Diversão e Arte

Eterno símbolo de amor, a figura materna sempre chama a atenção no cinema

Filmes apoiados nas personagens maternais sempre têm forte apelo junto ao público, mesmo quando elas não são as protagonistas

 

Nem o endereço, muitas das vezes, chega a mudar; até mesmo porque há avó que more com a filha, em várias tramas reproduzidas pelo cinema. Certeiro é o sentimento que se faz universal: mães tendem ao sufocantemento, dado o amor incondicional aplicado na vida dos filhos. A maioria opera no terreno da soma de acolhimento e carinho. Com registros múltiplos, de toda a sorte de mães representadas, o cinema nunca dispensa evocar e materializar a figura unânime nas maioria das famílias. Abaixo, uma pequena amostra de como o cinema, sistematicamente, eterniza as figuras maternais.

 

Madame Rosa (1977)

 

Num bairro parisiense vive a personagem do título, uma das mães menos convencionais do cinema: ex-prostituta, obesa e envelhecida, ela cuida de uma turma de crianças (rebentos de prostitutas), a troco de algum dinheiro. Evidente, entretanto, que, sendo judia sobrevivente da Segunda Guerra, rechace preconceitos, e acolha decendentes de árabes e de judeus. Com uma pesada caracterização, Simone Signoret brilha na pele de Rosa, tendo vencido o César de melhor atriz, enquanto o pequeno Samy Ben Youb (que representa Momo) traz uma química rara ao lado da atriz — ele é o menino mais velho do

abrigo e espécie de confidente, apesar de alguma rudeza de Rosa. Dirigido pelo israelense Moshe Mizrahi, conquistou o título de Melhor Filme Internacional, na votação do Oscar.  

 

 

 

 

 

 

Terra fria (2005)

 

A mesma diretora Niki Caro, responsável pelo futuro longa Mulan, entusiasmou, muito antes do movimento #metoo: tendo, no centro de Terra fria, Charlize Theron e Frances McDormand nos papéis de mulheres discriminadas em decorrência da profissão. Ambas são mineradoras, em Minnesota (Estados Unidos) e convivem com ameaças e constantes insultos. A emotiva história de Josey Aimes (Theron), que cria os dois filhos sem muito apoio (até os avós se provam conservadores em excesso e pouco receptivos), passa pela imposição de respeito numa sociedade amplamente machista. Duas cenas incendeiam o desempenho de Charlize Theron: quando finalmente conquista o lar para os filhos e quando, acuada e difamada, esbraveja contra sórdidos cidadãos. Baseado em história real. 

 

 

 

Terra de sonhos (2003)

 

Coube ao irlandês Jim Scheridan se apropriar de um drama familiar, com toques autobiográficos e entregar a Samantha Morton o papel vagamente inspirado na mãe dele; e que, nas telas, ganha o nome de Sarah. Em parte, a trajetória de um irmão de Jim é redesenhada na tela, mas com muita ficção. Johnny (Paddy Considine) é o pai fragilizado por uma tragédia, em busca do restabelecimento de uma rotina saudável, na

Nova York que se torna o destino de esperança para o ator desempregado, a mulher traumatizada e duas filhas. Vivendo num faz de conta, Sarah tenta absorver uma perda irreparável, enquanto se prepara para dar a luz, pela quarta vez. 

 

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O peso de um passado (1988)

 

O veredito, O homem do prego e 12 homens e uma sentença demonstraram o poder do cinema dominado por personagens masculinos do cineasta Sidney Lumet. Mas foi ao lado de Judd Hirsch, da revelação (à época) River Phoenix e de Christine Lahti, atores de O peso de um passado, que, com delicado roteiro assinado por Naomi Foner, Lumet trouxe aos cinemas uma das mães mais mutifacetadas da telona. Encarnando Annie Pope, ao lado marido Arthur (Hirsch), Lahti dá vida aos ex-ativistas políticos que teriam explodido um laboratório, em 1971, e levam vida de foragidos, com dois filhos a tiracolo. Num jogo de mudanças de identidades e desgastantes disfarces, a mãe hippie, pouco a pouco, vê a inevitável necessidade de se descolar do primogênito, pronto para a vida. Vencedora de prêmio da Associação dos Críticos de Los Angeles, Christine Lahti interioriza cada sofrimento antevisto, e está disposta a se entregar para o FBI, pela liberdade dos filhos.  

 

 

Retratos de família (2005)

 

Rumo a Carolina do Norte, a representante de galeria Madeleine (Embeth Davidtz) pretende se associar a um artista com problemas mentais, ao mesmo tempo em que conhecerá os parentes do marido, entre os quais o introvertido e rústico Johnny (Ben McKenzie), nestre drama conduzido por Phil Morrison. Em meio à hostilidade, quem rouba a cena é a grávida Ashley (esposa de Johnny), num personagem impulsivo, doce e falante, interpretado por Amy Adams. É ela que fará Madeleine rever prioridades da vida com quê esnobe.

No papel de uma futura mãe, ingênua e infantilizada, Adams obteve a primeira das seis indicações ao Oscar.  

 

 

 

Do jeito que ela é (2003)

 

O diretor desta produção é Peter Hedges, hoje em dia conhecido por ser o pai do ator Lucas Hedges, que despontou em filmes com muito conteúdo relacionado à maternidade (vide Boy erased, Ladybird e Três anúncios para um crime). Em Do jeito que ela é, a pretendida protagonista April ganha a interpretação de Katie Holmes. Da precária cozinha dela vem os preparativos para um jantar de Ação de Graças destinado aos familiares que a veem como a ovelha negra da prole. Rumo ao indesejado encontro, a mãe Joy (Patricia Clarkson, fenomenal) pega a estrada, ao lado do marido paspalho, de um exaltado casal de filhos e da mãe de mente enfraquecida que já não os reconhece. Aos poucos, o público entende as camadas da personagem Joy que tem retoques de virulência: ela enfrentou mastectomia, não poupa os filhos dos constantes deboches, se diz inapta para amar April e, numa das paradas, puxa um baseado com o filho. Inesquecível.

 

 

 

Querido estranho (2002)

 

O filme do diretor Ricardo Pinto e Silva veio apoiado numa peça de teatro chamada Intensa magia, assinada por Maria Adelaide Amaral, e ainda que deposite muitas fichas na figura do personagem de Daniel Filho, um aniversariante de pouco humor e muito escárnio, descontente com o tardio noivado da filha Zezé (Claudia Netto), há um brilho exuberante na personagem de Suely Franco. Traída, esperançosa, delicada e uma espécie de liga poderosa para que a família permaneça unida, em meio a uma celebração espinhosa, Suely é inesquecível, como a mãe dos filhos bem crescidos, a cargo de Emílio de Mello, Ana Beatriz Nogueira e Claudia Netto.

 

 

O curioso caso de Benjamin Button (2008)

 

Não há como negar a marca do diretor David Fincher no filme estruturado como um conto nada convencional que deriva de texto de F. Scott Fitzgerald. Na Nova Orleans em que o protagonista já nasce idoso (e, progressivamente, rejuvenesce), para além da mágica que opera na cronologia, outro elemento fantástico brota da criação de Button: abandonado, quando recém-nascido, ele ganhará a atenção e os cuidados de outra mãe inesquecível nas telas do cinema — a resignada Queenie (Taraji P. Henson, vista na série Empire). Sem poder ter filhos, antes de um encontro inesperado com forças divinas, ela entrega toda a qualidade do amor maternal a uma criança inegavelmente estranha, mas, acima de tudo, prodigiosa.  

 

 

Charlize Theron: indicada ao Oscar por Terra Fria
Warner/ Divulgação - Charlize Theron: indicada ao Oscar por Terra Fria
20th Century Fox/ Divulgação - Terra de sonhos é centrado numa família problemática
Warner/ Divulgação - O peso de um passado (1988)
Sony Pictures/ Divulgação - Amy Adams concentra as atenções em Retratos de uma família
MGM/ Divulgação - Do jeito que ela é vem amparado numa mãe controversa
Imagem Filmes/ Divulgação - Querido estranho: adaptado de peça, e com brilho de Suely Franco
Warner/ Divulgação - O curioso caso de Benjamin Button venceu três prêmios Oscar