Correio Braziliense
postado em 06/07/2020 04:23
Denúncias, cobranças e lutas para uma “virada de jogo” dos colegas negros, por maior visibilidade, inflamam a atriz, cantora e ativista Zezé Motta. Ela percebe vagareza na ocupação de espaços. Pelo movimento negro, Zezé já testemunhou criação de um centro de formação e documentação para artistas negros, tornado site, mas que parou dada a falta de patrocínio. “À época das pesquisas, eram 500 atores negros elencados somente em quatro estados”, recorda. Zezé vê um subaproveitamento de talentos, em cinema e tevê. “Nos palcos, com produções musicais e com dança, é diferente. Há peças só com elencos negros, de sucesso”, destaca.
Como está o Brasil no audiovisual quando vemos a representatividade nos Estados Unidos?
A gente tem que apostar na nossa cultura, fazer arte em cima da nossa realidade. Não importar o cotidiano de outro país. Temos o nosso histórico, ainda que o negro encontre afinidade com realidades americanas, por exemplo, a partir de limitações financeiras e da discriminação. Isso é um problema recorrente nos Estados Unidos também. O racismo está em qualquer parte do mundo. É preciso ressaltar, aliás, que, por toda a sorte, nem todos os brancos devem ser vistos como racistas. Sou de uma época em que vigorava uma falsa democracia racial. Racismo era velado. Agora, o racismo está escancarado. Os jogadores de futebol são agredidos em pleno exercício da profissão e há atrizes que sofrem agressões nas redes sociais. Não precisamos copiar as contradições dos Estados Unidos. Lá se fala em grupos de minorias enquanto, no Brasil, nós, negros, somos mais de 50%.
Como vê a adoção, vez por outra, da expressão pardo?
Eu tinha pavor que, na minha certidão de batismo, estivesse escrito “parda”. É horrível o tom da palavra! Sou negra. Vieram tantas definições: cabocla, mulata, preta, negra. Ouvi um rapaz dizer que era necessário abolir a expressão negro, uma vez que tudo o que é ruim “é chamado de negro”. Consultei até meu ex-marido, africano, um expert no tema, e ele disse que não vê diferença. O moço quase me convenceu a suprimir a palavra negro. Acerta quem me diz negra ou preta!
Qual o andar da representatividade no cinema?
Caminhamos a passos lentos. Mas vi conquistas em 50 anos de carreira. Sou da época em que onde atuasse Neusa Borges, eu não poderia estar. Só havia lugar para uma atriz negra. Era um tempo em que estava a Chica Xavier ou a Ruth de Souza; no qual estava Léa Garcia ou então outra. Personagens estavam longe da diversidade. Eram poucas personagens negras para o número de artistas disponíveis. Eram tipos sempre subalternos, isso sem contar as produções que imprimiam escravidão. Vivíamos sempre empregadas, motoristas e mordomos. Nada contra representar essas classes! Mas os personagens não tinham vida própria: vivam a reboque dos personagens brancos. O cenário era sempre o do emprego: sem filhos, marido ou mesmo casas. Algo a ser modificado.
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