Correio Braziliense
postado em 18/07/2020 15:36
Hoje faz quarenta anos que o álbum Closer, da banda Joy Division, foi lançado. Foi o segundo e último disco do grupo, cujo vocalista e letrista, Ian Curtis, cometeu suicídio em 18 de maio de 1980, um mês antes do lançamento oficial do disco, em 18 de julho. Se estivesse vivo, Ian Curtis teria completado 64 anos na quinta-feira passada. Apesar da morte precoce e da curta trajetória da banda, o impacto do grupo e dos dois álbuns foi tremendo.
A história da banda começou em 1976, depois que a seminal banda punk Sex Pistols se apresentou em Manchester, em 20 de junho. Dizem que, por onde os Sex Pistols passavam, inúmeras bandas se formavam, e naquela fria cidade industrial não foi diferente. Na plateia, estavam Bernard Samner e Peter Hook, futuros guitarrista e baixista da Joy Division, cuja formação se consolidou com Ian Curtis no vocal — outro presente no show dos Pistols — e Stephen Morris na bateria.
Com uma postura bem punk no início, a banda logo derivou para um estilo mais pós-punk, no qual foi pioneira. A sonoridade seca e exasperada dos instrumentos, as experimentações eletrônicas instigadas pelo produtor Martin Hannet e as letras existencialistas de Ian Curtis conquistaram inúmeros jovens e futuros artistas no mundo.
Um destes jovens foi Renato Russo, introduzido à banda por André Mueller, baixista da Plebe Rude, também conhecido como André X. André morava na Inglaterra com a mãe e ouviu a música Transmission pela primeira vez no programa de rádio de John Peel, importante DJ britânico. Depois, os Buzzcocks foram tocar no Top Rank Club, na cidade de Sheffield, onde André morava, e a banda de abertura era o Joy Division. “Naquela época, as bandas que estavam no topo escolhiam a dedo as bandas de abertura”, lembra o músico. “Foi um dos poucos shows em que a banda de abertura tinha apenas um compacto lançado. Dava pra saber que era a história se fazendo naquele momento”, recorda.
De volta a Brasília, André recebeu da Inglaterra, remetido pela mãe, o recém-lançado Closer. “Lembro que o Renato foi lá em casa e a gente ficou ouvindo aqueles teclados, não como no rock progressivo, mas mais atmosférico. Aquelas letras. Aquilo marcou muito a gente. Várias letras da Legião Urbana, da Plebe Rude e do Capital Inicial éramos nós tentando trazer essa dinâmica de sentimento sem ser clichê”, analisa.
O escritor e editor-chefe do jornal Estado de Minas, Carlos Marcelo, contabiliza que o nome da banda é citado 14 vezes em seu livro Renato Russo — O filho da revolução. “Joy Division foi uma das maiores referências musicais e estéticas para o rock de Brasília nos anos 1980. Além da sonoridade, a estética clean do grupo influenciou as bandas brasilienses. A capa do primeiro disco da Legião Urbana, por exemplo, lembra a capa de Closer, um dos trabalhos marcantes do designer inglês Peter Saville”.
Em páginas
No rol das homenagens aos 40 anos de lançamento do álbum Closer está o lançamento do livro Joy Division – Closer: Testamento musical, do escritor paulista Arlindo Gonçalves, pela editora Estronho. Autor de diversos livros de prosa, poesia e fotografia, Arlindo lançou sua primeira obra dedicada à banda Joy Division, In Aeternum – Joy Division, em 2018. Com a chegada dos 40 anos do álbum Closer, o autor pretendia lançar uma versão revista e ampliada do livro, o que se mostrou inviável e deu vasão a uma ideia mais ampla.
O novo livro, além de ser mais focado no último álbum da banda inglesa, traz uma miscelânea de formato e linguagens para formar uma espécie de biografia afetiva, ou seja, focada não só na história da banda mas, também, na relação dos fãs com a obra. Em um só livro, o leitor encontrará ensaios, análises críticas das letras e da capa do álbum, informações históricas sobre a banda, fotografias, contos ficcionais e ilustrações. O livro será lançado hoje, a partir das 16h, com uma série de lives e bate-papos em diferentes perfis nas redes sociais. Para mais informações e links, acesse a página In Aeternum – Joy Division no Facebook.
Duas perguntas//ARLINDO GONÇALVES
Como surgiu seu interesse pelo Joy Division?
Na década de 1980 não havia acesso a consumo de bens culturais como há hoje, com a internet. Nós dependíamos, para nos informar, da televisão e do rádio. As rádios rock não tinham uma trajetória tão grande, estavam começando. Conheci a banda por um desses programas de rádio, um especial de uma hora, sendo metade com canções do Joy Division e outra metade do New Order. Na tevê, tinha o programa Crig-rá, do Fernando Meireles, no qual o Marcelo Tas apresentava um quadro que trazia música de vanguarda para o Brasil, e contou a história do Joy Division. Comecei a trabalhar de office boy no centro de São Paulo, e finalmente eu encontrei a loja Bossa Nova Discos, onde vi pela primeira vez os dois discos do Joy Division. Fiquei impressionado com a estética da banda, as informações. Fiquei apaixonado pela capa do disco Closer. Com muito esforço, juntei dinheiro para comprar. Eu era um proletariado, e ainda sou, até hoje.
Os contos do livro são baseados em amigo seu. Pode contar um pouco sobre ele?
Ele era conhecido como Fininho. Era do bairro onde eu morava, na periferia de São Paulo. Todas essas histórias, da maneira que eu contei, ele também viveu. Todas essas bandas eram muito baseadas em literatura, cinema, músicas de outras vertentes, e a gente acabava buscando ler o que baseou determinado artista. Fininho era muito interessado em literatura, teatro, mas éramos muito pobres. Passamos por uma época de recessão no Brasil e uma crise muito forte na abertura do país e na era Collor. Muita gente perdeu o emprego e nunca mais se levantou. Foi o caso dele. Trabalhava na indústria têxtil, e não conseguia se recolocar. Entrou em depressão aguda, se afastou de amigos. Ele se enforcou. Morreu com 27 anos, ele era mais velho do que eu. Mas quero frisar que isso não tem nada a ver com o fato de gostar de Joy Division, aliás, ele era muito mais fã de New Order. Eu faço os contos baseado nos últimos dias dele. Eu ainda tinha muito contato com ele, mas por telefone. Estive com ele duas semanas antes, pra levar um livro do Oscar Wilde que ele tinha me emprestado. Vinte anos depois, tive a coragem de procurar pessoas que conviveram com ele nos últimos dias e tomar depoimentos. Escrevi tudo como ficção. Eu exploro os dramas humanos que tem nas letras, embaralhados com a vida dessas pessoas, e transformo em uma reinterpretação artística, para defender a obra do Joy Division não como uma peça mórbida causadora de suicídios, mas como um disco iluminado de um cara que falava do sofrimento humano.
*Estagiário sob supervisão de Igor Silveira
Joy Division — Closer: Testamento musical
De Arlindo Gonçalves. Editora Estronho, 264 páginas. Preço sugerido:
R$ 44, à venda pelo site da editora (lojaestronho.com.br).
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