Diversão e Arte

Devoção à sétima arte

Em 16 capítulos do livro História do Cinema Mundial, o autor Franthiesco Ballerini alcança a façanha de apresentar atualizado painel estético e mercadológico relacionado à atividade do cinema nos quatro cantos do mundo

 
 
 
 
 
 


Geografias e períodos variados, uma dose de assumida pretensão, e o impacto do audiovisual em múltiplas culturas levaram o escritor e professor Franthiesco Ballerini à criação do livro História do Cinema Mundial. “Quando converso com alunos, todos não acreditam que o Brasil lança, nos cinemas, uma média de 100 filmes por ano. Dizem que não ouvem falar de quase nenhum deles”, conta, sobre uma das lacunas que mais o intriga. Inconformado, Ballerini não apenas quer difundido o hábito de os brasileiros prestigiarem a cinematografia nacional. Com o lançamento do livro, e à frente de ações paralelas, quer ver quebrada parte da realidade da esmagadora maioria dos países dominada pela produção norte-americana.

O cotidiano, na sala de aula, serve com termômetro do cardápio na preferência do espectador médio para o escritor que defende diversidade e pluralidade cultural. O conceito de transmídia (com um mesmo assunto abordado a partir de livro, filme e videogame, exemplo de famosas sagas de cinema) não vem com ares apocalípticos. Pesa o aspecto tecnológico e a visão de comunicação integral entre aldeias globais (propostas por Marshall McLuhan). Instagram e canal no YouTube vão dar respaldo a um projeto do pesquisador, que explica: “Vou mostrar porque há filmes incríveis da história do cinema que precisamos ver”.

Da lista de indicações figura a tríade predileta do escritor, devoto das fitas de Lars Von Trier, Michael Haneke e Stanley Kubrick. “São diretores geniais, que conseguiram impressionar em cada obra, impecáveis em todos os aspectos”, analisa. Quanto ao conteúdo do livro História do Cinema Mundial, no qual Franthiesco Ballerin surpreende, dada a capacidade de síntese num tema abrangente, junto a inúmero rol de peculiaridades de cinematografias; despontam observações de incrementos tecnológicos que movem o cinema. Em entrevista ao Correio, o autor traça a linha de apogeu e queda do drive-in (nos EUA), “que emplacou, pelo sucesso dos filmes B, que eram baratos e superficiais”, e conta da crise do 3D, eterna, desde a criação. “O efeito é bem menos relevante do que a fotografia, a arte, a atuação e o roteiro de um filme, portanto, não é indispensável. São raros os filmes em que o 3D faz diferença”, comenta.

   
» Entrevista // Franthiesco Ballerini

Que impacto tem o coronavirus na indústria, em escala global?
Impacto enorme! Todos os eixos da cadeia sofrerão muito para se recuperar. Talvez percamos salas e produções nacionais sejam canceladas. Não dá para comparar com as guerras, mas acho que existe um risco de fomentar, ainda mais, o hábito de o espectador preferir ver filmes em casa do que ir ao cinema. Algo bem perigoso para a rede exibidora.

A autossustentabilidade do cinema se deu de que modo nos países que a conquistaram?
Basicamente, foram condições econômicas, sociais e políticas que permitiram aos EUA controlar, financeiramente; produção, distribuição e exibição das próprias obras sem depender de estrangeiro. Índia é um caso à parte, pois o governo indiano só reconheceu a indústria cinematográfica como estratégica a partir dos anos 2000. Isso significa que a indústria indiana é mais autossustentável que a norte-americana, pois passou o século 20 inteiro sem ajuda do governo, e, por ajuda, quero dizer o fomento de leis e todo o aparato político que incentive o crescimento da atividade.

No âmbito cultural, quais foram os dados mais surpreendentes na pesquisa?
Saber que a Nigéria possui uma indústria cinematográfica que passa ao largo das salas de exibição, fazendo filmes para serem vistos em casa, desde os anos 1990, já que o país tem muitos blecautes diários. Desorganizada e sem controle do governo, em termos de incentivo e de arrecadação de impostos, a indústria nigeriana tem chamado a atenção do mundo. A Netflix, por exemplo, já fez coproduções com produtoras nigerianas. E o país quer que essa indústria empregue e venda o país cada vez mais para o mundo.

Streaming pode levar o cinema à derrocada?
Está abalando o mercado exibidor, mas não vai extingui-lo. Sempre haverá público para o cinema, assim como a tevê não eliminou o rádio, e o rádio não eliminou o jornal impresso. O streaming será uma opção da mesma forma que o telejornal se tornou uma forma de se informar para aqueles que leem jornais impressos. Uma coisa não exclui a outra. É claro que eu não acredito num aumento do número de salas, porque aí entram outras questões. Ir ao cinema se tornou tão caro quanto ir ao teatro. Só que a natureza do teatro é ao vivo. O cinema enfrenta forte concorrência com grandes tevês e aparelhos de som que oferecem uma boa experiência.

Remakes e live actions travam a criatividade em cinema?
Não travam, apenas limitam. Sinaliza a opção por apostar dinheiro em algo com menos risco de se perder dinheiro, pois já foi testado antes. Os estúdios de Hollywood possuem uma fatia de investimento para projetos mais ousados e com risco de não ter público. Pequena Miss Sunshine foi um destes casos, e que rendeu muito mais do que a Fox esperava. Ultimamente, com a crise, a aposta está sendo naquilo que eles sabem que dá dinheiro, os remakes, o que empobrece a indústria.

Qual o mais invejável esquema de protecionismo de indústria do audiovisual no mundo?
Hollywood não tem paralelo no mundo. E talvez seja a indústria mais protecionista, pois o governo americano sempre a fomentou como estratégica para difundir a cultura americana no mundo. Descobri que Hollywood é uma indústria protegida pelo governo quando entrevistei Gustavo Dahl (ex-presidente da Ancine, morto em 2001). Ele me surpreendeu com sua análise de como o cinema americano foi usado e protegido pelo governo para vender os EUA para o mundo. Descrevi isso, num capítulo do livro Poder suave. Se não existe protecionismo em Hollywood, não saberia conceituar protecionismo.

O Cinema Novo foi elitista?
Foi um cinema que falou sobre as raízes do nosso subdesenvolvimento, mas com uma linguagem que pedia uma formação intelectual e artística para compreender, em profundidade, a contribuição da arte no país. A grande frustração de Glauber Rocha foi fazer um cinema sobre o povo que não se comunicou com o povo, ao contrário da chanchada, que ele repudiava. Mas o mérito do cinema novo, que o faz ser estudado e admirado no mundo todo, é analisar as raízes do nosso subdesenvolvimento de uma forma que nenhum movimento cinematográfico fez no mundo em seus respectivos países.

O triunfo da vontade (1935) é o melhor documentário de todos os tempos?
É um dos melhores no quesito apuro técnico e cuidado narrativo, ainda que tenha causado danos imensos ao mundo. Leni Riefensthal (a diretora) teve um apoio incondicional do Partido Nacional Socialista e fez uma propaganda que é analisada a fundo até pelos grandes diretores de ficção de Hollywood. Mas acredito que, para ser o maior documentário de todos os tempos, é preciso haver um pouco de verdade e honestidade humana em sua narrativa — algo que o filme não possui, ao menos que você seja da SS (risos).
 
 
» História do Cinema Mundial
Editado pelo Grupo Summus. De Franthiesco Ballerini, 320 páginas, preço sugerido: R$ 80.