Diversão e Arte

Conheça as curadoras que movimentam a cena das artes visuais no DF

Preocupadas com a formação de público, Gisel Carriconde e Cinara Barbosa mergulham em projetos que combinam engajamento e pesquisa

Correio Braziliense
postado em 08/03/2020 06:15
Na deCurators, Gisel Carriconde prioriza a experimentação e a troca entre artistas, curadores e público
A pesquisa sempre pautou o caminho de Gisel Carriconde e de Cinara Barbosa. E em muitos níveis. Mas foi na prática que o nome das curadoras ganhou o circuito das artes visuais de Brasília. Agora, elas estão juntas em um projeto que envolve a história da cidade, o patrimônio e diferentes gerações de artistas plásticos. Iniciado em 2019, Obra Arquivo MAB se estende até abril, quando será encerrado com uma exposição e o lançamento de um catálogo.

A ideia começou a tomar forma em 2017, com uma ocupação do prédio abandonado do Museu de Arte de Brasília (MAB) por parte de um grupo de artistas reunidos por Gisel. Menos de dois meses depois, a obra de reforma da instituição foi autorizada e as performances acabaram suspensas. Engenheiros e operários da construção ocuparam o local e Gisel deu início a uma segunda fase do projeto: realizar residências de um mês com 18 artistas em meio às obras. Conseguiu as autorizações e, quando o dinheiro do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) saiu, ela já estava envolvida em outros projetos. Foi, então, que Cinara entrou para organizar as residências, que estarão em um catálogo e em uma pequena exposição na galeria deCurators em abril.

O Obra Arquivo MAB é a junção de duas trajetórias que, há mais de uma década, se destacam na tentativa de formação de público e criação de um circuito de artes visuais na cidade. Nem sempre, no entanto, o caminho das duas foi pautado pela área. Gisel se formou em matemática antes de chegar às artes. Uma crise, aos 27 anos, quando dava aulas da matéria no Colégio Militar, a levou a desistir dos números e investir nas artes. Formou-se na Universidade de Brasília (UnB) e partiu para um mestrado em Londres. De volta ao Brasil, o trabalho da artista havia mudado: da pintura, ela passou à instalação e começou a alimentar o interesse pela curadoria, por expografia e por coleções.

Como servidora do Banco Central, Gisel assumiu, aos poucos, a organização do acervo da instituição e realizou ciclos de exposições que ligavam as obras à história sociopolítica e das artes no Brasil, além de fazer um catálogo raisonné da coleção. Em 2012, quando voltou do doutorado realizado em Londres, ela decidiu transformar o pequeno estúdio em uma sala na comercial da 412 Norte numa galeria dedicada a instalações. A deCurators nasceu como um espaço de experimentação para a própria Gisel e para artistas amigos, mas a pequena sala de 24 m² cresceu em importância e se tornou uma referência para os artistas da cidade.

Foi, também, uma maneira de se livrar da burocracia dos editais para conseguir espaço e financiamento. “Voltei determinada a usar esse espaço do ateliê. Eu tinha mudado para uma casa grande, então podia usar o espaço deCurators para esse exercício sem esperar dois anos e a burocracia dos editais”, conta. “E ele começou a tomar uma dimensão de centro cultural. Comecei a fazer um processo semelhante ao que fazia no banco, que é gerar esses eventos culturais, sempre tentando dinamizar a exposição, trazendo público novo, trazendo pessoas para falar, mostra de filmes, tentando engajar as pessoas.”

Instalações, performances, encontros e conversas com curadores, projetos de acompanhamento com produção de textos e exposições acabaram entrando para o cronograma da deCurators. De lá saiu o Ciclo Curare, um encontro produtivo entre curadores importantes da cidade e jovens artistas. Agora, Gisel está de olho no público mirim. Este ano, ela se debruça sobre o deCurators vai à escola, com o objetivo de promover encontros entre alunos e artistas. “Comecei como um espaço de formação de artistas que eu sabia que trabalhavam com instalação e tinham pouca visibilidade. E agora somos um espaço de experimentação”, observa.

Experimentação

Cinara Barbosa criou o Plano das Artes, circuito no qual galerias e ateliês ficam de portas abertas ao público

A formação de público também despertou o interesse de Cinara Barbosa. Formada em jornalismo, nascida no Ceará e criada no Rio de Janeiro, ela desembarcou em Brasília para acompanhar o marido, o fotógrafo André Vilaron, em 2004. Na capital fluminense, ela criou, junto com o fotógrafo Milton Guran, o FotoRio, festival de fotografia hoje na 11ª edição, e fundou a galeria Câmara Clara, um espaço na Urca dedicado à experimentação.

Em Brasília, Cinara passou a integrar o corpo docente do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (IDA/UnB). A pesquisa relativa à formação de público e ao diálogo do artista com sua cidade sempre foi um ponto de interesse e passou a orientar os projetos da curadora, que, durante um tempo, esteve à frente da curadoria do Elefante Centro Cultural.

Em 2018, ela criou o Plano das Artes, um circuito de portas abertas de galerias e ateliês durante o qual artistas e curadores se propõem a receber o público com exposições e conversas. Este ano, o evento deve ocorrer em novembro. Uma pesquisa em conjunto com a curadora australiana Anni Doyle, do Canberra Contemporary Art Space (CCAS), promoveu residências como a realizada por Christus Nóbrega na Austrália, fundamental para a exposição Labirinto. “A pesquisa é pensar como os artistas contemporâneos têm trabalhado ou tratam de alguma forma de suas cidades e, nesse aspecto, como é estar imerso na ideia utópica da cidade planejada, que é o que constrói o laço de unidade entre as duas capitais”, explica, lembrando que Camberra, a capital australiana, é fruto de um concurso realizado no início do século 20.

Essa relação com a cidade também está em Obra Arquivo MAB, no qual Cinara ficou responsável pela orientação crítica das residências. “Fizemos visitas técnicas, reuniões de contato entre todos e depois cada grupo teve sua experiência no lugar. O legal era mesclar, abrir esse arquivo e pensar as variadas experiências. Então tinha grupos de artistas que viveram o MAB na sua abertura, que já viveram o MAB por ocupação, há dois ou três anos, e artistas que não conheciam o MAB. Interessava-me trabalhar com esses três níveis de memória e pensar o que fazemos com nossos patrimônios”, conta. A curadora queria que, além da experiência da ocupação, os artistas pudessem entrar em contato com a história da instituição e, a partir daí, produzissem suas próprias memórias e afetos em relação ao museu. O MAB vai reabrir com uma cara nova mas, graças aos artistas, terá sua trajetória registrada de forma poética.

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