Correio Braziliense
postado em 24/01/2020 04:45
Amigável reconciliação
Aos mais céticos, tudo, no mais recente filme estrelado por Tom Hanks, rimará com autoajuda. É démodé mesmo toda a corrente de situações e valores impressos na fita assinada por Marielle Heller (de Poderia me perdoar?): harmonia, empatia e o uso de um tempo distendido, contra a dinâmica do corre-corre da contemporaneidade. Por vezes, a vida do personagem chave do filme — o popular apresentador norte-americano Fred Rogers (Hanks, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante) — parece um simulacro de O show de Truman (o drama com Jim Carrey), dada a perfeição e o catatau de boas intenções que ele carrega, tendo por esteio autênticas gentileza e ingenuidade.
É praticamente numa entrega de prêmios — o National Magazine Awards — que o espectador conhecerá o protagonista, Lloyd Vogel (Matthew Rhys, de Brothers & sisters). Sem um domínio sobre os próprios sentimentos, ele é um escritor de sucesso, mas que carrega um ferimento que o torna raivoso e incapaz de perdoar. Vem bem a calhar o metafórico abraço reconfortante que envolverá Vogel e Rogers. Repleto de prioridades questionáveis, Vogel parece disputar contra o mundo, em alguns momentos. Cutucando emoções primárias, com destreza didática, o pedagogo e apresentador Rogers, tema de um artigo do premiado redator, intervirá na vida de Vogel, distanciado do escrutínio de julgamentos.
Um mundo masculino nada tóxico será descortinado, no roteiro de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue. Uma sensação de alívio e o aplainar do cinismo brotam da trama. Administrar frustrações, usar fantoches em jogos emocionais e desencorajar bullying e valores apoiados no consumo desmedido fazem de Um lindo dia na vizinhança uma fita à la Charles Walters (dos clássicos Lili e A inconquistável Molly). Agressões morais, emocionais e físicas não são estorvos permanentes, parece sublinhar o roteiro. A capacidade de personalizar cada ser humano, a tolerância com a imperfeição alheia formam um admirável eixo de amadurecimento para uma celebridade como Fred Rogers, ciente das limitações: “Sou um ser humano”, ele reforça.
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