Correio Braziliense
postado em 09/05/2020 04:06
É a luz certeira do piano de Amaro Freitas que ilumina a composição de Existe amor, EP lançado por Milton Nascimento e Criolo. A genialidade do músico pernambucano, exibida em duas das quatro faixas, eleva o conjunto a um nível maior. Não é que falte qualidade às outras duas canções, regidas pelo fundamental maestro Arthur Verocai, mas o virtuosismo de Amaro — distante de qualquer exibicionismo e sempre a serviço da música — traz a dimensão do assombro ao trabalho. Amaro traz o lampejo inesperado do craque, um drible absurdo e encantador em meio a um time de grandes jogadores e a uma partida, até então, muito competente.
Cais — parceria de Milton e Ronaldo Bastos do repertório do primeiro Clube da esquina — abre o EP. A interpretação piano e voz é arriscada e coloca Criolo em missão complexa. Cantar ao lado do mineiro já é ousadia, mas se arriscar em canção de difícil execução como Cais e sem a possível maquiagem de um arranjo com mais instrumentos torna o desafio muito maior. Cria do rap, o paulistano surpreende e consegue, mesmo dentro das limitações vocais, sair-se bem.
A verve afiada de Criolo também brilha no breve disco, como nos versos contundentes de O tambor (parceria com Verocai). “Interminável é o dia em que a fome visita o irmão/ Pior que a fome é um dia de humilhação”, dispara o rapper. Da lavra de Criolo, Não existe amor em SP é a principal realização deste conjunto de músicas. O piano de Amaro e a voz de Milton, aliados aos versos que dialogam com o vazio dos dias atuais, tornam a canção maior e a versão, definitiva. Difícil imaginar a possibilidade de uma releitura melhor do que a registrada neste EP.
Em tempos dolorosos e pesados, o talento de Amaro, a contundência de Criolo e a potência de Milton são um recado, uma lembrança de que existe Brasil muito além da ignorância destes temporais.
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