Diversão e Arte

Tradições familiares italianas na mira do diretor Marco Tullio Giordana

Diretor explorou a cultura italiana em longa com seis horas de duração

Correio Braziliense
postado em 03/02/2020 06:30
Diretor explorou a cultura italiana em longa com seis horas de duração
Aos 69 anos, o premiado diretor de cinema Marco Tullio Giordana foge da possibilidade de se tornar um “daqueles velhos entediantes”, como ele enfatiza, em entrevista exclusiva ao Correio. Curiosamente, desapegado de nostalgia, no começo dos anos 2000, conquistou a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, justamente com um portentoso panorama da cultura e das tradições familiares italianas, numa fita de seis horas de duração — que, inédita no Brasil, chegou aos cinemas, há alguns dias, para ser exibida em duas sessões com três horas de duração.
 
Solidariedade, ódio, terrorismo e problemas sociais são alguns dados na trama do longa que acompanha por 40 anos a trajetória de integrantes da família Carati, em especial os irmãos Nicola (Luigi Lo Cascio) e Matteo (Alessio Boni), e amigos. Na primeira desilusão, os universitários descobrem os maus-tratos que cercam a perturbada garota Giorgia (Jasmine Trinca). O amplo painel traceja problema perpetuado nas democracias, como demarca o diretor: “A corrupção continua sendo nosso problema central”.

Numa jornada que promove a justaposição de artes como literatura, artes plásticas, música e fotografia, os irmãos vivenciam encontros e desencontros por Florença (na famosa enchente de 1966), pelas ilhas de Stromboli e Sicília, por Turim; junto a Roma, e até mesmo pela Noruega.
A melhor juventude: painel de 40 anos de uma família compactado em primorosa obra
Camada extra de encantamento em A melhor juventude está na trilha sonora. Além de The house of the rising sun e de peças de Ravel, Georges Delerue e Piazzolla, figuram a clássica A chi (na voz de Fausto Leali. Entre as personagens femininas, está a dúbia pianista Giulia (Sonia Bergamasco), a vivaz Mirella (Maya Sansa), e a excepcional interpretação de Adriana Asti (atriz de filmes de Luís Buñuel, Pier Paolo Pasolini e Bernardo Bertolucci), na pele de uma professora desiludida.
 
Recentemente, o senhor desenvolveu o longa O nome da mulher, com um tema bem atual: uma mãe solteira sofrendo os efeitos do assédio sexual. Como se sente, como testemunha da reivindicação diária das mulheres?
Quando eu comecei o filme, os tempos do movimento #MeToo ainda estavam longe; eu nunca esperava essa coincidência. Esse é um tópico muito importante, profundamente enraizado em nossa cultura, católica, fortemente familista e machista; é por isso que eu queria tratá-lo. Mais do que a comparação dos sexos, para mim, está ligada ao choque social, ao fato de que alguém depende dos favores de outrem e que ainda deva sofrer. Trata-se de uma injustiça e um mal-estar que senti desde criança e que sempre achei insuportável.

O senhor já pensou em expandir o universo de A melhor juventude? Quais seriam os elementos que poderiam levá-lo mais 
longe nas abordagens?
O filme conta o final dos anos 1960 e vai até 2000, 40 anos cheios de mudanças não apenas para a Itália, mas para a Europa e para o mundo inteiro. Os 20 anos desde 2000 atingidos hoje são igualmente interessantes, mas os testemunhos da história devem ser alterados. Não gostaria de vê-los resumidos à história de uma velhice. A história dos filhos daqueles personagens poderia ser contada e talvez um jovem diretor pudesse fazer isso, alguém em sintonia com seu tempo e as problemáticas contemporâneas.

Quais são as qualidades permanentes de A melhor juventude? Aliás, o senhor é um cara nostálgico?
De modo nenhum! Não sou nada nostálgico, não gosto de olhar para trás, sempre achei velhos pessoas entediantes que reclamam e se arrependem do passado. O futuro, por mais ameaçador e às vezes incompreensível, é muito mais interessante. A qualidade dos personagens de A melhor juventude é precisamente a curiosidade, a energia, a capacidade de questionar a si mesmos, a compaixão por quem cai e não consegue se levantar.

Enquanto assistimos ao seu filme, não podemos esquecer aspectos que, infelizmente, unem a Itália e o Brasil, como a corrupção. O que você acha da política atual nos dois países?
É o problema de todas as democracias no início deste milênio. Resulta da falta de educação geral, e da facilidade com que consentimento ou dissidência podem ser manipulados pela mídia — desde a televisão até os jornais, passando pela internet. No entanto, a corrupção continua sendo o problema central.

Nanni Moretti (de Habemus Papam e O crocodilo) e Paolo Sorrentino (A grande beleza e Juventude) têm sido ótimos para 
a Itália, como poetas no cinema? Em que nível você os admira? E o que dizer de Lina Wertmüller, revolucionária diretora de 
Pasqualino sete belezas (1975)?
Admiro todos os cineastas capazes de fazer filmes que eu nunca poderia fazer! Há muitos na Itália; penso em Marco Bellocchio (O traidor), Gianni Amelio (As chaves de casa), Matteo Garrone (Gomorra), Francesco Munzi (Almas negras)... E há muitos jovens talentos que estreiam a cada ano com trabalhos interessantes e corajosos. Lina Wertmuller é uma glória do cinema italiano e estou feliz por seu Oscar honorário (votado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para 2020). Além de tudo, ela realmente é uma mulher muito bacana.

A máfia e os crimes (dados filmes como Pasolini — Um crime italiano e Piazza Fontana) são assuntos que ainda o absorvem como artista?
Não necessariamente. Mas, querendo contar sobre meu tempo e meu país, tenho que enfrentar tudo o que isso implica: os momentos sérios e felizes, as crises, os escândalos, mas também a gloriosa vitalidade e imaginação dos italianos, capazes no passado de enfrentar grandes tragédias. Eu sei que eles também serão capazes de ultrapassar esTse período incerto e convulsivo.
  

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