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Crítica / Aves de Rapina: Arlequina e sua emancipação fantabulosa **

 
Voo de codorna  

Há quase quatro anos, a presença da personagem Harley Quinn (papel, à primeira vista, perfeito para Margot Robbie) minimizou os estragos promovidos na adaptação para as telas chamada Esquadrão Suicida. Com mudança de status social, agora, bebum e solteira, Arlequina — uma espécie de heroína torta, nos moldes de um Deadpool — bem poderia se afundar na sofrência. Ágil, reativa e insegura, ela se descola do tóxico relacionamento vivido com Coringa, em termos inusitados: perambula por Gotham City, na qual promove sabotagem industrial, e, de posse de um arsenal com efeitos multicoloridos, investe contra um universo altamente misógino.

Sem a leveza do carisma, Arlequina tropeça em meio mundo que sente ojeriza por suas atitudes do passado. De engraçado, Arlequina traz as associações com a hiena de estimação e um castor empalhado.

Numa estrada em que está a passos do encontro com o vilão Máscara Negra (Ewan McGregor), Arlequina vai constituir uma irmandade, de laços tão fracos quanto superficiais, junto a tipos como Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell), a agente de polícia Renee Montoya (Rosie Perez) e Cassandra Cain (Ella Jay Basco), uma menina dedicada a pequenos roubos. Mesmo com algumas coreografias de lutas arrojadas, há efeito, nas cenas finais, que faz lembrar a novela Os Mutantes. Para compensar, a trama (escrita por Christina Hodson) dirigida por Cathy Yan acopla, sombria e desconfortável cena de machismo, numa boate com clima aos moldes dos inferninhos de David Lynch, em que uma personagem é obrigada a dançar, acossada, em cima de uma mesa.

O enredo alterado do longa, com lacunas de cronologia, é cortesia da protagonista que, como o vilanesco Máscara Negra (esse, sem razão de existir, mas apoiado pelo divertido fiel escudeiro, papel de Chris Messina), traz doses de caprichos e alucinações. Numa das melhores, devaneia, num paralelo com o número musical de Os homens preferem as loiras (1953). De comportamento alterado, e gênese explicada por desenho animado (logo no início do filme), Arlequina se mostra uma solitária criatura, com excessos de atitudes.

Num plano de paródia aos filmes de ação, o longa (que não tem essa pretensão) funciona. Fica claro que todo e qualquer inimigo das minas são os homens. Aves de Rapina tem um lamento que não se sustenta. Tal qual um unicórnio, Arlequina parece se divertir (sozinha), enquanto distribui cores e purpurinas na telona e espera por degustar o melhor sanduíche de ovo pelo qual é aficionada. Melhor no filme é a presença da forasteira Caçadora (Mary Elizabeth Winstead), que entra muda e quase sai calada. Ainda assim, impressiona.