Correio Braziliense
postado em 30/03/2020 04:26
Do limão, a limonada. O ditado pesou com força quando a nova diretora-geral do 7º Biff (Brasília Internacional Film Festival), Anna Karina de Carvalho, se percebeu num beco quase sem saída: o festival de cinema, já com turbinas ajeitadas, não decolaria, diante da eclosão da Covid-19. “Optamos pela readequação do formato, ampliando o evento para o Brasil inteiro, via on-line e, ainda, sem cobrança de ingressos. Foi fundamental no processo, o entendimento do secretário de cultura Bartolomeu (Rodrigues da Silva). Ele me disse que estava presenteando a cidade, justo no aniversário dela”, diz, com pitada de orgulho, Anna Karina.
A estimativa de público ultrapassa a casa dos 10 milhões de acesso, para o evento a ser inciado em 21 de abril e encerrado seis dias depois. Orçado em R$ 938 mil, o Biff terá R$ 390 mil assegurados por meio de edital do FAC (Fundo de Apoio à Cultura), o resto será viabilizado pela ponte de apoio ofertada por embaixadas da capital, pelo Sesc e por meio do Cine Brasília, além da plataforma de streaming Looke.
Na seleção oficial haverá oito títulos inéditos, entre ficções e documentários. Junto com Anna, Pedro Butcher, Priscila Miranda e Marcio de Andrade exerceram a curadoria da festa que migrou do Cine Brasília para a casa dos espectadores, via internet. Mais detalhes estarão no site www.biffestival.com (a ser liberado, ainda, na semana).
“Brasília é a cidade que nasceu sendo filmada; então nada mais esperado do que a tomada de dianteira no pioneirismo de um festival do porte montado integralmente on-line”, observa Anna Karina. Ela adianta que estão previstos chats com os diretores dos longas e debates: tudo a ser conferido na telinha do computador. “É o reforço na ideia do “fique em casa”, tão necessário”, ressalta. Ela avança, observando o comportamento das estrelas de cinema ávidas por interação com o público. “Elas estão em casa, vivendo na Matrix de casa”, brinca.
Entre os filmes a serem exibidos estão: Corpus Christi, concorrente polonês ao Oscar; We are little zumbies, um cult asiático moderno e uma rara fita do Curdistão (Blue Girl), ficção em que uma jogadora mirim de futebol, sem muito contato com o exterior, se vê aprimorada em campo, numa época paralela à realização da Copa do Mundo.
O Biff assegurou, ainda, a primeira exibição brasileira de Liberté (premiado pela crítica na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes), e dois títulos politizados: Mapa de sueños latinoamericanos e Encantado, que focaliza o bairro carioca avizinhado do Méier, e que expõe a visão dos trabalhadores para o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Calibrado com feminismo, a ultraindependente produção The friend teacher juntou produção turca à norte-americana, para revelar detalhes sociais levantados em meio a um califado. Quase a totalidade da equipe do filme é composta de mulheres.
Passado e futuro
Aficionada em cinema, Anna Karina, que foi programadora de filmes (para o Liberty Mall), curadora do último Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e teve, na juventude, participação numa videolocadora paulistana, terá no 7º Biff o gostinho de um tempero especial: batizada em homenagem à estrela francesa dos filmes de Godard (morta no ano passado), da qual se tornou amiga, ela verá a projeção de um documentário em torno da musa da nouvelle vague francesa, conduzido pelo viúvo (Denis Berry).
Dois outros pontos fortes do Biff prometem cercar a reverência (com tributo ao astro Kirk Douglas, morto aos 103 anos de idade) e de inovação, a partir da proposta do Biff Junior, voltado para jovens e adolescentes. O crítico de cinema Mário Abbade dará aulas mapeando detalhes de cada um dos filmes, prévios às exibições dos filmes de Kirk, entre os quais A montanha dos sete abutres, Sede de viver e Spartacus. “São clássicos que falam de caça às bruxas, da disseminação de fake news e da beleza da arte”, comenta Anna Karina.
Cria dos Festivais Internacionais de Roterdã e de Estocolmo, Anna Karina tem no segmento Biff Junior o que seria a menina dos olhos. O bom termômetro juvenil está em casa e atende por Julia, a filha de 10 anos. “Além do gosto pelo cinema, ela é crítica e questionadora até mesmo das notícias dos jornais”, conta.
O Biff Junior contará com curadoria jovem e corpo de jurados juvenis. “A ideia é ir além da função de formação de público. A ideia é contemplar um público entre 9 e 17 anos. Tive estudos na Escandinávia e quero ver aplicados conceitos do mestrado em formação crítica. Os jovens têm que ser estimulados até a faixa dos 12 anos para responderem com potencial crítico”, conclui.
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