Correio Braziliense
postado em 09/03/2020 06:30
“Nós mulheres só conseguimos escolher nossos passos, quando entendemos a quantidade de padrão que o mundo nos impõe. De posse dessa consciência, podemos escolher o que será um padrão na nossa vida e o que será do nosso jeito”, afirma a atriz, produtora e autora Suzana Pires. Não à toa, ela estabeleceu o empoderamento e a sororidade como padrões, se posicionando como uma voz feminina dona de si, e criou um texto que revela “que de perto ninguém é normal”.
Munida de uma carreira artística que conquistou o público, as novelas e minisséries, Suzana fez do talento uma ferramenta de transformação social. Primeiro, estreou uma coluna na qual aborda empoderamento e atitudes que reforçam o apoio e o respeito ao gênero feminino. Em seguida, os textos ganharam vida e viraram o Instituto Dona de Si, um fomentador e acelerador de talentos femininos, que auxilia as mulheres a trabalharem em profissões nas quais são minoria.
Suzana esteve em Brasília para participar da edição especial do Dia Internacional da Mulher do Venâncio Shopping. O Correio aproveitou a vinda da atriz, filósofa, produtora e autora para conversar sobre a carreira, o Instituto, questões do universo feminino e o filme De perto ela não é normal, que estreia em abril.
O Instituto Dona de Si tem dois anos, qual a avaliação que você faz desse período?
Realmente, não imaginava que, em dois anos, fossemos conseguir impactar mais de mil mulheres diretamente, conseguir patrocínios e parcerias de grandes marcas. Fiz um investimento inicial, mas me coloquei no lugar de captadora social, algo que jamais tinha vivido. Deu certo porque o mercado está precisando apoiar ações afirmativas e transformadoras. E, eu tenho uma equipe muito séria e competente.
A Suzana mudou no decorrer desses anos?
Sim. Mudei muito. Hoje em dia minha vida não gira ao redor do meu umbigo. Hoje, o que me faz brilhar é iluminar outras mulheres.
Você criou o Instituto para ser um acelerador. Até quando você acha que as mulheres vão precisar de um acelerador para estar em posições e profissões nas quais são minoria hoje?
Nós ainda vamos precisar de aceleração durante muito tempo. Herdamos um DNA histórico de sermos o apoio onde estivermos e quebrar essa tradição para nos tornarmos líderes das nossas jornadas requer tempo, adesão e transformação social.
O que é ser empreendedora de si? E ser líder?
Ser empreendedora de si mesma é ser líder da sua própria vida, estar comprometida com seus objetivos, alinhada com seus propósitos, entusiasmada com suas ações e saber que a responsabilidade da sua vida cabe as suas escolhas e não a qualquer outra pessoa. Protagonismo quer dizer “prota” primeira e agon quer dizer campo de batalha, em grego; portanto, uma mulher protagonista é a primeira que toma as pancadas, mas é a que lidera sua caminhada.
Quando você sentiu que era o momento de usar a Suzana atriz como porta-voz de uma causa? E por quê?
Quando eu me tornei autora titular na maior emissora de TV da América Latina e atriz popular da mesma empresa, ao mesmo tempo. Adquiri uma consciência do meu lugar como mulher e precisava compartilhar isso com a minha voz e não mais por meio somente de personagens. Daí, nasceu a coluna Dona de si, que é a origem de tudo isso que venho fazendo.
Quais as maiores dificuldades você ouve das mulheres que tentam entrar e também permanecer no mercado de trabalho?
As maiores dificuldades são ter que lidar com a opressão machista diária, que é velada, mas muito concreta para quem a recebe; a falta de apoio em ambientes masculinos e lidar com o julgamento social em ser uma mulher comprometida com sua caminhada e não mais a passiva na mão do destino.
Você acha que vivemos personagens no nosso dia a dia para se impor, para conquistar determinadas posições?
Muito! Mas, a cada dia que passa conquistamos o direito de nos emocionar numa reunião, de falar que estamos tomando tal decisão baseadas na nossa intuição e que a TPM pode nos deixar abaladas, mas que a sensibilidade que ela traz, não tem preço. A cada dia eu quero ser mulher com tudo que tenho direito! Não é fácil.
O ex-produtor de cinema Harvey Weinstein foi condenado por ataque sexual e estupro nos Estados Unidos. Qual o impacto da decisão para o movimento #MeToo?
Essa decisão da justiça trouxe um impacto muito positivo para o movimento #metoo e para as mulheres no mercado de trabalho. Hoje, o assunto assédio está em cima da mesa e não embaixo do tapete.
E o aumento dos casos de feminicídio no Brasil?
Curioso que nós mulheres passamos a morrer cada vez mais, à medida que nos empoderamos. Isso é um caso de saúde mental pública masculina. Homens assassinando mulheres que escolheram sair daquelas relações.
Sobre De perto ela não é normal, por que acha que chegou a hora de levar a história do palco para o cinema?
A peça foi assistida por mais de 500 mil pessoas no teatro. Está na hora de ser imortalizada no cinema e levar ainda mais gente para curtir uma história tão inspiradora.
Como foi a escolha do elenco e da equipe?
Usamos a “cláusula de inclusão” e descobrimos muitos talentos e trouxemos para o mainstream, principalmente talentos femininos. O elenco eu escalei junto com a Cininha de Paula, diretora e privilegiei artistas que admiro e amigas que amo.
Quais foram/são suas mulheres inspiradoras, já que no filme sua personagem tem isso na professora, na chefe?
Chimamnda Addichie, Anna Muylaert, Ophra, Aniele Franco, Sueli Carneiro, Simone de Beauvoir, Hannah Arendt.
Como mulher, você acha que chegou em algum lugar? Por quê?
Já achei que tivesse alcançado um “lá”, mas a vida me levou a transformar e refazer esse lá de acordo com meus valores e não parar nunca de me comunicar com o público. Acho que hoje eu tenho a responsabilidade de levar uma mensagem positiva para as pessoas com meu trabalho.
Você se considera Dona de Si?
Desde que nasci. Aos 14 anos, meus pais me presentearam com a coleção da Simone de Beauvoir porque, se eu já tinha esse jeitinho (risos), deveria me preparar intelectualmente para assumi-lo na vida adulta.
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