Uma cabeça efetivamente pensante domina muito das cenas de Partida, o mais recente filme dirigido pelo também ator Caco Ciocler: trata-se da atriz Georgette Fadel, um vulcão de atitudes e de espírito moldado por pensamentos marxistas. Inquieta e inconformada com a eleição de Jair Bolsonaro, a estrela do documentário de Caco (em ampla rede de exibição pelas plataformas de streaming), em dado momento da vida, teve o insight de se tornar uma virtual opositora de Bolsonaro, nas futuras eleições de 2022.
É deste lampejo que parte toda a ação do filme: candidata pelo Partida, proposto partido encampado unicamente por mulheres, Georgette está determinada à prosperidade de modelos melhor acabados de fraternidade social; daí, no filme, sair em busca da inspiradora figura do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica.
Partida, o filme, todo produzido sem aparato ou apoio estatal, pode ser encarado como o registro de um jogo cênico em que uma atriz decide pela oposição aguerrida contra malefícios e atitudes perniciosas emanadas pelos poderosos. Confira, a seguir, na entrevista do Correio, as propostas e ideiais da futura candidata (ou não...), pelo Partida, Georgette Fadel, encenadora paulista de obras politizadas assinadas por Bertolt Brecht e Samuel Beckett.
Entrevista // Georgette Fadel
Como antevê um debate com o presidente Jair Bolsonaro?
Um debate meu com o futuro candidato Bolsonaro não aconteceria, né? Porque ele nunca foi aos debates. Então eu poderia debater longamente com alguém que topasse debater.Com
alguém que tivesse algum tipo de articulação intelectual, articulação verbal e, no caso do nosso atual presidente, isso não existe. Nem há vontade de debater ideias e nem há capacidade e a possibilidade deste debate. Então acho que um debate entre eu e o candidato não aconteceria por WO (walkover), por ausência. Acho que meu grande serviço como representante seria justamente manter debate incessante com todas e todos.
Como percebe a atuação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos?
Tudo no país, e em todos os ministérios, está totalmente distorcido e invertido. Então é assim que está acontecendo também no ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos: está tudo invertido. Não existe real defesa dos direitos humanos, inexiste real defesa da mulher e inexiste o pensamento sobre o que é família, de acordo com a realidade e de acordo com a escuta de todas e todos. Existe sim uma postura totalmente moralista, fechada, estagnada e cristalizada. Vejo da pior maneira essa representatividade: vejo como uma não representatividade.
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Qual seria sua proposta de candidatura?
Como presidente da República, eu realmente ia por um caminho diametralmente oposto ao atual. Hoje em dia, o homem se vê como senhor da natureza, como alguém que chega aqui e dormina o mundo e vai criado todo tipo de confusão, tratado tudo como coisa; inclusive tratando uns aos outros como coisas, temos homens tratando mulheres como coisa, branco tratando negro como coisa. A gente usufruindo do reino animal e do reino vegetal como se fossem coisas.
Qual seria a sua plataforma?
No meu projeto de vida e, portanto, de poder, o ser humano não deveria exercer assim a sua força. Sua força, que é a inteligência, deveria servir para que a gente se integrasse cada vez mais. Com tudo e entre todos. Meu projeto seria de uma fraternidade incondicional. Todos os seres vivos são irmãos e portanto a gente deveria tomar as nossas decisões levando em conta a liberdade, a felicidade, a paz do outro, da outra, dos outros. Não só a nossa felicidade e a de das nossas famílias. Minhas propostas seriam voltadas para a felicidade de todos, para sensações de irmandade. Contaria com decisões tomadas com o máximo de escuta. Ouvindo as necessidades de cada pequena comunidade. Não pasteurizado
tudo e transformando as vidas das pessoas em tempo de serviço, por xemplo. Vislumbando capital, rentabilidade e lucro. Mas transformando a vida das pessoas em vidas. Aproveitando o que cada um pode dar de melhor: a flor de cada um. Governo, que é um serviço, deveria estar a serviço e não ter o poder sobre. Estar a serviço do que fosse melhor para cada indivíduuo, para cada coletividade. Procuraria exercer, assim, não o poder, mas o serviço.
E quanto aos planos palpáveis na tua arte? Há projetos bem alinhados com a situação da pandemia, não?
Estes projetos estava sendo concebidos antes, principalmente dois: Cecilia e Capô. Falavam diretamente da realidade que nós estamos vivendo. Então é claro que esta realidade se acirrou, mas a gente já vinha se preparado para algum tipo de colapso, a gente sabia disso: não sabia como aconteceria, mas estava colapsando, estava presente em grande parte das obras de arte, então, são obras que se tornam absolutamente contundentes e atuais. Falam e retratam e apresentam, sim, soluções para o momento que a gente vive.
Mas são projetos a serem desenvolvidos ainda?
Os projetos que estavam em andamento, continuam. Mas estamos
aprofundando os assuntos com mais leitura, absorvendo, escutando a realidade atual. Tudo tem muito vínculo com nossos processos que estavam em andamento. Cecília, que era um dos projetos, continua em andamento, inclusive para a realização de uma websérie. Foi o único dos projetos que achamos que tinha a cara de algo possível de ser contado no formato de vídeo. Uma brincadeira com teatro, com cinema e com a quarentena. E com artistas quarentenados, juntos. Está em produção: esse é o projeto do momento e que estamos conseguindo realizar. Dos outros projetos: Capô é uma peça de teatro, e estava a um mês da estreia, antes da pandemia. Será realizada em breve, assim que possível. Trata de um fim de mundo e de um salto iniciático. Tudo em direção ao abismo, rumo ao fundo da terra, em direção ao fundo do mar; melhor: ao coração da terra. Uma peça que diz respeito sobre a necessidade absoluta de densificar, expandir, forças do coração. As forças da fraternidade, o sangue que os nos une e que nos permitiria a nos olharmos como irmãos. É um projeto em aprofundamento. Isso, filosoficamente, aprofundado em pensamento, também havia algumas músicas sendo compostas e estamos elaborando a estética.
E a peça do Felipe Hirsch?
Já o Ultralíricos, do Hirsch, é sobre a "língua brasileira", com composição do Tom Zé, inclusive com material inédito. Fala da formação do nosso povo. O povo com todas as suas belezas, e todas as suas guerras e imposições e escravidões. Tudo o que a gente tem assistido aqui no plano político do Brasil. São projetos que estão no forno. Provavelmente, no pós-pandemia e, mesmo no durante a pandemia, vão mostrar a sua cara. Alguns, em nível virtual, outros tendo que esperar a realidade de estarmos novamente diante de um público físico.
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