Diversão e Arte

Autores indicam livros sobre isolamento: tema é comum na literatura

Milton Hatoum, Michel Laub, Joca Terron, Adriana Lisboa indicam leituras que vão do terror à reflexão

Correio Braziliense
postado em 04/04/2020 04:06
Milton Hatoum
A literatura está cheia de prosa e verso sobre isolamento. Pode ser distopia, ficção científica, poesia, existencialismo, horror, violência, contemplação. O isolamento social ou psicológico é um tema constante e rendeu clássicos como a peça Entre quatro paredes, de Jean Paul Sartre, Moby Dick, de Herman Melville, e Robinson Crusoé, de Daniel Dafoe, só para citar uns poucos. O Correio pediu a autores consagrados da literatura contemporânea brasileira que escolhessem algumas leituras sobre isolamento para serem consumidas na quarentena. Alguns, como Adriana Lisboa, estão fora do país. A escritora vive em Austin, no Texas (Estados Unidos) e está há mais de três semanas em confinamento. Outros, como André de Leones, já escreveram sobre o tema. Em Dentes negros, ele imagina uma sociedade apocalíptica na qual restaram poucos seres humanos. E há muitos, como o premiado Milton Hatoum, que escreveram sobre o vazio e a solidão, mas a filosófica e existencial. Veja abaixo as recomendações de quem produz ficção e encontra na leitura um alento para tempos difíceis.



Milton Hatoum
Autor de Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Cinzas do Norte, todos vencedores do Prêmio Jabuti, Milton Hatoum escolheu A gaiola, um “livrinho” recém-lançado pela Editora 34 e escrito pelo mexicano José Revueltas.
“A gaiola faz um recorte da vida degradante de três presidiários numa penitenciária da Cidade do México. Conciso, denso, narrado com traços de oralidade, o livrinho de Revueltas é ainda um exercício de estilo, bem ajustado a um gênero literário difícil: a novela. A estranheza, a violência, o horror do cotidiano são metáforas da descida ao inferno. Enfim, uma metáfora do nosso tempo.”

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Giovana Madalosso
Finalista do Prêmio Clarice Lispector de 2017 com o livro de contos A teta racional e autora do romance Tudo pode ser roubado, Giovana Madalosso escolheu dois livros. Para “espairecer”, ela indica Nostalgia, do romeno Mircea Carterescu. E para refletir, ela sugere A terra inabitável, do jornalista americano David Wallace Wells.

Nostalgia: “Um romance que rompe convenções, composto por cinco partes autônomas, e lança o leitor para bem longe daqui, para uma Bucareste fantástica e para o encantador universo onírico de Cartarescu”.

A terra inabitável: “A crise da Covid-19 pode ser considerada a ante-sala da futura (e nada distante) crise climática. A terra inabitável ajuda a entender os desdobramentos e as formas de combate a essa outra catástrofe que vem em nossa direção”.



Adriana Lisboa
Oficialmente, Austin, no Texas, declarou estado de “shelter in place” na semana passada por causa da epidemia do coronavírus, mas o auto-isolamento começou há muito para Adriana Lisboa, que mora na cidade e dá aulas na universidade no Departamento de Espanhol e Português da Universidade do Texas. “Na prática, estamos vivendo (isso) há um par de semanas”, conta. Para pensar sobre o viver isolado, ela indica Entre quatro paredes, uma peça escrita por Jean-Paul Sartre em 1944 e que traz a frase clássica “o inferno são os outros”. Na história imaginada pelo filósofo francês, três personagens estão confinados em uma misteriosa sala sem que se saiba exatamente o porquê.

“É um texto que trata da liberdade humana, de que modo a concebemos e como ela se manifesta no âmbito das nossas relações. Penso que a nossa atual quarentena é um momento apropriado para refletir sobre como queremos que seja a era pós-Covid, e de que modo podemos finalmente encenar um real humanismo não apenas no modo como nos relacionamos com os outros humanos em toda parte mas também com os animais, rios, mares, florestas, montanhas. Quem sabe finalmente entendemos que a liberdade de uns não pode significar o inferno dos outros.”



Joca Terron
Em seu romance mais recente, A morte e o meteoro, Joca Reiners Terron narra a trajetória de um personagem em um cenário distópico no qual precisa evacuar índios da Amazônia enquanto os chineses fazem planos de habitar Marte. Para o isolamento, ele recomenda a leitura de Um homem que dorme, do francês Georges Perec, cuja única edição brasileira, da Nova Fronteira (1988) está fora de catálogo, mas pode ser encontrada em PDF na internet.

“E o bom é que o PDF, no máximo, infecta somente computador, né. A história de um estudante em crise, solitário, em estado letárgico, trancado em si mesmo e em sua água-furtada, relata aquela dúvida do início da vida adulta: o que fazer a partir de agora, e como? É um clássico de um dos maiores romancistas do século XX, senão o maior.”



André de Leones
Nascido em Silvânia, no interior de Goiás, André de Leones ganhou o Prêmio Sesc de Literatura em 2006 com o romance Hoje está um dia morto e, desde então, publicou outros seis livros e foi finalista de prêmios como o Oceanos, São Paulo de Literatura e Jabuti. Se tivesse que escolher um livro sobre isolamento, seria O terror, de Dan Simmons. É, como diz o título, um livro de terror inspirado em caso real. Em 1845, dois navios (Erebus e Terror) zarparam da Inglaterra capitaneados por John Franklin, oficial da Marinha Real e explorador calejado, com o objetivo de encontrar a Passagem Noroeste, que liga os Oceanos Atlântico e Pacífico na região do Círculo Polar Ártico.

“A tripulação contava com mais de uma centena de homens e havia provisões para uma viagem de três anos. O problema foi que, pelo segundo verão consecutivo, não houve degelo naquelas paragens e os navios acabaram presos ao norte do Canadá. E aqui a imaginação de Simmons começa a trabalhar para valer: além das óbvias questões de sobrevivência inerentes ao isolamento em uma região tão inóspita, os membros da expedição são acossados pelo que parece ser um animal gigantesco. Eles, então, tentam empreender uma fuga a pé, através do gelo. Como se pode perceber desde o título, trata-se de uma história de terror, tornada ainda mais horripilante porque muito dela aconteceu de fato. Claro que Simmons reinventa a coisa a seu modo e inclui diversos elementos fantásticos, mas, ao final da viagem, fica bastante claro quem é o maior responsável por aquilo que é aludido desde o título: o próprio homem.”



Michel Laub
Autor de seis romances, o gaúcho Michel Laub se volta para a italiana Natalia Ginzburg em tempos de isolamento. Nascida em uma família judaica da Sicília, Natália viu o pai e os irmãos serem perseguidos pelo regime fascista durante a Segunda Guerra. Seus livros mais conhecidos são o romance Léxico familiar e As pequenas virtudes, uma reunião de ensaios que Michel Laub recomenda para tempos de incerteza e recolhimento.

“É um misto de memória e conjunto de ensaios, escritos em épocas diferentes, mas com a mesma característica: uma inteligência afetuosa, digamos, partindo de algo que nos diz bastante respeito no momento: a visão de alguém que viveu um período histórico muito difícil (o fascismo italiano, a Segunda Guerra) e encontrou forças na vida miúda da casa, do dia a dia.


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