Diversão e Arte

Das páginas para as telas

Best-seller Pequenos incêndios por toda parte, de Celeste Ng, ganha versão em streaming que estreia hoje no Brasil. Com exclusividade ao Correio, autora fala das inspirações e das mudanças na adaptação

Correio Braziliense
postado em 22/05/2020 04:07
Original do streaming Hulu, minissérie da obra estreia hoje na Amazon Prime Vídeo

A adaptação de obras literárias para o audiovisual é algo bastante comum, principalmente, se as produções tiveram sucesso nas vendas. Best-seller de 2018, o livro Pequenos incêndios por toda parte (Little fires everywhere, em título original), da Editora Intrínseca, é um desses exemplos. Escrito pela norte-americana Celeste Ng, o material deu origem a uma minissérie homônima protagonizada por Kerry Washington (Scandal) e Reese Witherspoon (Big little lies) — em que a autora é uma das produtoras ao lado das atrizes —, que estreou em março deste ano no Hulu. A partir de hoje, os oito episódios da trama chegam ao catálogo da Amazon Prime Vídeo para os brasileiros.

“Desde o início, a equipe que montou a série — Reese Witherspoon e a produtora dela, Hello Sunshine, Kerry Washington e a produtora Simpson Street, a showrunner Liz Tigelaar e todos no Hulu — tiveram muito amor e respeito pelo livro. Todas as pessoas o leram e pensaram nele com muito cuidado. Gostei de trabalhar e ver como tornaram a minissérie um pouco diferente, adicionando novas camadas aos personagens e explorando temas do livro de maneira ligeiramente distintas, mas mantendo-se fiel ao coração da história. Foi realmente uma experiência maravilhosa”, explica Celeste Ng em entrevista exclusiva ao Correio.

A versão em minissérie acompanha as duas protagonistas do livro: Elena Richardson, vivida por Reese, e Mia Warren, papel de Kerry. As personagens são verdadeiros opostos. Enquanto Elena é uma jornalista sistemática e com os privilégios da classe média alta, Mia é uma mulher negra, artista anárquica, misteriosa, “quebrada, financeiramente falando” e que muda frequentemente de cidade. As duas foram inspiradas em partes diferentes da própria autora. “Mia e Elena são muito diferentes, são dois lados da mesma moeda. Ambas são incrivelmente rígidas em seus estilos de vida, apenas veem o mundo de maneiras opostas. Mia é tão fanática por sua arte, como Elena por seguir regras. Tenho partes de ambas dentro de mim: amor ordem e planejamento, como Elena, mas também sou uma pessoa criativa, como Mia, e gosto de quebrar barreiras”, comenta.

A vida das duas protagonistas da obra se entrelaça quando Mia chega até Shaker Heights, cidade de Ohio, nos Estados Unidos, e aluga uma das casas de Elena. A ideia era passar pouco tempo no lugar, apenas o bastante para mais uma das criações artísticas da personagem. No entanto, ao perceber a animação da filha Pearl (Lexi Underwood) com a cidade, ela aceita ficar permanentemente no local. Para bancar a vida no subúrbio, topa trabalhar na casa de Elena, como uma espécie de governanta. A partir daí, os conflitos de valores das personagens entram em combustão dando liga para a narrativa. Sem falar nos caminhos que se cruzam a todo momento, seja num mistério envolvendo a maternidade de uma criança, seja nas relações que os filhos das personagens criam ao longo da história.

Impressões

À primeira vista, tanto o livro quanto a minissérie podem parecer se tratar de um suspense, já que começam a partir de um incêndio para, então, retornar a história que leva até o fato. No entanto, Pequenos incêndios por toda parte nada mais é do que uma história de personagens, em que cada um tem a trajetória delineada — indo além da dupla de protagonistas e explorando familiares, colegas de trabalho, vizinhos e até a cidade (muito mais do que um cenário) — e, por meio disso, são inseridos temas como maternidade, racismo, privilégio, sexismo, aborto e sexualidade.

“Quando as pessoas são confrontadas com temas políticas, como aborto, racismo ou sexismo nas notícias ou na não ficção, às vezes sentem que estão sendo ensinadas, fecham as mentes e param de ouvir. A ficção tem a capacidade de criar uma pequena distância mental: o escritor não está falando sobre você, mas sobre personagens inventados. Essa distância permite ao leitor olhar para o problema de maneira mais objetiva. Como escritora de ficção, acho que meu trabalho não é apresentar respostas, mas levantar questionamentos no leitor: “Eu faria o mesmo que Elena Richardson? O que penso sobre as atitudes de Mia? Por que acredito nisso? Ver esses personagens me faz pensar sobre mim de maneira diferente?”, explica.

Em Pequenos incêndios... não há vilões e nem mocinhos. A obra faz questão de derrubar esses paradigmas. Os personagens são humanos com defeitos e qualidades, com erros e acertos. Cabendo ao leitor ou ao espectador avaliar toda a história contada, que tem momentos surpreendentes, principalmente, quando revela o passado das protagonistas.


Pequenos incêndios por toda parte
De Celeste Ng. Tradução: Julia Sobral Campos. Editora Intrínseca, 416 páginas. Preço médio: R$ 44,90 e R$ 29,90 (e-book).




Duas perguntas / Celeste Ng

Você morou em Shaker Heights. A história do livro veio de algo que você vivenciou lá?
Escrevi Pequenos incêndios por toda parte porque queria entender a minha cidade natal — todas as partes boas e não tão boas. A história do romance é completamente inventada, mas minhas experiências em Shaker Heights deram origem aos temas que o livro explora: privilégio, poder e boas intenções vs. deficiências humanas.

Quanto às diferenças entre o livro e a minissérie, o que você achou delas?
Era muito importante para mim que a minissérie tivesse espaço para se tornar algo próprio. Parte da alegria de uma adaptação é que você consegue ver como um artista diferente interpreta a mesma história. Quando os roteiristas sugeriram cada mudança, fiquei realmente empolgada! Existem várias diferenças entre o livro e a minissérie — alguns menores e outros muito maiores —, mas para mim todos parecem verdadeiros para os personagens e os temas. Alguns deles, como a sexualidade de Izzy (não abordada no livro) e a escolha por Kerry Washington como Mia (uma atriz negra, no livro não há menção a cor da personagem), permite que a série explore questões que não pude explorar no romance.


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