Diversão e Arte

Thiago Ventura estreia especial 'Pokas' na Netflix

O comediante Thiago Ventura usa a periferia paulista como inspiração para os textos em 'Pokas'

Correio Braziliense
postado em 11/07/2020 06:18

De Taboão da Serra, São Paulo, diretamente para a Netflix. O humorista Thiago Ventura ultrapassou fronteiras ao lançar o especial Pokas no serviço de streaming. Conhecido pelo jeito irreverente de falar sobre as vivências da quebrada, Big Big, um dos apelidos de Thiago, cresceu e se tornou referência na comédia.

Humorista Thiago Ventura
Se engana quem pensa que, ao escolher trabalhar com stand-up, o único desafio foi arrancar gargalhadas do público. Thiago é formado em administração e tinha uma carreira confiável em um banco. “Pensa no desgosto da minha família”, comenta no vídeo Faculdade, do canal dos 4 Amigos, grupo de comédia em que Thiago faz parte.


Mesmo com uma fonte de renda segura e sendo considerado o futuro da família, Ventura optou pelo sonho, e foi a melhor escolha da vida dele. “A transformação de bancário para comediante foi completamente planejada e tenho orgulho de ter pensado passo a passo para nunca precisar de alguém, ou passar perrengue na caminhada. Fiz o que tinha que fazer e foi essa fita que me faz responder esta entrevista hoje”, relembra em entrevista ao Correio.


A transição não foi de repente: “tenho uma filosofia que é: pensar, anotar, desenvolver e executar. Quando eu descobri a comédia, sabia que não teria como eu viver dessa arte trabalhando em outro lugar. Ou eu me entregava ou não conseguiria, ponto final. Para isso, resolvi economizar cada centavo até conseguir dois anos de contas pagas, e, depois, me entregar à profissão. Lembro que atendia os clientes em uma aba do computador e, na outra, terminava um raciocínio. Era tudo ao mesmo tempo. Uma correria que, de certa forma, me ajudava a não perder o foco. Se eu parasse de fazer, com certeza desanimaria”, explica.


A correria valeu a pena e teve uma grande aliada: a internet. Bingão, mais um dos apelidos de Thiago, foi um dos pioneiros a divulgar os shows no Facebook, o que trouxe grande retorno nos espetáculos. “Mudou tudo. Antes, não tinha ninguém nos shows e um mês depois todos os shows estavam esgotados. Foi um divisor, sem sombra de dúvidas. A internet mudou minha vida”.


A linguagem e forma de se portar nos palcos também foram diferenciais. Ventura vem da periferia e é falando sobre ela que chega ao catálogo do maior serviço de streaming do mundo. “Nesse especial, eu faço piada com a vida na quebrada, deixando claro que ações falam mais do que palavras. Gravar meu terceiro especial de comédia stand-up, como um original Netflix, é, sem dúvidas, uma grande medalha e um feito enorme dentro da minha carreira. Lembro de pessoas rindo da quebrada, não com ela. Hoje, isso mudou e essa é a maior importância”, ressalta.


Com tantas conquistas, é possível dizer que nesse aspecto a periferia venceu. “A quebrada toda vai vencer quando tiver saneamento básico. ‘Que resposta pesada cara você, não é, comediante?’. ‘A quebrada venceu’ significa que mais um de nós conseguiu fazer diferente. Então, partindo desse princípio, sim a quebrada venceu de goleada e é Pokas”, finaliza.

Entrevista

 

Além de ser talentoso, você também é um estudioso da comédia. Como foi esse processo de aperfeiçoamento?
"Na ausência de referência seja". Eu gosto muito de falar essa frase, pois pode ser facilmente aplicada. Ninguém me ensinou a estudar.  Se não tenho referência de como estudar, vou criar o meu método. Lembro de ter uma pasta com cada comediante brasileiro e a primeira coisa que eu fiz foi decorar todas as piadas de todos os comediantes para reduzir as possibilidades das minhas piadas ou premissas serem parecidas com as de alguém. Tinha uma pasta nos documentos do computador. Nela estavam todos os vídeos de cada comediante brasileiro que postava conteúdo. Fiz isso por anos. Desde o famoso até o novato. Era assim que, sem saber, comecei a estudar. Consumir é estudar. Depois de muito assistir, comecei me interessar pelos gatilhos cômicos e estrutura. Inclusive o livro do Léo Lins, Notas de um comediante stand-up, é realmente muito interessante pra quem quer entender um pouco mais. Por ser curioso fui estudando o porquê que as pessoas riem e como elas riem da comédia que faço. Aprimorei e repeti. Enfim, criei alguns métodos que me ajudaram e ajudam a compor o que quero passar com minhas piadas.

E na parte do gatilho de “acting”, que você chegou a publicar um vídeo mostrando que era bom além disso. Precisou fazer algum curso de teatro para desenvolver esse gatilho nas pessoas, ou já era algo natural? Qual a importância de mostrar que além da atuação, o seu texto também é excelente?
Isso aqui eu tenho muito orgulho de dizer que sou eu. Entenda. Não quero que pareça prepotência da minha parte. Não, longe disso. Só estou dizendo que sempre fui assim. De exagerar com o corpo e tentar contar a história com esses detalhes. Eu acho muito engraçado de verdade. Sempre que vejo alguém fazendo "acting" no palco ou na vida eu fico muito preso. Acho engraçado ver o esforço e o quanto que a pessoa não se importa de se expor. Essa ausência de amarras me fascina. Acho que fazer rir sem dizer nada é tão elegante e diferente do comum que quando bem executada, ninguém da plateia hesita, é unânime. Ficar em silêncio e ter o absoluto controle das risadas e da atenção é um sentimento tão viciante quanto qualquer outro prazer único que a vida pode proporcionar. O texto é a alma do comediante stand-up. Você pode ser quem quiser, se o texto é impecável, está dentro. Se faz stand-up, precisa escrever seu material. Se comediantes fossem super-heróis o texto seria o nosso poder.

Quais suas grandes inspirações na comédia?
Richard Pryor e Dave Chapelle

Com dez anos de carreira na comédia stand-up, mudou alguma coisa no tratamento das pessoas de Taboão da Serra com você? Se considera exemplo para as pessoas da cidade onde vive?
"Sou exemplo de vitória, trajetos e glórias", Racionais MC’s. Temos que valorizar os verdadeiros, expor as medalhas e promover riqueza geracional para os nossos. Só assim tudo muda. Preciso de mais gente da quebrada aparecendo e falando para que tudo mude. Temos que parar de apontar o dedo pro erro e indicar o caminho do acerto. As pessoas sentem quando é de verdade.

Em entrevistas, humoristas como Gui Preto, Bruna Louise e Gabriela Abdala, amigos seus, citam sua importância para a comédia stand-up no Brasil. Como enxerga isso? Como é ser referência em seu trabalho?
Não tenho nem tênis para responder essa pergunta maravilhosa. Me perdoa.

E na pandemia? O quanto afetou o seu trabalho? Está sem apresentar shows, mas mesmo assim segue divulgando vídeos e fazendo lives no Instagram. Como está sendo sua adaptação? E como seguir criando conteúdo em um momento tão difícil como esse?
Eu faço stand-up comedy, o resto todo é coisa de rolezeiro. Me divirto com as pessoas e tento manter as redes aquecidas enquanto o meu real produto não pode ser executado. Gosto de trocar ideia com quem me assiste e as lives tem gerado assunto e várias piadas. Tem ajudado quando preciso me distrair. Só ponto positivo.

Por ser da quebrada, você também deve ter vivenciado cenas tristes de violência. Como é para você ver meninos e meninas terem seus sonhos interrompidos por ações violentas da polícia nas periferias?
Essa realidade não é de agora. Isso é apenas uma triste repetição do inferno que é viver na quebrada. Ninguém, que vem de onde venho, se sente seguro perto da polícia. Não dá. Não tem como. "Thiago, então você está dizendo que todos os policiais são ruins?". Não. Só estou dizendo que tenho 31 anos, e não tenho uma história feliz para contar. Enquanto quem que era para ser sinônimo de segurança produzir medo, nada mudará e por enquanto, paga quem não está no roteiro. Lamentável.

Recentemente você postou um texto do rapper Emicida falando sobre a felicidade de ver seu show na Netflix e você também esteve presente no álbum AmarElo. Como surgiu sua parceria e amizade com Emicida? E como foi ouvir um áudio seu em um álbum dele?
“Já devo ter visto todos os seus vídeos, o do play center nóiz imita o mulequinho com medo até hoje kkkkkk". O dia que eu li essa mensagem eu quase tive um infarto. Conheço o Emicida antes de conhecer o Leandro (nome verdadeiro do artista). "O maluco das rimas que me fazia dar umas risadas". Era minha curiosidade por comédia aflorando e identificando de maneira ainda inocente o que era engraçado. Tenho 12 anos de Emicida e 10 anos de comédia, tem noção? Foi por conta de um tweet que trocamos uma ideia e hoje tenho ele como um grande amigo que o rolê da vida me trouxe. Fazer parte do álbum AmarElo foi um surto de alegria. Acho o Emicida um poeta e ser contemporâneo dele é uma honra.

 

*Estagiário sob supervisão de Igor Silveira

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