Correio Braziliense
postado em 29/02/2020 04:07
Entre as equações que regem o incremento de público de cinema e a constância de produção do conteúdo nacional, criou-se uma expectativa — a exemplo do que acontece mundo afora — com a interferência das gigantes do streaming na produção audiovisual. O tema é muito complexo e imprevisível, como reforça o diretor Marcelo Brennand, uma das promessas da estreia na ficção (com o longa Curral) e que se vê integrado à força do cinema pernambucano, que tanto tem repercutido nos cenários nacional e internacional. Tratando da conquista de votos de político, no interior arrasado por crise hídrica, Brennand não desconversa, quando vislumbra o painel futuro do cinema brasileiro com o streaming e a defasagem de legislação.
“A tecnologia muda radicalmente toda cadeia audiovisual. A internet potencializou a distribuição digital, o que diminuiu drasticamente a vida útil de um filme no cinema. O caminho para sermos mais competitivos é a regulamentação do Estado para cota de tela no streaming, assim como houve na TV a cabo; aliás a qualidade audiovisual que atingimos hoje no Brasil é decorrente da cota”, opina.
Curral, o longa que Marcelo filma em Gravatá (PE), desde a composição técnica se mostra afinado com tendências exitosas do cinema brasileiro recente: atores dos cultuados Bacurau e Tatuagem (respectivamente, Thomás Aquino e Rodrigo García) integram o elenco, e a direção de arte coube a Juliano Dornelles, renomado em Cannes 2019, e associado a sucessos como Aquarius e O som ao redor.
A percepção do estreito laço entre cultura e política que norteará Curral advém do documentário Porta a porta — A política em dois tempos (feito por Brennand, em 2008), que abria discussões sobre o sistema eleitoral e de como ele impacta contradições cotidianas capazes de abranger o público e o privado e o legal e o legitimado, além do correto e o praticado. “Hoje, o filme Curral, que tem como elemento dramático a falta de água, apresenta um recorte claro do ponto de vista de alguém que, em princípio, está fora da política, mas inserido no processo eleitoral como massa de manobra”, revela, adiantando que o microcosmo de uma sociedade do agreste incita um espaço de observação para se “olhar um país”.
Mudanças sociais
Resistência, impulso e frescor de linguagem se ajustam aos ideais do cineasta Brennand entusiasmado com a expressividade de o Brasil, em 2020, ter contado com a seleção de 19 filmes para Berlim. “O cinema é um instrumento importante para retratar as mudanças sociais — dá voz aos não detentores de poder e ajuda a desvendar o mundo. A história do cinema brasileiro, é de resistência. Passamos pela censura e, na década de 1990, foi extinta a Embrafilme: foram quase quatro décadas de resistência e resiliência”, analisa.
Vislumbrando um quadro de incerteza no governo federal, o cineasta reforça que Curral, ao lado de uma leva de lançamentos de 2020, foi produzido com recursos provenientes de 2018. “Nos momentos de crise surgem filmes e cineastas que retratam a realidade atual do nosso país no exterior”, pontua.
O sucesso internacional de colegas de profissão como Petra Costa e Kleber Mendonça Filho, por Brennand, é visto como “o cinema nacional exercendo seu poder de diplomacia”. Para encerrar, ele demarca a recorrente visibilidade do Brasil no exterior, especialmente no “mais político evento de cinema do mundo”: o Festival de Berlim (cuja 70ª edição será encerrada hoje). “Só nos últimos três anos, Berlim contou com a presença de 43 filmes brasileiros. Isso é um marco! Mostra que a política está enraizada na nossa cultura”, conclui.
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