Diversão e Arte

'A verdadeira democracia cultural está em BsB', afirma Oswaldo Montenegro

Em entrevista ao Correio, Montenegro relembrou momentos vividos na cidade

Correio Braziliense
postado em 26/04/2020 06:05
Em entrevista ao Correio, Montenegro relembrou momentos vividos na cidade

Primeiro artista com carreira iniciada em Brasília a obter reconhecimento nacional, Oswaldo Montenegro a cantou diversas vezes; criou, produziu e dirigiu, na década de 1980, o musical Veja você Brasília, que revelou Cássia Eller e Zélia Duncan; e abriu espaço em seu trabalho para um número expressivo de músicos candangos, entre os quais, Madalena Salles, Milton Guedes e Tom Capone. O cantor e compositor, nascido no Rio de Janeiro, mas brasiliense por adoção, foi descoberto pelo Brasil ao participar do festival promovido pela extinta TV Tupi, no qual classificou-se em terceiro lugar com Bandolins, em que dividiu a interpretação com Zé Alexandre. Com uma trajetória de quase 50 anos, 40 álbuns lançados,16 musicais, cinco filmes e uma minissérie, O Menestrel — codinome dado pelo crítico teatral carioca Yan Michalsky —, trouxe todas as suas turnês à capital, onde voltou recentemente para recriar o Veja você Brasília, com produção do Sesc, em comemoração aos 60 anos da capital. A apresentação seria neste mês, no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, mas, por conta da pandemia da Covid-19, a encenação foi transferida, a princípio, para junho, na praça da Torre de TV. Em entrevista ao Correio, Montenegro relembrou momentos vividos na cidade pela qual tem grande afinidade.

 
Em entrevista ao Correio, Montenegro relembrou momentos vividos na cidade 
 

Quando chegou a Brasília?

Eu tive duas chegadas a Brasília: a primeira, em 1960, com 4 anos, bem no início. Meus pais vieram para cá e passaram um ano e meio. E a segunda, em 1970, com 14 anos.

Quais foram suas primeiras ações ligadas à música, aqui?

A primeira coisa que aconteceu comigo em Brasília em termos musicais foi conhecer a família Prista Tavares, uma família maravilhosa. Doutor Paulo era pianista, Aparecida era pianista, Ana Cecília Prista Tavares se tornou cravista, mas era pianista e cantora na época, e o Paulo André, irmão dela, era violonista. Essa família me acolheu, me apresentou à música e a todo tipo de arte. Eu acho que devo mais a essa família do que a qualquer outra coisa, a minha possibilidade de trabalhar no que gosto.

Que contribuição musical recebeu do violonista Paulo André Tavares?

Paulo André é um grande músico e foi o meu grande companheiro musical na adolescência. Era um músico erudito e popular e éramos complementares. É um cara muito bacana, uma pessoa que até hoje admiro profundamente. Aprendi muito com ele.

O que o Concerto Cabeças representou para você?

O Concerto Cabeças era uma coisa maravilhosa: todo mundo tocava, todo mundo podia tocar, todo mundo assistia, todo mundo sentado na grama... A gente conhecia pessoas. Eu só lamento ter sido uma pessoa muito tímida, por isso eu conheci e me relacionei com menos gente do que eu gostaria, gente que eu admirava e admiro até hoje e nunca nem cheguei perto. A timidez nesse sentido é muito ruim.

Em que lugares se apresentou, antes de se tornar conhecido?

Eu me apresentava na Thomas Jefferson, na Aliança Francesa de Brasília, me apresentei muito na Sala Martins Pena, na Sala Funarte (que hoje é a Sala Cássia Eller) e em todos aqueles festivais de colégio que existiam na época.

Filho de pai militar, ligado ao Serviço Nacional de Informações (SNI), você criou e apresentou João sem nome — de temática social, o que era complicado na época da ditadura militar — com direção de Hugo Rodas. Que lembranças guarda daquele espetáculo?

João Sem Nome foi meu primeiro espetáculo a ser montado. Eu era um garoto ainda. Dimer Monteiro e Hugo Rodas dirigiram esse espetáculo, dois grandes caras. O Hugo se tornou um grande ídolo, um cara que me ensinou muita coisa. Mas, acima de tudo, Hugo Rodas me ensinou a ter coragem, me ensinou que a gente tem que ousar e que a gente vai sempre gerar polêmica, vai sempre gerar gente que gosta e gente que não gosta, mas essa é a única chance de fazer alguma coisa com marca. Hugo Rodas me ensinou que o sucesso de um artista começa quando alguém não gosta dele, porque ali se prova que imprimiu um estilo.

Bandolins, que lhe fez conhecido nacionalmente, após participar do Festival da TV Tupi, foi composta em Brasília?

Pra falar a verdade, eu não me lembro onde compus Bandolins. Ouvi várias histórias sobre isso, mas a minha memória é uma coisa horrível. Eu acho que morava no Rio quando escrevi essa canção.

Que outras canções de sua obra remetem a Brasília ou fazem referência à cidade?

Escrevi muitas músicas que falam ou se referem a Brasília. Léo e Bia, Pra Longe do Paranoá, Coisas de Brasília… Eu fiz um filme inteiro, Léo e Bia, meu primeiro longa-metragem, tentando retratar a minha turma na cidade. Esse filme tem muitas músicas nesse sentido, que é um grande tema para mim, por ser uma cidade que não se parece com nada. Todo lugar se parece com alguma coisa. Brasília é um dos poucos lugares do mundo que não remete a nossa cabeça a nenhum outro lugar. É única. E é contraditória: ela é reta, mística, futurista, tecnocrata. Te dá uma sensação de solidão, mas tem excesso de espaço. Ela é fria e seca. Brasília marca muito, eu sou marcado por Brasília e me considero um compositor de Brasília.

O musical Veja você Brasília, que criou, produziu e dirigiu na década de 1980, foi um dos primeiros a ser levado aos palcos no Brasil. Considera-se um precursor do gênero?

Não me considero um precursor. Esse gênero musical sempre existiu. Ele privilegia o contador de histórias, o narrador. Data de 1500, 1600, quando os menestréis andavam de castelo em castelo, contando e cantando suas histórias e utilizando o que estivesse à mão pra poder fazer o espetáculo fluir. Eu apenas continuei isso, muito influenciado (muito mesmo) por Hugo Rodas.

Ter revelado Cássia Eller e Zélia Duncan naquele espetáculo lhe trouxe orgulho?

Eu tenho muita alegria de ter revelado Cássia Eller e Zélia Duncan no espetáculo Veja você, Brasília, mas não tenho nenhum orgulho, porque tenho certeza que, com o talento delas, elas teriam se revelado independente de mim. Cássia e Zélia nunca precisaram de mim para nada — eu é que precisava delas para abrilhantar o espetáculo. E elas fizeram isso de uma maneira carismática, dedicada. E o musical foi um sucesso, justamente porque pude contar com esse tipo de artista maravilhoso, original e de extremo talento.

Quais foram outros artistas ligados à música e originários de Brasília que você, ao apoiá-los, os fez conhecidos nacionalmente?

Eu conheci muita gente em Brasília: Zé Alexandre, Madalena Salles, Milton Guedes… É impossível lembrar de todo mundo. Dunga e Tom Capone, eu conheci no Rio, mas eram de Brasília. Pedrinho Mamede e Léo Brandão, que tocaram comigo… É muita gente. Eu sou muito ligado a muita gente de Brasília, mas não me considero a pessoa que os lançou — me considero um parceiro que trabalhou com eles em algum momento e eles, por talento, trabalho e carisma, se projetaram.

O fato de ser o primeiro artista com carreira musical iniciada em Brasília, lhe traz que sentimento?
 
Eu reforço sempre a ideia de que sou um artista de Brasília e gosto disso. Acho que a Bahia conseguiu imprimir sua marca no Brasil. Minas Gerais também. Brasília ainda não imprimiu o tanto que merece, e ela tem uma marca muito forte. Brasília é a cidade que realmente agrupou, reuniu gente de todos os lugares desse país. É o verdadeiro caldeirão. A verdadeira democracia cultural está em Brasília e ela tem que jogar isso pro mundo. Brasília tem uma arquitetura muito própria, uma cultura muito original. Toda essa mistura faz com que essa cidade tenha uma marca que me interessa reafirmar a todo momento.

Como está sendo remontar Veja você Brasília?

Na verdade, não estou remontando Veja você, Brasília. Eu escrevi um outro espetáculo e usei esse nome para homenagear o primeiro, porque foi uma época muito boa na minha vida. É um espetáculo completamente diferente do primeiro, que eu reescrevi com as minhas impressões de hoje.

Descobriu novos talentos com essa recriação?

Sim. Essa montagem atual de Veja você, Brasília me mostrou grandes talentos, tanto na dança, quanto na música instrumental, quanto no canto. Foi uma coisa que me deixou muito feliz. E estou trabalhando com talentos em outras áreas também, como Raique Macau, na direção de arte; e Madalena Salles, na assistência de direção; velhos amigos com quem estou revisitando o ambiente, o clima de Brasília. É muito impressionante porque é um espetáculo interativo, então estou trabalhando com uma equipe jovem de filmagem, em que vi grandes talentos na técnica. A equipe de Veja você, Brasília, que deve chegar a 200 pessoas no final das contas, é toda composta por pessoas de Brasília. Técnicos, figurinistas, diretores de arte, câmeras, cantores, músicos... É impressionante o que essa cidade tem de talentos. O Brasil precisa ver isso. Além disso, essa nova montagem me proporcionou um reencontro com Zélia Duncan, minha grande amiga. Ela tinha participado cantando no meu primeiro filme (Léo e Bia), e, agora, nessa montagem, ela faz toda a narração, num imenso telão, e vai contracenando com o pessoal do palco. É uma montagem muito feliz, porque eu me reúno com grandes amizades antigas e formei grandes amizades novas.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags