Correio Braziliense
postado em 03/02/2020 04:36
Recentemente, o senhor desenvolveu o longa O nome da mulher, com um tema bem atual: uma mãe solteira sofrendo os efeitos do assédio sexual. Como se sente, como testemunha da reivindicação diária das mulheres?
Quando eu comecei o filme, os tempos do movimento #MeToo ainda estavam longe; eu nunca esperava essa coincidência. Esse é um tópico muito importante, profundamente enraizado em nossa cultura, católica, fortemente familista e machista; é por isso que eu queria tratá-lo. Mais do que a comparação dos sexos, para mim, está ligada ao choque social, ao fato de que alguém depende dos favores de outrem e que ainda deva sofrer. Trata-se de uma injustiça e um mal-estar que senti desde criança e que sempre achei insuportável.
O senhor já pensou em expandir o universo de A melhor juventude? Quais seriam os elementos que poderiam levá-lo mais
longe nas abordagens?
O filme conta o final dos anos 1960 e vai até 2000, 40 anos cheios de mudanças não apenas para a Itália, mas para a Europa e para o mundo inteiro. Os 20 anos desde 2000 atingidos hoje são igualmente interessantes, mas os testemunhos da história devem ser alterados. Não gostaria de vê-los resumidos à história de uma velhice. A história dos filhos daqueles personagens poderia ser contada e talvez um jovem diretor pudesse fazer isso, alguém em sintonia com seu tempo e as problemáticas contemporâneas.
Quais são as qualidades permanentes de A melhor juventude? Aliás, o senhor é um cara nostálgico?
De modo nenhum! Não sou nada nostálgico, não gosto de olhar para trás, sempre achei velhos pessoas entediantes que reclamam e se arrependem do passado. O futuro, por mais ameaçador e às vezes incompreensível, é muito mais interessante. A qualidade dos personagens de A melhor juventude é precisamente a curiosidade, a energia, a capacidade de questionar a si mesmos, a compaixão por quem cai e não consegue se levantar.
Enquanto assistimos ao seu filme, não podemos esquecer aspectos que, infelizmente, unem a Itália e o Brasil, como a corrupção. O que você acha da política atual nos dois países?
É o problema de todas as democracias no início deste milênio. Resulta da falta de educação geral, e da facilidade com que consentimento ou dissidência podem ser manipulados pela mídia — desde a televisão até os jornais, passando pela internet. No entanto, a corrupção continua sendo o problema central.
Nanni Moretti (de Habemus Papam e O crocodilo) e Paolo Sorrentino (A grande beleza e Juventude) têm sido ótimos para
a Itália, como poetas no cinema? Em que nível você os admira? E o que dizer de Lina Wertmüller, revolucionária diretora de
Pasqualino sete belezas (1975)?
Admiro todos os cineastas capazes de fazer filmes que eu nunca poderia fazer! Há muitos na Itália; penso em Marco Bellocchio (O traidor), Gianni Amelio (As chaves de casa), Matteo Garrone (Gomorra), Francesco Munzi (Almas negras)... E há muitos jovens talentos que estreiam a cada ano com trabalhos interessantes e corajosos. Lina Wertmuller é uma glória do cinema italiano e estou feliz por seu Oscar honorário (votado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para 2020). Além de tudo, ela realmente é uma mulher muito bacana.
A máfia e os crimes (dados filmes como Pasolini — Um crime italiano e Piazza Fontana) são assuntos que ainda o absorvem como artista?
Não necessariamente. Mas, querendo contar sobre meu tempo e meu país, tenho que enfrentar tudo o que isso implica: os momentos sérios e felizes, as crises, os escândalos, mas também a gloriosa vitalidade e imaginação dos italianos, capazes no passado de enfrentar grandes tragédias. Eu sei que eles também serão capazes de ultrapassar esTse período incerto e convulsivo.
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