Diversão e Arte

Dança reinventada

Com apenas dois dias de apresentações, o MID precisou se adaptar e vai ocorrer no sistema drive-in: coreógrafos criaram peças a partir do distanciamento social

Correio Braziliense
postado em 24/07/2020 04:16
Muxima tem apenas dois dançarinos e reflete sobre o corpo negro e a religiosidade




O Movimento Internacional de Danças (MID) de 2020 vai ser sucinto, uma amostra do festival, com um programa reduzido, mas ainda assim com foco na dança urbana. É uma forma de não perder o ano, que começou com uma pandemia e viu, aos poucos, o calendário cultural ir se esfacelando diante da propagação do vírus. O MID 2020 terá programação para dois dias e começa amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no esquema drive-in para o público e presencial no palco para os artistas.
 
Com um total de nove espetáculos, incluindo as batalhas de break, o festival foi reformatado para se encaixar na nova realidade trazida pela covid-19. “O que vamos fazer agora é uma abertura do MID, que vai abrir esse espaço para poder continuar com as ações no segundo semestre. Então, o que vamos fazer é uma abertura e, nos próximos meses teremos outras atividades, que serão on-line e com programação nacional e local”, avisa Sérgio Bacelar, diretor do evento.
 
Segundo ele, todos os protocolos de segurança serão seguidos no palco e durante a montagem dos espetáculos, inclusive as medidas de distanciamento, a parte mais difícil de colocar em prática em um festival de dança. Bacelar garante que isso foi levado em conta durante a seleção dos grupos. As batalhas de break, segundo ele, não são um problema porque não envolvem contato físico e cada dançarino faz a sua apresentação. Para os grupos, o diretor afirma que foi em busca de duplas e outras formações de pessoas que já conviviam durante a quarentena ou que moravam juntas. “Será uma batalha show, não é no formato normal, temos três componentes de cada grupo, é uma condição que todos mantenham distanciamento de dois metros entre eles, é uma condição que a gente acordou. Na batalha não existe necessidade de ensaios, diferente de outros grupos que precisam de contato anterior”, explica.
 
Para grupos como o Charadas, que apresenta o espetáculo Recomeço, a condição era que ensaiassem ao ar livre e respeitassem o distanciamento. Para o coreógrafo Luiz Fernando Barbosa, foi um desafio criar uma coreografia na qual não houvesse interação física. O Charadas é formado por 14 pessoas, mas somente seis participam de Recomeço, que conta a trajetória do grupo e também fala sobre o momento presente. “Foi um desafio, mas totalmente possível. Conseguimos montar uma apresentação que se encaixasse nessas exigências”, avisa Barbosa. Com cinco minutos, o espetáculo foi inteiramente ensaiado ao ar livre, em um estacionamento em Sobradinho. “Colocamos o que estamos sentindo com a pandemia. O isolamento está presente na coreografia. Há alguns passos agressivos, mas é o que a gente tá sentindo, uma certa revolta com toda essa situação. Ao mesmo tempo que a gente traz essa revolta e essa tristeza, a gente tenta trazer uma solução que é o afeto, o sentimento de trazer algo positivo de maneira que essa situação nutra a gente de alguma forma”, diz Barbosa.
 
Alguns dançarinos são casados ou estão em isolamento juntos desde o início da pandemia. É o caso do angolano Dilo Paulo e da brasileira Lena Siqueira, que apresentam Muxima. Casados, eles vivem juntos mas, mesmo assim, vão respeitar a regra de distanciamento exigida pela direção do MID durante o espetáculo. Não há contato entre os dois durante a apresentação, uma coreografia sobre Nossa Senhora da Muxima, que teria protagonizado uma série de aparições em Angola.
 
Muxima fala da peregrinação dos fiéis em busca da santa para serem batizados, uma história que data da época da escravidão. “Eles procuravam Muxima para serem protegidos da escravidão. O espetáculo fala sobre esse momento de estarmos a procurar nossos sonhos, mas também sobre o fato de hoje ser muito difícil você confiar nas pessoas”, avisa Dilo. Muxima, ele também avisa, significa coração e faz referência à capacidade da santa de enxergar a pureza. “Dentro tem toda essa movimentação de dança afro, o espetáculo mistura balé clássico e dança contemporânea. É repleto de muita dinâmica, mas suave ao mesmo tempo”, garante o coreógrafo.
 
Para Lehandro Lira, do grupo Transições, um dos maiores desafios são os encontros virtuais e o trabalho on-line, uma forma de não perder o laço e manter uma agenda de eventos. Em Atos contemporâneos, seis bailarinos estarão no palco. Desses, três moram juntos. Os ensaios têm sido feitos por vídeo para montar uma sequência de duas coreografias compiladas do repertório do grupo. Lira juntou trechos de Atos de fé e Relutância. “São dois temas que, de certa forma, abordam nosso cotidiano atual”, avisa. “A fé tem sido um dos motes maiores para as pessoas superarem essa sensação de impotência diante da doença, e relutância por conta do autoconhecimento e autocuidado por conta da pandemia. A gente conseguiu construir a coreografia em uma só e, para manter o distanciamento de dois metros, a gente teve que fazer adaptações.” Boa parte da coreografia criada por Lira envolvia movimentos aéreos com bastante contato entre os bailarinos. Ele precisou pensar em alterações que fossem capazes de manter a qualidade cênica. “A gente está se redescobrindo”, garante.


Movimento Internacional de Dança 2020 — MID
Amanhã e domingo, às 18h30, no Drive-in CCBB. Protocolo de segurança: Até quatro pessoas por veículo
Ingressos: A entrada será gratuita. A retirada de ingresso deve ser feita no site www.driveinccbb.com.br. Mais informações, programação e detalhes sobre o projeto no site: www.driveinccbb.com.br/
 

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