Em 2020, completam-se 25 anos da morte do sambista Geraldo Filme de Souza. Ao longo dos 67 anos de vida, o cantor e compositor fez questão de ser um símbolo de resistência, seja do samba paulista — muitas vezes renegado pelo carioca —, seja no movimento negro. Tudo isso por meio da música. Esse legado, por vezes esquecido, ganhou nova memória com o lançamento do álbum Tio Gê — O samba paulista de Geraldo Filme, produzido pelo Selo Sesc com idealização de Fernando Cardoso.
“Tio Gê é um sonho que nasceu de um encontro inesperado e um verdadeiro encantamento: quando a cantora Fabiana Cozza subiu ao palco do teatro do Sesc Santana e interpretou alguns sambas de Geraldo Filme, posso dizer que o que senti foi amor à ‘primeira ouvida’. Pouco tempo depois produzi uma série de shows chamada Palavra de paulista e convidei a cantora Virgínia Rosa para uma apresentação inteiramente dedica a ele. À medida que eu pesquisava o repertório e a vida do compositor, a curiosidade de quem, até então, conhecia apenas superficialmente seu trabalho foi se transformando em respeito e admiração”, explica Fernando Cardoso no encarte do disco físico sobre o que o motivou a criar o álbum.
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Seleção
“Fiquei muito feliz que lembraram de mim na hora da seleção. O diretor musical comentou que logo que ouviram o arranjo de O luxo da cidade pensarem em mim. Tem uma pegada que brinca um pouco com a soul music, que tem muito a ver com a minha trajetória e minha identidade musical”, afirma Ellen Oléria em entrevista ao Correio. A brasiliense ficou responsável por revisitar uma das canções românticas do repertório de Geraldo Filme, que, também ficou mais conhecido pelas letras que valorizavam o negro e o samba paulista.
“O trabalho do Geraldo e de todas as mulheres do projeto mostram isso: a cultura negra. A gente se encontra todos nesse contexto, que é algo que celebra a nossa existência e nossa identidade. Meu trabalho sempre foi muito atravessado pela afro diáspora”, comenta a cantora sobre as similares entre ela e as demais cantoras com o sambista.
Mescladas as 20 faixas estão seis textos narrados por Aílton Graça, Sidney Santiago Kuanza e João Acaiabe, que contam a história pouco conhecida de Geraldo Filme. “Acredito muito que a música tem o poder de atravessar o tempo, de desconstruir e diluir fronteiras. Acho que Geraldo se aproxima desse universo, de uma identidade cultural étnica e racial. Ele estava cantando e conta uma história de um povo, de uma maneira tão poética. Acho que ele fez um arquivo do nosso país”, completa Ellen.
Tio Gê — O samba paulista de Geraldo Filme
Vários artistas. Selo Sesc, 26 músicas. Disponível nas plataformas digitais.
Confira trechos de sambas de Geraldo Filme
Que gente é essa
“É o canto negro, senhor/ É o povo negro, senhor É a liberdade, senhor/ Que gente é essa de pé no chão/ Que tem no canto sua forma de expressão/ Cantou na travessia o seu triste lamento/ Para amenizar tanta dor e sofrimento/ Que canto lindo na plantação”
Tebas
“Tebas, negro escravo/ Profissão alvenaria/ Construí a velha Sé/ Em troca pela carta de alforria/ Trinta mil ducados que lhe deu padre Justino/ Tornou seu sonho realidade/ Daí surgiu a velha Sé/ Que hoje é marco zero da cidade/ Exaltar no cantar de minha gente/ À sua lenda, seu passado, seu presente/ Praça que nasceu do ideal/ E braço escravo”
Garoto de pobre
“Garoto de pobre/ Só pode estudar em escola de samba/ Ou ficar pelas ruas, jogado ao léu/ Implorando a bondade dos homens/ Aguardando a justiça do céu/ Seu lápis é sua baqueta/ Que bate o seu tamborim/ Ninguém olha este coitado/ Senhor qual será o seu fim?”
Vá cuidar da sua vida
“Crioulo cantando samba/ Era coisa feia/ Esse nego é vagabundo/ Joga ele na cadeia/ Hoje o branco tá no samba/ Quero ver como é que fica/ Todo mundo bate palmas/ Quando ele toca a cuíca”