Diversão e Arte

Confira a entrevista com o diretor francês Pierre-François Martin-Laval

Em entrevista ao Correio, o diretor francês fala sobre o drama 'A chance de Fahim'

Correio Braziliense
postado em 10/02/2020 08:13
Pierre-François Martin-Laval:

No filme A chance de Fahim (em cartaz na cidade), o diretor Pierre-François Martin-Laval enfoca a trajetória de um garoto aspirante a campeão de xadrez. Vê no enredo — que embaralha a vivência do menino imigrante de Bangladesh (na tela, o estreante Assad Ahmed) com a temática da ilegalidade —  tudo baseado em história real, uma brecha para falar de aspirações e de barreiras. “É graças às vitórias que nos colocamos em destaque e que podemos um dia falar sobre nós. Mas  é mais difícil defender uma causa, quando se é esquecido ou quando colocados nas sombras”, enfatiza.
 
Martin-Laval, que é ator do filme, conta, em entrevista exclusiva ao Correio, de dificuldades da produção, entre as quais administrar a genialidade do veterano Gérard Depardieu. Além disso, comenta de desafios como os de gravar os tabuleiros de xadrez, longe do tédio para o público. “Tomei a decisão de não ensinar xadrez aos espectadores. Não explicar as regras do jogo. Queria que entrássemos na cabeça dos jogadores e dos seus adversários, e não tanto no jogo em si”, reforça.

Qual é a sua opinião sobre as políticas adotadas pelo governo francês na questão dos imigrantes, tema de imediata relação com A chance de Fahim?
Devo admitir que antes desta história, eu era somente um cidadão pacífico, desamparado olhando as informações nas mídias. Eu fiz esse filme para me abrir para algumas questões. Desde então, não me tornei um revolucionário, mas eu tento ajudar o máximo possível. Quando eu divulguei o longa, inocentemente, acreditava que mudaria as coisas. Mas o filme não atraiu tanta gente a ponto de obrigar o governo a reagir frente aos meus ataques em entrevistas. Os telespectadores preferiram assistir filmes mais leves ou mais famosos como Coringa. Isso acaba legitimando a falta de reação do governo nessas questões. Eu sei que a França não faz o suficiente. Acredito que nós cedemos o direito de asilo a somente um terço dos pedidos. Diferentemente de outros países como a Alemanha, eu penso que devemos pensar em soluções que não dependam do Estado. É o ideal da fraternidade, que deveria estar presente em cada cidadão, que pode fazer a sociedade avançar.

Qual é a sua relação com jogos de xadrez, assunto potente no seu filme?
Relação nenhuma! Eu jogava xadrez quando era pequeno, bem pequeno, com o meu pai. Com o tempo e a preguiça, eu fui preferindo jogar damas. Será isso uma obsessão? Afinal, é um jogo ou uma guerra? É um jogo e também uma guerra. Na verdade, isso depende de cada um de nós. Para o Garry Kasparov (o maior enxadrista de todos os tempos), era uma guerra. Aparentemente, para o Magnus Carlsen (norueguês, campeão mundial de xadrez rápido, em duas ocasiões) também, e eu imagino que para todos os outros grandes jogadores também abracem a visão de se tratar de uma guerra.

Como você analisa a repercussão de filmes recém-lançados como Retrato de uma jovem em chamas e Os miseráveis,  que foram muito valorizados em termos de Globo de Ouro e Oscar?
Eu penso que na França sempre houve filmes divertidos envolvendo cineastas engajados. O cinema serve para transformar o telespectador, retirá-lo de seu cotidiano e elevar o seu espírito.

Que tipo de pressão sofreu ao trabalhar com Gérard Depardieu?
Primeiramente, quando um dos 10 maiores atores do mundo te diz sim, você fica feliz. Nos primeiros dias, eu precisei de um manual de instruções para gerenciar a criatura. Depardieu quis me colocar pressão, mas eu rapidamente recusei. Comigo é pegar ou largar, e como eu não tenho papas na língua, eu lhe expliquei como imaginava o fim do filme “com ou sem ele”. A partir desse momento, conseguimos uma ótima colaboração.

Ele te surpreendeu?
Gérard me surpreendia o tempo todo. Desde o momento que eu gritava “ação!”. Ele é tão experiente; ele vive cada segundo, cada momento. Ele dá o máximo de si no instante que a máquina começa a rodar. O que eu não consegui entender logo de início: é que, dependendo do que eu precisaria para a próxima cena, Gérard provocava seus colegas, com um único objetivo, para que algo aconteça durante a gravação seguinte. Se fosse uma cena de tensão ele agredia seus colegas, se fosse de ternura e cumplicidade, ele os fazia rir. Um dia lhe pedi um favor antes de uma cena. Dois meses antes de gravar, eu disse a Gérard: “Na cena do café da manhã, quando Fahim está na sua casa, eu gostaria que ele não tivesse mais medo de você; do seu treinador, e sim que ele descobrisse um irmão mais velho”. Gérard não esqueceu o meu pedido. Nas gravações, ele agia como um palhaço, não se segurava, por exemplo, quando estava com gases. Eu comecei a gravar e o pequeno Assad, e ele sorria, Gérard também. Assad trouxe um novo olhar, que eu jamais havia conseguido antes somente orientando-o. Nunca. É nisso em que Depardieu é um gênio.

Uma criança no set de filmagem pode ser um pesadelo, não (risos)? Como dirigir várias, simultaneamente?
Você tem razão! Na França, no set, a gente tem o costume de dizer “sem crianças, sem animais”. Mas Assad era fácil de lidar. Ele é muito talentoso! Rapidamente ele entendeu a profissão. Com a pequena Luna, não havia nada mais fácil. Um amor. Mas havia dois pequenos insolentes que eu tive que endireitar, o Gérard também se autorizou em certas ocasiões de pedir que fizessem silêncio. Mas, no geral, eu fui sortudo. Nós fizemos de tudo para que eles se sentisse bem. Depois de tomar gosto pelo jogo, eles passavam o tempo jogando xadrez.

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