Correio Braziliense
postado em 24/03/2020 04:06
“Seja uma mulher que levanta outras mulheres” transformou-se em um ditado popular de sororidade na luta pelos direitos e conquista de espaços de atuação da mulher. No Distrito Federal, dois grupos, compostos só por mulheres, usam a arte como ferramenta de representatividade, de intervenção e de protagonismo feminino no cenário cultural.
Tamatatíua Freire, mais conhecida com Jamelinha da Mangueira, é historiadora, professora, e diretora artística do projeto Bumba Maria Meu Boi. Filha do mestre Teodoro, Tamá cresceu em uma espécie de colônia cultural do Maranhão, instituída em Sobradinho, e aprendeu desde cedo a preservar e dar continuidade à tradição trazida pela família. “Comecei no boi brincando de índia, depois fui para o cordão tocar matraca e maracá. Depois, comecei a compor toadas e, atualmente, estou na função de cantar”.
O projeto desenvolvido sob direção da historiadora faz parte do Circuito Candango de Culturas Populares, com produção da Rosas dos Ventos, e visa apresentar um bumba meu boi constituído só de mulheres. “O nome Bumba Maria Meu Boi surgiu inspirado no meu trabalho da especialização na UnB: “Entre linhas, matracas e ladainhas — As Marias do Boi de Teodoro”, onde eu dei visibilidade àquelas mulheres da cultura popular em Sobradinho”, explica.
Junto à Associação de Mulheres de Sobradinho, o projeto conta com oficinas de música, dança, teatro e percussão, que são realizados durante oito meses, culminando na apresentação do Auto do Boi e o centenário do Mestre Teodoro, em setembro e novembro, respectivamente. A saída do Boi maranhense é cheia de música, teatro, dança, batuque e cantos típicos. “A proposta é formar um grupo com 20 mulheres de todas as idades para compor o Bumba Maria Meu Boi. Estamos fazendo rodas de socialização e troca de vivências. Muitas delas são do Maranhão e já brincaram na infância, o que nos alegrou bastante”, conta a historiadora cultural.
No início do processo as componentes do grupo conheceram os instrumentos musicais, e agora entraram na fase de aprendizado da brincadeira, para que possam escolher em qual papel querem atuar. O próximo passo é construir com as participantes algumas peças do figurino. Sobre a importância do incentivo à participação feminina em atividades de culturas populares a professora tem uma visão bem clara: “As mulheres são muito guerreiras em todos os sentidos. Entretanto, esse protagonismo não aparece porque vivemos numa sociedade ainda muito machista, em pleno século 21. Levá-las a esses espaços da cultura é muito importante para a valorização dessas mulheres”, reflete Tamá.
Samba das sete
Kika Ribeiro, cantora e compositora brasiliense, empresta os vocais e compõe o grupo Samba das Sete Mulheres, outro movimento de muito protagonismo e força feminina com expressão cultural. A proposta agrega dois elementos arraigados na cultura brasileira: samba e culinária, e surgiu do sonho da mãe de santo, Jacilene Monte, também psicanalista e terapeuta. “O projeto traz como fundamento a celebração à ancestralidade afro brasileira, assim como, o empoderamento da mulher negra na cultura afro e no samba”, explica a cantora.
Dando ênfase no caráter multidisciplinar do projeto, a equipe de trabalho é formada por profissionais diversificadas: Kika Ribeiro atua como intérprete, compositora e cantora; Débora Monte, nutricionista e acadêmica no curso de gastronomia; Cláudia Rodrigues, contadora e responsável pela administração do projeto; Keila Rocha, pedagoga e escritora; assessoria técnica da especialista em projetos Karita Pereira da Silva.
A criação e a ocupação de espaços para se pensar o protagonismo da população negra brasileira, com destaque às mulheres, também são um dos objetivos do projeto: “Num país cuja estrutura social e histórica são pautadas pelo racismo e extermínio da população negra, essa população criou formas de existir e resistir. O samba é uma das nossas resistências e a culinária um legado que brancos e negros apreciam sem distinção”, reflete Kika Ribeiro.
*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira
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