Correio Braziliense
postado em 25/02/2020 06:30
Quando começou a imaginar o seu terceiro trabalho solo, a cantora e compositora Ligiana Costa queria investir em algo diferente. “Não consegui imaginar muito uma estética tradicional de música popular brasileira, com baixo, bateria e guitarra, porque já tinha ido para o universo experimental”, conta a artista, que investiu na música eletrônica nos dois álbuns anteriores. Agora, com EVA, ela apostou exclusivamente nas vozes. O novo trabalho é inteiramente vocal e contou com a direção musical de Dan Maia, com quem Ligiana havia feito uma parceria para a trilha da peça A língua em pedaços. “Me lembrei desse trabalho com ele, fiquei muito orgulhosa do resultado e pensei na ideia de fazer um disco vocal e também baseado em referências minhas como Björk e a cantora francesa Camille, que também trabalham os vocais. Pensei em usar a voz como instrumento, mas não imitando o instrumento. Esse era o pulo do gato. Durou um ano o processo. Eu não queria que as vozes estivessem imitando guitarras ou baixo, são vozes fazendo papéis vocais com acompanhamento do canto principal, que é o meu”, explica a artista.
Para dar forma sonora às oito faixas do disco, Ligiana contou com a participação de São Yantó, Bruna Lucchesi, Marina Decourt, Pedro Iaco e Lívia Nestrovski. Esta última, para a cantora, tem a voz mais bonita do Brasil. “Começamos a convidar cantores na mesma linha de experimentação vocal, que não fossem fechados no padrão. Então eles vinham e propunham coisas”, conta. As músicas foram compostas ao longo do processo. Radicada em São Paulo, mas brasiliense de coração — Ligiana nasceu na capital paulista e foi criada em Brasília —, ela compôs as músicas enquanto trabalhava no disco.
Todas as faixas têm nomes de mulheres e o próprio título, EVA, embora seja o acrônimo de Errante Voz Ativa, remete ao mito bíblico da mulher expulsa do paraíso por comer a maçã. Em Nice, primeira faixa do disco, Ligiana homenageia a companheira. Composta no momento em que as eleições polarizavam o Brasil, a canção pede um “consolo” para um mundo em destruição. “É sobre a tensão do que estava por acontecer e a preocupação de se a gente ia poder continuar andando nas ruas de mãos dadas”, lembra. “A partir daí, falei ‘cara, vou fazer cada canção com o nome de uma mulher'. Foi muito natural, parece que elas foram se apresentando para mim. Gosto muito dessa ideia de voz como arma, do canto como potência de batalha, é uma coisa barroca, porque venho dessa linhagem do canto antigo.”
A tristeza com o incêndio do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, levou a Luzia, uma homenagem às mulheres de forma geral, mas também um canto de dor, um lamento que se encerra no coro cantando “só uma mulher queimada, só mais uma”. Ná, com participação de Lívia Nestrovski, celebra a cantora e compositora Ná Ozzetti, e Lilith e Eva volta à mitologia em uma releitura particular: Lilith seria a serpente que oferece a maçã e salva Eva. Ligiana é encantada pelo mito bíblico desde a infância porque enxerga em Eva a primeira curiosa da história, figura que acabou carregando uma culpa para o resto dos tempos por querer descobrir o desconhecido. Na música, Lilith e Eva se colocam como irmãs.
Outra homenagem forte está em Nesrin, novamente com participação de Lívia Nestrovski. Ligiana queria falar de guerreiras e encontrou em Nasrin Abdalla, uma curda que hoje está à frente da luta pela proteção das mulheres curdas na Síria, uma personagem de peso. “É uma mulher num país destroçado, que poderia ser vários países, é uma pessoa que existe, uma das líderes da revolução de mulheres curdas”, conta Ligiana, que gravou o disco em parceria com a YB Music, de São Paulo, e contou com a pós-produção do baiano Gilberto Monte, responsável pela finalização vocal.
EVA
YB Music, 8 faixas. R$ 15,20
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