Correio Braziliense
postado em 08/02/2020 06:15
Quando decidiu abrir uma editora, há mais de 15 anos, Charles Cosac tinha uma certeza: o primeiro livro deveria ser dedicado ao artista plástico Tunga. Lançou, então, Barroco de lírios, o primeiro livro da CosacNaify, nascido meio que aos trancos barrancos por conta de um texto crítico que nunca foi entregue e da necessidade do artista de ter uma monografia para levar, na época, para a Documenta de Kassel, na qual iria expor. Tunga, que Cosac acaba de lançar com o selo da editora, é uma espécie de encerramento de uma trajetória. São livros diferentes — a editora ainda faria mais dois volumes sobre o artista —, mas que se complementam. Barroco de lírios é um livro do artista, enquanto Tunga é o um livro sobre o artista. “Eu conheci a obra do Tunga quando tinha 13 anos. Eu já era metido A besta, era alto, ia às exposições. E quando abri a editora, a única coisa que sabia é que queria fazer um livro do Tunga. Era a única verdade que eu tinha”, conta Cosac. “Ele me entregou um livro de ouro que, já de cara, estabilizou o nome de uma editora que não existia. Ele me ajudou a fundar a editora cedendo o Barroco de lírios a uma pessoa que não tinha nada de experiência. E na hora de fazer este último, eu quis colocar o selo da editora, porque comecei com ele e queria que ele fosse o último da Cosac Naify, mas não o último do Charles Cosac.”
Com textos da escritora e crítica de arte britânica Catherine Lampert, que dirigiu a Whitechapel Art Gallery de Londres, e um glossário realizado por ela, pelo próprio Tunga e por seu assistente, Fernando Sant’Anna, o livro esmiúça a obra do artista num esforço de explicá-la e torná-la mais inteligível. “A obra do Tunga é difícil de entender, porque ele é muito circular. Tem que ter uma cultura que talvez eu não tenha. E acho que esse livro desembaraça um pouco e abre caminhos para outras possibilidades e mais estudos”, acredita Cosac.
O glossário de mais de 200 páginas traz fotos e explicações sobre 71 obras do artista realizadas entre 1974 e 2016. “Não tem uma foto tirada ou pousada, o livro é todo tirado do arquivo do Tunga na casa do Tunga, e isso deu muita complicação, porque eram mais de 80 fotógrafos a serem contactados para pedir permissão para o uso da imagem. São mais de 500 performances, e a gente teve que ter permissão deles todos. Foi um trabalho prosaico enorme”, conta Cosac. O próprio Tunga, morto em junho de 2016, participou do processo. “É um clássico contemporâneo, feito em momentos de muita calmaria e momentos de muito barulho. A gente quase fez um grupo de autoajuda, porque é difícil trabalhar esses textos do Tunga”, lembra o editor.
Trabalho de campo
O livro levou mais de 13 anos para ficar pronto. As constantes viagens do artista, o encerramento dos trabalhos da editora e a própria morte de Tunga, em junho de 2016, interromperam o processo várias vezes. Mas Cosac não queria deixar de fazê-lo. Também nem pensou em entregar para outra editora, como fez com obras sobre Mauro Restiffe (entregue à Cobogó) e Henrique Oliveira (editado pelo Sesc). “Adoro editar, publicar. E esse é um livro do qual tenho ciúme. Depois de 13 anos de trabalho, não tinha como entregar pra ninguém. Talvez a segunda edição…”, arrisca. Tunga foi publicado em 1.500 exemplares, dos quais 800 vão para doação e uma parte deve ser vendida a preços populares como cota da secretaria de Cultura do Ministério da Cidadania, que deu um aporte de R$ 150 mil via lei Rouanet para a confecção do livro. Segundo Charles, apenas 300 exemplares estão à venda.
Cosac não fala em reabrir a CosacNaify, mas também não descarta editar outros volumes com o selo. No momento, ele trabalha em um livro sobre Arthur Omar. “É o primeiro livro teórico dele. E ele não entrega. Estou na página 70, o livro está diagramado. Pra mim, Arthur Omar é a essência da inteligência”, garante, embora ainda não saiba que editora será responsável pelo volume. “Não quero ficar preso, tem que ser paixão”, avisa o editor, ao lembrar que ama editar, mas que chegou a ficar cansado do trabalho realizado na Cosac Naify. “Quando chegava uma monografia de artista, eu já não aguentava mais. Agora consegui, com esse glossário de Tunga, uma linguagem nova de livro. Eu tinha reunião editorial e dizia ‘nossas monografias morreram, a gente tem que criar uma nova linguagem’. Aí vinha livro redondo, retangular. Eles não entendiam o que eu estava falando. Eu queria uma nova cadência para o livro que não fosse aquela coisa de um texto, uma entrevista, uma cronologia”, conta.
Para Cosac, o maior concorrente das monografias não eram outros livros e sim o site dos artistas. “Eu ficava vendo o site do artista para ver o que não tinha. Virou um trabalho de eliminação. Você não sabe o que quer, mas sabe o que não quer”, explica. Para o aniversário de Brasília, Cosac também editou um livro sobre Gervásio Baptista em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF), no qual o fotógrafo trabalhou durante algum tempo. “Gervásio era uma lacuna na minha educação. Pelo fato de ter morado fora tanto tempo, eu cometo gafes. E eu queria fazer um livro para o aniversário de Brasília”, diz. Com texto do fotojornalista Alan Marques e um total de 140 fotos selecionadas do arquivo de 6 mil imagens de Baptista pertencentes ao STF, o livro será lançado em abril. “São fotos de bastidores, fotos que não saíram na revista Veja”, avisa Cosac.
Tunga
De Catherine Lampert. Cosac Naify, 372 páginas. R$ 200
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