Diversão e Arte

Biografia de Paulo Francis traça o retrato multifacetado do jornalista

Em 'Paulo Francis - Polemista profissional', Paulo Eduardo Nogueira traça um retrato agudo de um dos mais influentes jornalistas brasileiros das décadas de 1970 e 1980

Correio Braziliense
postado em 15/02/2020 17:35
Não se considerava um exilado, mas um expatriado, que deixou o Brasil voluntariamentePaulo Francis foi um dos gatilhos mais rápidos da imprensa brasileira. Escrevia sobre qualquer assunto com a mesma desenvoltura e senso de humor. Era polemista de carteirinha, guinou da esquerda para o liberalismo e se transformou em referência para várias gerações, algumas vezes pelo que tinha de pior.

Era agressivo e delicado, arrogante e divertido: “Atenção, massas, não riam, isso não é uma piada”, costumava brincar. Em Paulo Francis — Polemista profissional (Ed. Imprensa Oficial), Paulo Eduardo Nogueira traça um retrato agudo das múltiplas facetas do mais influente jornalista das décadas de 1970 e 1980: a inteligência e a soberba, o americanismo e o interesse pelo destino do Brasil, a mudança conservadora e a indignação com as desigualdades sociais.

Embora Paulo Nogueira confesse admirar Francis, não se esquiva dos temas complicados e não faz um perfil chapa-branca do personagem. Empenha-se em revelar o polêmico jornalista em toda a sua complexidade humana, demasiado humana. Desde muito cedo, sentia-se um estrangeiro nato, a um só tempo, distante e ávido do afeto brasileiro: “A timidez de Francis o levou à gagueira”, escreve o biógrafo.

Nascido no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, neto de alemães, Franz Paul Trannin Heilborn se tornou Paulo Francis nos tempos em que atuava no grupo Teatro do Estudante, dirigido por Pachoal Carlos Magno. Paulo Francis era o nome de um personagem do teatro de revista. Em 1952, teve a maior votação da crítica para a indicação de ator-revelação do ano.

Mesmo assim, resolveu abandonar o palco para se tornar crítico no Diário Carioca, onde exercitou o estilo coloquial, direto e contundente: “Nesses anos febris pré-1964, éramos felizes e não sabíamos. Pagamos até hoje por pensarmos que o arcaico, o ressentido, o bárbaro, o cruel, o reacionário, nos entregariam a rapadura numa simples batalha cultural”, escreveu Francis.

Ele costumava dizer que Millôr Fernandes e Rubem Braga fizeram uma faxina e uma revolução na língua portuguesa. Ensinaram a escrever simples e direto. Mas foi no Pasquim, o jornaleco desabusado que desfechou uma guerrilha de humor contra o arbítrio do regime militar, que o talento de Francis floresceu plenamente, numa mixagem muito singular de artigo, ensaio, diário e crônica. A arrogância era, quase sempre, atenuada pelo senso de humor: “Atenção, massas, não riam, isso não é uma piada”.

Certa vez, no Dia da Independência, o cartunista Jaguar publicou uma charge no Pasquim em que Dom Pedro I empunhava uma espada e, em vez de pronunciar a clássica frase (“Independência ou morte!”), dizia: “Eu quero é mocotó!”. A turma inteira do Pasquim, inclusive com Francis, ficou presa durante duas semanas. Francis apreciou o tempo livre para ler; mas se sentiu torturado, porque o carcereiro ouvia as canções de Wanderlea o dia todo.

Com o cerceamento imposto pelo regime militar, Francis se mudou para os Estados Unidos. No entanto, não se considerava um exilado, mas, sim, um expatriado, aquele que sai do país voluntariamente para viver em outro. A coluna Diário da Corte, na Folha de S. Paulo, e as intervenções no Jornal da Globo e no programa Manhattan Conection, transformaram Francis em uma celebridade.

Antes que algum humorista o imitasse, ele mesmo providenciou a sua caricatura, exagerando, com verve teatral, os tiques nas intervenções para a televisão. Repudiava a versão de que houvesse guinado da esquerda para a direita. Expatriado nos Estados Unidos, passou a acreditar que o Brasil precisaria de uma revolução capitalista: “Esta é a minha verdadeira virada política”, disse em entrevista à revista Veja: “Todo mundo diz: ‘Olha, o Paulo Francis que era de esquerda e agora virou direita’. Não sou direita nada. A economia deve ser entregue à economia privada.”

Isso o levou a apoiar Maluf e Collor. Esquecia que, para se tornarem potências mundiais, Estados Unidos e China fizeram investimentos pesados em infraestrutura e defendem as suas economias com medidas de proteção. O amigo Sérgio Augusto evitava falar sobre política com Francis. Trabalhador compulsivo, gostava de repetir: “Se colocarem uma moeda de 25 cents na minha boca, sai um  artigo.”

Era preconceituoso contra os nordestinos. Isso não está no livro, mas o fato é que o primeiro artigo de Glauber Rocha publicado na imprensa do Rio, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, editado por Reynaldo Jardim, tinha como alvo Paulo Francis.

Francis esnobava a taba, mas era ignorado nos Estados Unidos e amado no Brasil. O livro de Paulo Nogueira é magro, despretensioso, mas denso. Consegue traçar um retrato bem-humorado desse personagem contraditório, que acompanhou as oscilações políticas e culturais das últimas décadas no Brasil. Paulo Francis sai mais humanizado depois da leitura desse livro.

Trecho

Ênio Silveira costumava admoestá-lo pelo seu “joãoninguenismo” nos EUA. Na defensiva, postura incomum, Francis reagia dizendo que não seguiu carreira naquele país porque não quis. Até recebeu um convite para doutorado na Universidade de Indiana por conta de um ensaio que escrevera sobre a URSS. “Alguém duvida honestamente que eu não faria carreira nos EUA, se quisesse?”. Coerente com a sua condição de expatriado resistente a integrar-se de vez em outra cultura, Francis não mudou de nacionalidade nem requisitou um green card para trrabalhar livremente nos EUA: “Prefiro ficar nesse limbo entre os dois países”.

 
Em 'Paulo Francis - Polemista profissional', Paulo Eduardo Nogueira traça um retrato agudo de um dos mais influentes jornalistas brasileiros das décadas de 1970 e 1980 

Paulo Francis – Polemista profissional

Paulo Eduardo Nogueira/Ed. Imprensa Oficial. 54 páginas
 
 
 
 



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