão física, mas também está relacionada à busca pela retomada de individualidade da pessoa. A nossa missão de vida é cuidar do outro, mas quando a tarefa principal passa a ser somente isso, nós perdemos o sentido da nossa própria existência”, diz.

O coletivo

Hoje, o coletivo Filhas da Mãe conta com voluntárias para colocar os projetos em prática. Entre as iniciativas, há palestras, oficinas e bate-papos que tratam diferentes temas, como o choque de se tornar cuidador familiar; a importância de encontrar espaço para si e para a saúde mental; alimentação e nutrição dos cuidadores, que deixam de cuidar de si para dar atenção aos doentes; e educação ou reeducação financeira, devido aos custos altos das doenças. As oficinas ocorrem às quartas e sextas - feiras, às 14h30. Local: Espaço Longeviver, 601 Sul, 2º andar. Para mais informações: Ana Castro (99625-2610) e Cosette Castro (99989-5808).

Serviço

O Bloco Filhas da Mãe é aberto a pessoas que tenham parentes com demências e Alzheimer, amigos das famílias e todos aqueles interessados em brincar e se solidarizar multiplicando informações sobre as doenças. Data: 29 de fevereiro Horário: 14h —  concentração na CLN 408 Bloco B 16h30 — cortejo até a CLN 405 Bloco A 20h — encerramento

Três perguntas para

Stéphanie Palis Horta Sabarense, especialista em terapia cognitivo-comportamental

Qual costuma ser o perfil dos cuidadores de doenças como essas?
Não existem muitas pesquisas que falem dos cuidadores de doenças degenerativas, como as citadas, mas, no caso daqueles que cuidam de idosos debilitados, o perfil é feminino. Geralmente, são pessoas da família, como uma filha, neta ou esposa, ou podem ser pessoas contratadas. Em casos de idosos muito debilitados, que precisem de uma pessoa secundária cuidando, o perfil costuma ser masculino, já que normalmente inclui trabalho físico, como carregar o paciente. Nesse caso, temos 40% sendo homens.
 
Quais as consequências que os cuidadores podem ter com a falta de cuidado consigo mesmo?
O cuidador costuma ter deficit de imunidade, problemas gástricos, doenças relacionadas ao sono, por envolver cuidados noturnos. Tudo precisa ser levado em consideração. Não só a saúde física como a emocional também, pois estão intimamente relacionadas. Por exemplo, doenças gástricas costumam ter muita correlação com ansiedade. Doenças do sono costumam ter muita correlação com depressão, assim como transtornos alimentares.
Outro impacto psicológico muito importante que precisa ser avaliado no cuidador é a morte e a possibilidade de morte desse paciente. Sendo familiar ou não, é uma pessoa de grande convivência, e normalmente há um vínculo emocional. Ter que acompanhar a degeneração progressiva dessa pessoa, a aproximação da pessoa com a morte, e isso é um impacto emocional muito grande, tanto para cuidadores profissionais, com formação, quanto para familiares. Geralmente, os cuidadores passam até quatro anos, depois da morte de um idoso debilitado, se recuperando das causas físicas e emocionais de ter cuidado dessa pessoa.
 
Qual a importância da intervenção psicológica com os familiares? No que isso pode ajudar?
O cuidado psicológico previne o adoecimento crônico dessa pessoa. É claro que ela estará sobrecarregada, pois, além de cuidar dessa pessoa, há outros aspectos da vida para se atentar. Nesse caso, a própria saúde fica em segundo plano. Sendo assim, ter um momento de cuidado emocional ajuda as pessoas a terem uma válvula de escape para toda essa sobrecarga.
 
*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

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