Correio Braziliense
postado em 30/07/2020 04:07
A pandemia fechou livrarias, paralisou edições de livros e dificultou o acesso aos títulos físicos, mas fez da literatura um produto ainda mais necessário. Pensando nisso e um pouco alimentado pela frustração de ver parte de seus projetos suspensos, o escritor Fred Di Giacomo convidou a autora Cristina Judar para criar uma coletânea de contos sobre o momento vivido pelo planeta. O resultado está em Pandemônio, publicado on-line, em formato e-book e com download gratuito. O livro reúne nove autores, sendo quatro residentes no Brasil e cinco na Alemanha, numa tentativa de encontrar na literatura de ficção uma voz para refletir sobre os rumos do planeta, da sociedade e da humanidade.
Desde que participou da Primavera Literária Brasileira, na Universidade de Sorbonne (Paris), em março de 2019, Fred Di Giacomo e Cristina Judar pensam sobre formas de divulgar a produção brasileira contemporânea no mundo. “Vivemos a melhor fase da literatura brasileira nos últimos 50 anos e pouca gente sabe disso. É uma geração de autoras e autores ainda muito restrita às pequenas editoras”, diz o autor do romance Desamparo. “Veio a pandemia de covid-19, era abril, e eu fiquei pensando: está todo mundo em casa, as livrarias e saraus estão fechados, está difícil comprar livro físico, as grandes editoras não estão em muita vantagem. Por que a gente não lança um ebook Pandemônio, reunindo autores contemporâneos massa, com contos meio ‘góticos – realismo mágico’ inspirados na pandemia e no isolamento e que se passem em Berlim ou São Paulo?”, conta.
A Alemanha pareceu natural para Giacomo, que reside no país há dois anos e é aluno de doutorado em literatura contemporânea brasileira na Freie Universität, de Berlim. As diferenças culturais também pareceram ricas a Cristina Judar, que há um tempo queria mergulhar em projeto capaz de estabelecer conexões culturais entre São Paulo e Berlim. “Com o passar do tempo, somou-se a isso a ocorrência da pandemia e o agravamento da crise política no Brasil, o que deixou ainda mais claras as diferenças e contrastes entre uma realidade e outra. Como escritores, naturalmente pensamos em como a experiência de viver em um desses polos impactaria na produção literária, tanto na nossa como na de nossos colegas.”, conta Cristina.
Segundo a escritora, os autores foram escolhidos de acordo com os próprios estilos e trajetórias. Os organizadores estavam interessados nas visões particulares de cada um e, sobretudo, na diversidade de narrativas e olhares. “Algo importante e necessário foi escolher autores que não necessariamente fazem parte da mesma ‘bolha’. Caso contrário, não haveria sentido em convidar várias pessoas, pois não teríamos diversidade de estilos, de ideias, diferenças em relação à origem, à realidade vivida por cada um”, avisa Cristina.
Entre os autores há, principalmente, nomes consagrados em prêmios como o São Paulo de Literatura, o APCA, o Sesc e o Jabuti. Fazem parte da lista, além da própria Cristina e de Giacomo, Aline Bei, Jorge Ialanji Filholini, Raimundo Neto, residentes em São Paulo, e Carola Saavedra, Alexandre Ribeiro, Karin Hueck e o alemão Carsten Regel, radicados na Alemanha.
Para Cristina, a literatura, de forma geral, reflete as condições e situações vividas pela sociedade e, com a pandemia, as reações dos autores têm sido muito plurais. “Há ações individuais e coletivas, assim como a nossa e as de outros grupos. As redes sociais também representam um canal de expressão de alcance livre, amplo e imediato. Há publicações digitais em andamento, projetos multidisciplinares, benfeitorias estão sendo organizadas. Inúmeras ideias colocadas em prática para fazer todas essas vozes literárias circularem”, explica.
As diferenças entre quem faz literatura na Alemanha e no Brasil também aparecem nos contos. Giacomo aponta, por exemplo, o texto do alemão Carsten Regel, uma narrativa muito mais leve do que a dos colegas brasileiros. “Quem faz literatura também sofre com a doença e a incompetência do governo brasileiro em combatê-la, né?”, conta Giacomo. “Teve mais de um autor convidado por nós que não conseguiu criar um conto para a Pandemônio porque a pandemia, as mortes, o confinamento, a falta de grana os paralisou. São tempos difíceis, não dá para romantizar o sofrimento. O Raimundo Neto, um dos autores da Pandemônio, disse várias vezes ser contra o culto à produtividade durante a pandemia. Acho que, no nosso caso, escrever era um alívio, mas também uma forma de tentar ‘fazer algo’”. Mesmo assim, a coletânea faz um rico painel de nomes contemporâneos e é um produto direto de uma situação mundial.
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