Diversão e Arte

Conversas candangas: Bailarina Norma Lillia Biavati relembra trajetória

Pioneira no balé local, a dançarina de 75 anos fala sobre a vida dedicada à preservação da dança

Correio Braziliense
postado em 19/05/2020 10:35
Norma Lillia Biavati
Pioneira da dança clássica em Brasília, Norma Lillia Biavati, 75 anos, é mais uma personagem de extrema relevância para a cidade a participar do projeto Conversas Candangas. A bailarina dedica a vida a conservar a cultura artística e ficou conhecida pela criação do balé Norma Lillia, que ficava na 108 Sul e completaria 57 anos em 14 de maio. Norma Lilia, então, é considerada um marco para a arte do balé na capital federal desde que Brasília era somente um canteiro de obras. Ao Correio, a professora relembra momentos vividos no meio da dança.
 

Saiba Mais

 

A senhora está em Brasília desde 1962. Como é a sua relação com a cidade?

Eu saí de Goiânia aos 5 anos e, depois, fui para o Rio de Janeiro. Aos 15, vim para Brasília. Por isso, me considero completamente brasiliense. Poderia ser um choque, para mim, sair do Teatro Municipal, de Ipanema, Copacabana, de teatros tão grandiosos. Mas, quando cheguei aqui, me deparei com uma cidade que estava sendo moldada. Isso me impactou muito. Eu fiquei apaixonada pelos sons da construção da capital. Eu imaginava que os redemoinhos de terra vermelha eram bailarinas dançando. Era como se eu estivesse vendo um corpo de baile. O barulho me remetia à orquestra, apesar de serem batidas de martelo. Tudo isso era uma novidade. Brasília me proporciona um bem-estar, é a cidade que tem meu coração e me segura. Eu estou morando em Porto Alegre, mas eu preciso voltar para Brasília. Esse é o meu lugar.

Qual história que a senhora viveu na capital federal que mais lhe marcou?

Quando eu cheguei, tinham pouquíssimos blocos, poucas pessoas… Lembro que fiz algumas apresentações de dança para os funcionários do Banco do Brasil e para os candangos. Eu fui envolvida pelo ar de Brasília, eu achava bonita aquela imensidão. As pessoas trabalhando, os candangos construindo os edifícios que vemos hoje. Foi uma virada de página enorme. Eu, com 15 anos, muito jovem, sentia a necessidade de criar coisas e sempre tive o dom da coreografia, então, comecei a investir no balé aqui na cidade.

Como descobriu a paixão pela dança? Quais foram as primeiras atividades relacionadas à arte que participou?

Minha mãe sempre me disse que eu já nasci dançando. Aos 4 anos, comecei a ter aulas com uma professora alemã e dançava com sapatilha de ponta. Isso foi o que me levou de Goiânia ao Rio de Janeiro, ainda com essa idade. Em um congresso de jornalistas, em Goiânia, fui convidada por Assis Chateaubriand para morar no Rio. Fui aceita, como uma exceção, pela escola Maria Olenewa, no Teatro Municipal, mesmo com idade inferior à permitida. Comecei a ter aulas com ótimos professores e me formei com 15 anos. Além dos Diários Associados, o próprio governo de Goiás investiu em mim e fez com que minha família inteira fosse comigo para o Rio. Mas, lembro que, nessa época, me sentia em uma bola de cristal que não podia rachar. Eu não podia fazer as mesmas coisas que crianças faziam. Eu só tinha descanso aos domingos.

A senhora é a primeira bailarina de Brasília.  Qual a importância desse papel na sua vida?

Quando cheguei aqui, não tinha muito para fazer, além de estudar. Eu estudei na escola normal e entrei, então, para uma Escola Parque como professora de balé. Até que resolvi abrir minha própria academia de dança na Escola do Rosário e, depois, o balé Norma Lillia. A responsabilidade em ser professora de dança é criar um método bem-feito, bem executado. Temos um acervo cultural muito grande para a cidade e isso precisa ser preservado. Não é a pessoa Norma Lillia, é o que foi feito pela dança para Brasília. Essa tradição do balé clássico é muito grande para o cenário artístico da cidade.

O primeiro corpo de balé clássico de Brasília foi criado pela senhora. Qual é a importância desses grupos para a senhora e para a cidade?

Primeiro, eu fundei a Academia de Dança Clássica de Brasília, que completou, em 17 de maio, 57 anos. Depois de 10 anos, criei o primeiro grupo de balé, o Grupo Brasiliense de Ballet, com um corpo de baile estruturado na academia. Porém, o nome do local era muito grande, por isso, mudei para o nome fantasia Ballet Norma Lillia, na 108 Sul. Esse primeiro grupo fez muitas apresentações com bailarinos reconhecidos, como Ana Botafogo, Fernando Bujones e Cecília Kerche. Mas eu queria fazer diferente do tradicional. Passei a criar minhas próprias coreografias e minha própria linguagem da dança. Por isso, criei a Trupe 108, que era regido pelo balé Norma Lillia. Foram cinco trabalhos coreográficos meus e um de Hugo Rodas. Levamos para a Europa e para os Estados Unidos. Ainda na Academia, tivemos o primeiro curso profissionalizante do Brasil com diploma emitido pelo Ministério da Educação.

Qual mudança a senhora vê no cenário artístico da cidade desde a criação da sua academia?

O fechamento do Teatro Nacional ocasionou uma morte para a dança local. Os espaços que temos são pequenos. Não dá para demonstrar a arte em sua totalidade. Temos poucos teatros com boas estruturas. Como pode a capital federal não ter um espaço artístico completo? Fui eu quem chamou a imprensa para mostrar a realidade por trás dos palcos do teatro. Por dentro, o espaço estava caído, não tinha mais nenhum camarim, as fiações estavam todas soltas. Quando fui buscar, a poucos dias de um espetáculo, documentos para a realização da apresentação, descobri que nunca tivemos alvará e uma segurança devida. Quando trabalhávamos lá, precisávamos colocar fitas em cima dos fios desencapados. Onde estava a segurança? Se houvesse um incêndio ali, seria uma catástrofe para os bailarinos e para o público.

Qual o impacto da pandemia e do isolamento social para a dança?

Não temos como fazer o conjunto, que precisa das aulas presenciais. Agora, eu, assim como outros bailarinos, investimos em aulas on-line. Porém, não é a mesma coisa, porque não têm os olhos do professor para ensinar os movimentos corretos, a postura. Nós teremos que recomeçar quando tudo isso passar. Mas isso não significa que podemos abandonar exercícios de alongamentos e flexibilidade. Imagina, desde o começo da quarentena, quanto foi perdido de dança, de corpo, de movimentação?

*Estagiária sob a supervisão de Igor Silveira

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